“Confiamos-lhes os nossos filhos durante 18 anos”, mas não os valorizamos
Três perguntas a Joaquim Azevedo, coordenador do inquérito As preocupações e as motivações dos professores.
Escreve em As preocupações e as motivações dos professores, o seguinte: “É como se um pessimismo endémico tivesse tomado conta da educação escolar.” Pessimismo (e também insatisfação) que é maior entre os inquiridos no ensino público do que entre os do privado. Como explica isto?
As diferenças podem explicar-se por vários motivos: no sector privado há, tendencialmente, mais estabilidade das equipas docentes, uma vinculação diferente ao projecto da escola, pois é esta que escolhe e contrata os seus professores, os projectos educativos têm uma maior ligação a ideias e modelos pedagógicos muito mobilizadores (carismas), os compromissos com a instituição e com as famílias tendem a ser mais constantes e cuidados, se mais não for pela dependência que existe entre “fornecedor do serviço” e “cliente”. Como uma boa parte das escolas privadas depende das propinas pagas pelas famílias (não é o caso, por exemplo, das escolas profissionais), além de estarmos perante famílias que o podem fazer, isso determina uma relação diferente entre escola e família.
A insatisfação e o pessimismo que aqui se revelam, mais vincados no ensino público, terá que ver com mudanças permanentes de legislação e de regras do jogo, aumento das horas de trabalho docente, da burocracia, do número de alunos por turma... mas o mais importante factor reside no fraco reconhecimento social e político da profissão docente.
Como é que se combate esse pessimismo?
Não existe, em Portugal, um reconhecimento da centralidade da missão dos professores, que são os profissionais que mais influenciam o presente e o futuro da nossa sociedade (estão com toda a população que nasce e cresce durante 18 anos seguidos, durante mais tempo activo do que os próprios pais). Este reconhecimento implicaria um amplo debate e um compromisso novo da sociedade portuguesa com os seus professores.
Outros países mudaram de rumo há algumas décadas e hoje estão muito satisfeitos com os resultados. Exemplos: condicionar o acesso à profissão aos melhores alunos (e não aos de baixas médias); condicionar o acesso ao exercício autónomo da profissão a vários anos de prática supervisionada (como se faz com os médicos); dar muito mais autonomia e liberdade às escolas e à definição e organização do trabalho quotidiano dos professores (que vivem dependentes de milhares de normas e burocracias sem sentido); valorizar no discurso e na acção política dos dirigentes o papel dos professores.
Os professores são uma classe resistente à mudança? 47,6% afirmam que quando se anunciam mudanças ou reformas educativas têm uma atitude crítica ou descrente, do género: “Não vai mudar nada”.
São resistentes à mudança como todos nós. O que existe aqui em acréscimo é uma desconfiança endémica em relação às mudanças constantes. Um exemplo: durante três anos teve de se trabalhar subordinado à existência de exames, virando profundamente as “agulhas” com que se trabalhava no ensino básico; três anos volvidos, tem de se voltar tudo atrás, como nada se tivesse passado… alguém acredita que isto se faz como quem come um bife e bebe um copo, sem dilacerar o quotidiano profissional e escolar? Só em liberdade e autonomia pode existir mais responsabilidade profissional.
O que era preciso saber: porque é que a sociedade portuguesa e os seus dirigentes políticos não valorizam os professores? Onde é que isso nos leva se é a eles que confiamos os nossos filhos durante 18 anos? O que pode mudar no curto, médio e longo prazo? Não deveria haver um compromisso comum dos portugueses nesta matéria, tão determinante para o seu presente e futuro?