Guardas-florestais contra a sua integração na GNR
Guardas e técnicos florestais apresentam reservas quanto à medida anunciada e temem que se crie um vazio em algumas tarefas
A decisão do Governo de extinguir o Corpo Nacional da Guarda Florestal (CNGF), um organismo policial que faz parte da Direcção-Geral dos Recursos Florestais (DGRF), e integrar os seus profissionais na GNR está a ser muito criticada pela classe. Esta é uma das medidas previstas num dos diplomas que concretizarão a reforma da protecção civil, actualmente em discussão pública. Os guardas-florestais deverão ser integrados no quadro de pessoal civil da GNR, no Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA).
Guardas e técnicos florestais vêem com maus olhos a mudança e acusam o Governo de ter tomado uma decisão baseada em informações pouco sustentadas. Há também quem entenda que a solução é correcta e realce o reforço de autoridade que a mudança trará à polícia florestal.
António Vivas, engenheiro florestal e ex-coordenador regional do CNGF, contesta a extinção. "O trabalho dos guardas-florestais vai além da vertente policial, tem também uma vertente técnica, que não se coaduna com a filosofia da GNR", acredita. "A relação estreita com a floresta e o contacto directo com as populações vai-se perder. E, com eles, um know how adquirido ao longo de mais de cem anos", insiste António Vivas.
Joaquim Sande Silva, da Liga para a Protecção da Natureza, teme que a situação deixe um vazio de competências: "Os guardas-florestais fazem controlos de podas e de cortes de árvores e verificam, por exemplo, o descortiçamento". E questiona: "Estas competências próprias da Direcção-Geral dos Recursos Florestais DGRF vão ser integradas na GNR?".
Não haverá vazioRui Raposo, da Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública, esteve recentemente reunido com o subsecretário de Estado da Administração Interna, Fernando Rocha Andrade, e dá outro exemplo. "Perguntei quem irá contabilizar as áreas ardidas, uma tarefa do corpo que dá origem aos relatórios semanais da DGRF, e não foram capazes de explicar", refere.
Ao PÚBLICO, o secretário de Estado da Administração Interna, Ascenso Simões, garantiu que não haverá vazio. "Todas as competências da guarda-florestal vão passar para a GNR", assegurou.
O presidente da Afocelca, uma organização criada por várias empresas do sector florestal que assegura a prevenção e o combate aos incêndios nas áreas geridas pelos seus associados, vê com bons olhos a medida. "É uma solução que pode funcionar", afirma. "Até ao momento, o que existia não funcionava, e um dos argumentos era a falta de autoridade. Este é um aspecto que sai reforçado com esta alteração", justifica. Mesmo assim, alerta: "É preciso que haja uma boa articulação entre a DGRF e o SEPNA. O resultado vai depender da liderança da estrutura, da clareza das funções e do empenhamento das pessoas".
A falta de equiparação salarial é um dos aspectos contestados pela classe. "Não faz sentido que duas pessoas que vão exercer as mesmas funções, mesmo que uma tenha um estatuto militar e outra civil, recebam salários diferentes", defende Rui Raposo. "A própria Constituição determina que para trabalho igual salário igual", reforça Figueiredo Lopes, membro do CNGF e dirigente sindical.
"Temos mais funcionários que o SEPNA, que foi criado em 2001, e somos a polícia mais antiga do país, porque é que não são eles a serem integrados no corpo da guarda?", pergunta Figueiredo Lopes. Martinho Gonçalves, mestre florestal e delegado sindical, considera que a solução para o CNGF tinha que passar por um reforço de pessoal. É que, apesar de os quadros da estrutura terem 1400 lugares, só 520 é que estão ocupados. Mais de 100 pessoas devem reformar-se nos próximos meses. "Há brigadas com dois elementos que têm 124 mil hectares para fiscalizar na caça, pesca, protecção florestal e incêndios além da sensibilização escolar", avança Martinho Gonçalves.
A combinação entre a hierarquia do CNGF e a da GNR, a falta de base legal para a utilização de armas dos guardas-florestais na GNR, o desenlace dos processos de coimas e contra-ordenação e o número de horas semanais de trabalho são algumas das questões ainda sem resposta.