Visitas íntimas na prisão
Em dois estabelecimentos prisionais portugueses, os reclusos têm a hipótese de receber visitas íntimas, da mulher ou de pessoa com quem viviam em união de facto à data de prisão. O projecto, diz a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, está a dar bons resultados e vai ser alargado.
A criação de um espaço de visitas íntimas entre o recluso e a sua mulher ou companheira contribui "para o equilíbrio psicoafectivo do recluso e da família e, eventualmente, para o equilíbrio de tensões no interior da instituição prisional", explica a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP).Este regime existe, para já, desde Abril de 1999 no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, onde foram efectuadas 229 visitas; e desde Novembro de 1999 no Estabelecimento Prisional do Funchal, onde foram feitas nove visitas. A DGSP diz que os resultados foram positivos, e prevê o alargamento deste regime às prisões de Paços de Ferreira, Pinheiro da Cruz, Carregueira e Tires no próximo ano.Este regime destina-se a pessoas que cumpram prisões em regime fechado, condenados a penas superiores a três anos (sem necessidade de trânsito da sentença em julgado), a não ser que a visitante seja também reclusa.O processo burocrático inicia-se com o pedido do recluso dirigido ao director do respectivo estabelecimento prisional, acompanhado de uma declaração da mulher. Esta tem de afirmar que "concorda com o pedido e assume a responsabilidade por todos os riscos físicos e morais que daí possam resultar". São ainda elaborados dois relatórios, um dos serviços de educação e outro do Instituto de Reinserção Social (IRS), "no qual deve constar referência à estabilidade da relação afectiva".As visitas duram três horas, serão tri ou bimestrais, excepto no caso de reclusos estrangeiros, em que a periodicidade pode ser diferente, sem exceder o número total de visitas permitidas por ano. Uma visita extra por ano é dada como prémio aos presos que não tenham sofrido nenhuma sanção disciplinar nos últimos 365 dias. Essas visitas podem ser canceladas sempre que alguma regra (ver caixa) não for cumprida - nomeadamente o consumo de álcool ou estupefacientes - por mau comportamento do recluso ou "comportamento censurável da visita" e ainda por rompimento da relação afectiva. Neste caso, só passado um ano é que o preso poderá requerer novamente as visitas. Estes contactos íntimos são encarados com algumas reservas pela psicóloga clínica Julieta Duarte: "Como já se sabe que se vai para lá com aquele fim, por vezes os reclusos não se sentem bem", explica. "Muitos não querem expor as mulheres às entradas e saídas. Toda a gente sabe o que aconteceu...".Julieta Duarte está a estudar as implicações da reclusão na sexualidade, debruçando-se especialmente sobre as prisões. Trabalhou na cadeia das Mónicas e está colocada actualmente no Estabelecimento Prisional de Lisboa. Tentando desmistificar uma série de clichés "de homossexualidade, perversão e violência associadas à sexualidade nas prisões", a psicóloga diz que gostava principalmente de comparar as pessoas privadas da liberdade por livre vontade com as que foram privadas à força. "Não é por uma pessoa decidir que vai ser abstémia que o problema sexual deixa de existir", frisa.Mas nas prisões existem uma série de condições para que surjam diferenças: "Estes reclusos perdem não só a liberdade, mas uma série de gozos. Comem sempre o mesmo, estão privados do gozo olfactivo e mesmo do tacto. Numa prisão de homens a ternura e o carinho são conotadas com a homossexualidade... e são depois também privados do gozo sexual livre e adulto". A solução é "reprimir ou sublimar através de outros interesses, como os poemas de amor: eles escrevem muitos poemas de amor". Uma outra substituição é a droga - "e nestes casos os presos põem a sexualidade entre parêntesis. Enquanto estão viciados, a droga preenche-os por completo", diz Julieta Duarte. "Um dia um preso disse-me que um chuto de heroína era melhor do que um orgasmo".É preciso ainda lembrar, afirma Julieta Duarte, "que a maior parte dos criminosos não está lá por crimes sexuais". Aqui o mito da hostilização por parte dos outros presos é verdadeiro. Em relação a estes, a cadeia não tem de fazer juízos, mas também tem de lhes dar segurança. Eles são mais vigiados e se se vê que correm perigo, tenta-se evitar". E consegue-se? "Vai-se conseguindo...".Em relação à homossexualidade, diz a psicóloga, "é como em qualquer comunidade fechada com pessoas do mesmo sexo juntas, como os colégios internos, ou os quartéis: há comportamentos homossexuais. Existem homossexuais assumidos - mas são poucos. O que também existe é uma espécie de prostituição, no caso dos toxicodependentes, que aceitam práticas homossexuais passivas em troca de droga". "Não há uma diferença assim tão grande na posição perante a sexualidade entre uma pessoa presa e outra em liberdade, excepto na impossibilidade de a pessoa presa escolher o objecto do desejo", conclui. As práticas sexuais são também caracterizadas "por um regresso à infância: onanismo, fetichismo". E quanto ao espaço de intimidade? "No nosso sistema os reclusos não estão sempre dentro das celas. Podem estar sozinhos no quarto. Mas eles partilham muito coisas sexualizadas, o que põem na parede... Mas nem sempre a sexualidade será o maior problema destes reclusos. Um preso quando sai pode ir é logo comer um bom bife...".