Aos 105 anos a jornalista Manuela de Azevedo vai ser homenageada
Foi uma mulher que “se entregou completamente à causa de um jornalismo de intervenção social muito forte”. Manuela de Azevedo estará presente na homenagem que lhe será prestada nesta quarta-feira, em Lisboa. E vai discursar.
Foi a primeira mulher portuguesa a receber a carteira profissional de jornalista, em Portugal. Manuela de Azevedo nasceu a 31 de Agosto de 1911. Faz 105 anos. O Sindicato dos Jornalistas (SJ) e o Museu Nacional da Imprensa vão homenageá-la nesta quarta-feira.
A cerimónia, na qual participam deputados e representantes de associações do sector, tem lugar na sede do SJ, em Lisboa, e conta com a presença da aniversariante, que é também a sócia mais antiga do sindicato. O Museu Nacional da Imprensa apresentará uma galeria virtual com textos publicados desde 1940, fotografias, entrevistas em vídeo, um auto-retrato e uma bibliografia da jornalista, que exerceu a profissão durante quase seis décadas.
A galeria virtual em homenagem da jornalista estará disponível no site do Museu Nacional da Imprensa e retrata a vida de Manuela de Azevedo enquanto jornalista que “se entregou completamente à causa de um jornalismo de intervenção social muito forte”, explica ao PÚBLICO Luís Humberto Marcos, director do Museu Nacional da Imprensa e coordenador da galeria. “Mesmo aos 105 anos, contínua lúcida e a saber distinguir muito bem o papel do jornalismo”, prossegue.
Manuela de Azevedo, que em 2015 foi condecorada pelo antigo Presidente da República Aníbal Cavaco Silva, recebeu inúmeros prémios. E viveu “os mais relevantes períodos históricos do século XX”, como sublinha o SJ em comunicado.
A sua ligação ao mundo do jornalismo começou cedo, o seu pai também trabalhava no ramo, foi director do Diário da Beira Alta e correspondente de O Século. Como a própria conta numa entrevista ao Diário de Notícias, publicada a 25 de Outubro de 2013, ela e a irmã nasceram em Lisboa mas viveram 13 anos em Mangualde. Nesses anos, a jovem “estudava em Viseu mas nas férias devorava jornais”.
O primeiro jornal em que trabalhou foi o República, para o qual escreveu um artigo a favor da eutanásia. Chamou-lhe “Matar por piedade” e claro, “foi imediatamente riscado pela censura”, relatou na entrevista de 2013. Foi, aliás, um dos vários artigos que viu censurados.
Foi no Diário de Lisboa que aprendeu jornalismo e onde escreveu alguns dos seus trabalhos mais importantes e emblemáticos. Como conta Luís Humberto Marcos, a jornalista fez-se passar por criada para conseguir entrevistar o rei Humberto II de Itália, que estava em Portugal depois de lhe ter sido concedido asilo político.
Entrou na quinta onde estava o rei, passou lá algum tempo, disfarçada, e quando teve oportunidade de estar sozinha com ele confessou-lhe que era jornalista e que esta tinha sido a única maneira de conseguir a entrevista, que lhe foi depois concedida e publicada em vários jornais através das agências de informação. “Era um verdadeiro furo jornalístico”, conta o coordenador da galeria.
Manuela de Azevedo tinha uma forma de estar no jornalismo “muito autónoma, muito independente” e tinha uma grande capacidade de intervenção, continua o director do museu. Para ela, sublinha, “a intervenção social é a função principal do jornalismo”. Por isso, foi muito gratificante realizar a reportagem sobre as furnas de Monsanto, onde denunciou as condições “horrorosas e sub-humanas” que ali se viviam, conta Luís Humberto Marcos. Após a publicação da reportagem “as pessoas [que ali viviam] foram obrigadas a sair de lá e foram-lhes encontradas através da segurança social alojamento adequados para eles poderem viver”.
A jornalista sempre viveu segundo a máxima de que “o jornalismo deveria ter a liberdade máxima e a responsabilidade máxima” como lhe dizia Joaquim Manso, fundador e director do Diário de Lisboa.
Manuela de Azevedo nunca se casou nem teve filhos. Passaram mais de 60 anos de carreira, que terminou no Diário de Notícias, aos 85, e não foram mais porque dizia que queria sair da profissão pelo seu próprio pé e, como recusava escrever à máquina ou no computador, decidiu que estava na altura de se reformar. Para a jornalista a mão era a única capaz de acompanhar os seus pensamentos. E ainda hoje é assim.
Apesar de não ver nem ouvir muito bem continua a escrever e já publicou diversos romances, ensaios e o livro de poemas "Claridade", prefaciado por Aquilino Ribeiro. São sempre escritos à mão, e depois passados a computador. Vive sozinha, na sua primeira casa em Lisboa, para onde se mudou com a sua família em 1938 quando foi trabalhar para o República, e mantém-se a par do que se passa no mundo. Fundou a Casa-Memória de Camões, em Constância.
Para a sessão de lançamento da galeria virtual em sua homenagem, marcada para as 11h30 desta quarta, já disse que queria discursar. E segundo Luís Humberto Marcos assim será.
Texto editado por Andreia Sanches