Como cresceram os meninos prodígio?
No início deste ano lectivo, no Reino Unido, uma criança de cinco anos passou no GCSE (exame específico para aceder à Universidade). O pequeno Arran Fernandez apareceu em jornais de todo o mundo. Sempre que notícias destas surgem nos "media", repete-se a dúvida: como vai ser quando crescerem? O PÚBLICO procurou adultos considerados sobredotados na infância e encontrou um misto de realização pessoal e frustração. E uma opinião comum: ter talento não facilita a vida a ninguém - e em Portugal muito menos.O interesse pelas crianças sobredotadas não é exclusivo deste século. Já o pequeno Mozart despertava uma enorme curiosidade quando, aos seis anos, corria a Europa em digressão com o seu pai e irmã. Quando morreu, aos 35 anos, estava cheio de dívidas e tinha caído em desgraça. Não é que tenha deixado de ser um prodígio, os adultos também são sobredotados. "Por exemplo, o Einstein só foi identificado mais tarde", afirma Ema Oliveira, psicóloga da ANEIS, uma associação que se dedica ao estudo da sobredotação.Então, por que se fala apenas em crianças? "Porque a identificação é feita quando são crianças. Pela necessidade de intervir em idades precoces." E continua como se apontasse para os entrevistados: "Se não o fizermos em adultos podem surgir problemas." A sobredotação pode originar marginalização: é que um QI forte não implica facilidades em termos emocionais. "Queremos detectar o mais cedo possível as áreas fortes e fracas para depois serem trabalhadas", afirma Ema Oliveira. Manuela Esteves da Silva garante que os casos de insucesso entre os que têm ajuda são muito raros. Até que se apercebeu que adultos - que tinham sido crianças sobredotadas sem ajuda - tinham problemas e criou um grupo de ajuda.O ensino só está preparado para a "normalidade". As crianças com inteligência cognitiva acham que a escola anda "muito devagar", quem está virado para as artes não encontra estruturas para desenvolver os seus conhecimentos. Será que ao crescerem se diluem na sociedade? "Não sei se chegam a ser como os outros", afirma Manuela Esteves da Silva. "Alguns sentem sempre uma frustração porque conhecem as suas capacidades e sabem que não chegaram lá. Depois sentem-se frustrados, amargos." E conclui: "É um desperdício para a sociedade. É um desperdício para eles.""Os outros" sobredotados são aqueles que, como "Rui" [ver textos nestas páginas sobre casos de jovens sobredotados], encontraram a sua forma de estar na vida. Singram e não precisam de ajuda. Mas todos defendem que as potencialidades de cada um devem ser desenvolvidas e, desta forma, tornarem-se uma sobredotação. "Eu sou defensor da máxima que, independentemente do QI, deve-se aproveitar o máximo de talentos de cada um", afirma António [outro sobredotado]. "Rui" considera a questão como sendo de "interesse nacional", mais de que uma mera questão de bem estar individual. "As pessoas confundem sucesso com inteligência. Se tenho mérito real, isso não interessa?", afirma, reafirmando o seu desprezo por títulos, cargos e símbolos. "Eu analiso as pessoas por aquilo que elas podem produzir." Manuela da Silva Esteves critica a valorização do saber livresco e considera que os jovens que vivem nas aldeias são privilegiados porque têm acesso a outros conhecimentos. António fala com emoção do dia em que o pai lhe pediu para tirar o motor do carro, do "contacto com as mãos", da experiência... Descreve com orgulho a mãe costureira, um pai electricista e avós agricultores, que lhe permitiram "ensinar" como são feitas as coisas. Mas António acabou por ser empurrado para conhecimentos teóricos. "É inconcebível que a partir do 6º ano não haja uma escola prática, porque depois do 25 de Abril considera-se que este tipo de ensino é só para meninos pobres", acrescenta, aproveitando para criticar o "saber livresco" que se generalizou, atingindo pessoas que não têm qualquer tipo de vocação. Serão esta uma geração de frustrados? "Não tenha dúvida", responde.