Arco e colégios, duas multidões em Lisboa

Capital teve domingo intenso, com duas manifestações a competir pela atenção mediática.

Da Avenida 24 de Julho à Avenida da Índia, em Lisboa, são apenas cinco minutos de carro. Este domingo, os dois pontos da capital receberam duas multidões bem distintas mas que têm algo em comum.

Num lado juntaram-se 40 mil pessoas em defesa da continuidade de todos os contratos de associação entre o Estado e os colégios privados.

Noutro, milhares de pessoas foram ao último dia da ArcoLisboa, a versão lisboeta da feira de arte contemporânea espanhola.

Parece à primeira vista forçado. Dirão: as duas multidões coincidem apenas no tempo e no espaço. Mas arte e educação (ou a sua ausência) são, justamente, clássicos calcanhares de Aquiles do nosso país. Ver os seus “adeptos” tão perto uns dos outros torna a comparação irresistível.

O que partilham, para além das (muitas) pessoas que atraíram? A primeira: por detrás de cada uma está um velho problema. Já houve muitas tentativas de afirmar em Portugal uma feira de arte contemporânea que fosse o que as feiras de arte têm de ser: um sucesso de vendas. As extintas feiras na FIL e na Expo tinham mais visitantes, mas as vendas nunca impressionaram. Na ArcoLisboa, este domingo, várias galerias venderam muitas ou todas as obras expostas, todos os coleccionadores estrangeiros compraram trabalhos e os curadores de instituições como o Guggenheim de Nova Iorque, o Reina Sofia de Madrid ou a Serpentine Gallery de Londres, gostaram do que viram. A própria Câmara Municipal de Lisboa criou, há dias, um fundo para arte contemporânea e comprou para os acervos públicos seis obras na ArcoLisboa.

Do mesmo modo, já houve muitas tentativas para “melhorar” a relação colégios privados/escola pública, mas os três governos consecutivos que mexeram no dossier nunca conseguiram comunicar o porquê das mudanças e criaram sempre crispação: nem Sócrates, nem Passos, nem, agora, António Costa. Primeiro foram reduzidos os valores de transferência do Estado para os privados, depois foi mudada a lei, agora parece estar tudo em aberto e reina a confusão: é ou não mais barato para o Estado financiar escolas privadas que incluam alunos subsidiados?

As duas multidões representam por isso, também, o que Portugal é hoje. Um país à procura de encontrar o seu lugar no mundo cultural contemporâneo e que se tenta afirmar como lugar onde vale a pena ver e comprar arte. E um país à procura de um modelo de educação sustentável e que garanta a qualidade do ensino para todos.

E, neste ponto — o do futuro próximo —, os dois divergem. Perante o sucesso, a ArcoLisboa anunciou a segunda edição para 2017 e já se fala na de 2018. O poder de atracção e a rede de contactos internacionais da feira espanhola pode representar a solução que Lisboa procurava há décadas e que, sozinha, nunca conseguiu. Já o apoio estatal aos colégios, que fizeram a maior manifestação de escolas privadas de que há memória, tem desfecho imprevisível. E promete, ao contrário da arte, encher as ruas com cada vez maior crispação.

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