Empresário admite que emprestou sete milhões a primo de Sócrates

Empresário luso-angolano Hélder Bataglia foi interrogado em Angola. Mais de cinco milhões terão acabado por ir parar às contas do amigo de infância do ex-primeiro ministro que, na tese do Ministério Público, é um testa-de-ferro de Sócrates.

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Defesa de Sócrates diz que “isto não é uma investigação, é uma perseguição”. AFP/JEAN-CHRISTOPHE VERHAEGEN

O empresário luso-angolano Hélder Bataglia, ligado ao grupo Espírito Santo e um dos arguidos da Operação Marquês, admitiu num interrogatório feito em Angola a pedido do Ministério Público português, que emprestou sete milhões de euros a José Paulo Bernardo Pinto de Sousa, primo de José Sócrates, que já apareceu referenciado no processo Freeport. Segundo o Ministério Público, uma parte significativa desse dinheiro, perto de 5,5 milhões de euros, terá acabado por ir parar às contas de Carlos Santos Silva, amigo de infância do ex-primeiro ministro que, na tese do Ministério Público (MP), é um testa-de-ferro de Sócrates.

No interrogatório, feito em Abril mas que só foi remetido recentemente para Portugal, Hélder Bataglia foi constituído arguido por suspeitas de corrupção activa, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada. Mesmo assim, prescindiu do direito ao silêncio e prestou declarações, desmentindo ter dado qualquer vantagem a Sócrates, quer de forma directa, quer indirecta.

Reagiu assim à imputação feita pelo MP, que, numa carta rogatória enviada às autoridades angolanas, afirma que várias transferências financeiras feitas por off-shores controladas por Bataglia, e que terminaram nas contas de Santos Silva, foram o pagamento de uma “vantagem indevida” a Sócrates para este, enquanto primeiro-ministro, favorecer o Grupo Espírito Santo (GES). Não é dito em que situação concreta terá ocorrido esse favorecimento, referindo-se apenas “em particular com respeito ao envolvimento do GES no grupo Portugal Telecom”.

Bataglia é uma figura chave nesta investigação, já que, segundo o MP, terá sido através de contas de off-shore que controlava que foram transferidos perto de 17,5 milhões de euros que acabaram em contas de Santos Silva, na Suíça (dos 23 milhões que este terá reunido naquele país). O dinheiro nunca entrou directamente na esfera do amigo de Sócrates, tendo passado perto de 5,5 milhões por contas controladas por José Paulo e 12 milhões por contas do vice-presidente do Grupo Lena, Joaquim Barroca. O MP diz que o dinheiro que chegou às contas de Bataglia teve origem no Banco Espírito Santo Angola, onde o empresário foi accionista e administrador, e da ES Enterprises, que se suspeita poder ser um saco azul do GES para pagamentos não documentados, por onde terão transitado fundos provenientes de Angola.

Interrogado oito horas

No interrogatório que durou oito horas e meia, com interrupção para almoço, Bataglia assume conhecer pessoalmente Sócrates, mas garante que só se cruzou com o antigo governante “não mais do que meia dúzia de vezes ou pouco mais”. Confirma que controlava duas das off-shore de onde partiram as transferências que estão na base da investigação e admite ter feito os movimentos propriamente ditos, mas nega que estes se destinassem a Sócrates. Garante que as transferências não têm nada a ver com o antigo governante, mas não explica o que motivou os movimentos avultados. “Por razões relativas à sua vida pessoal e empresarial e por conselho dos seus advogados, o declarante não pretende nesta fase – como sabe ser seu direito- revelar o enquadramento e os seus propósitos relativos a tais transferências”, lê-se no auto.

Quanto ao empréstimo feito ao primo de Sócrates, Bataglia, de 69 anos, diz que conhece José Paulo desde jovem, mantendo com este uma relação de amizade. Diz que entre 2005 e 2007, o amigo passou por dificuldades financeiras e que lhe emprestou um valor que “não consegue precisar a esta distância”, mas que “julgava ser próximo dos sete milhões de euros”. Isto depois de confrontado com as imputações do MP de que entre Maio de 2006 e Julho de 2007 transferiu “pelo menos nove milhões de euros” para a conta de uma off-shore controlada pelo primo de Sócrates. Sobre a devolução do dinheiro, diz que em 2012 o amigo reembolsou 4,5 milhões através da entrada num negócio conjunto de exploração de salinas, em Benguela. Mais tarde terá pago outra parte, admitindo que ainda existe uma dívida, cujo valor não revela.

Na carta rogatória o MP fala de forma genérica no favorecimento do empreendimento turístico de Vale de Lobo, no Algarve, do qual Bataglia é accionista. Mas apenas se refere à forma como a Caixa Geral de Depósitos, o banco do Estado, concedeu um empréstimo próximo dos 200 milhões de euros ao empreendimento e ao facto de ter adquirido uma participação de 25% naquele projecto. Nas imputações a Bataglia, desapareceram referências à forma como foi aprovado a revisão do Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve, num Conselho de Ministros presidido por Sócrates em 2007. O MP não fala na cláusula de excepção daquele plano, que antes insistira ter permitido valorizar alguns lotes em frente ao mar, que, se não fosse aquela norma, ficariam sem capacidade construtiva. O MP diz que Bataglia conhecia Armando Vara, administrador da Caixa entre 2005 e 2008, e que foi devido à intervenção deste que Vale de Lobo conseguiu o apoio financeiro do banco público. Bataglia confirma conhecer Vara, mas insiste que nunca teve intervenção na gestão do empreendimento nem conhece os detalhes dos financiamentos da Caixa.  

Contactado pelo PÚBLICO, o advogado de Bataglia, Rui Patrício, disse que não pretende nesta fase fazer qualquer comentário. Já o advogado de Sócrates, Pedro Delille, garante que todas as transferências em causa “estão justificadas por negócios que estão documentadaos no processo, através de contratos, actas de reuniões e emails”. O defensor volta a negar que Santos Silva seja um testa-de-ferro de Sócrates e remata: “Isto não é uma investigação, é uma perseguição”.

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