A mesa dos portugueses na década de 80
Quase toda a gente comia sopa e tomava pequeno-almoço.
O único inquérito alimentar nacional já foi feito há 25 anos
Entre 90 e 95 por cento da população portuguesa do continente come sopa e alimentos cozidos. O pequeno-almoço é a refeição habitual da quase totalidade das pessoas, cujo regime alimentar dominante é constituído por mais quatro refeições diárias. Os alimentos mais generalizados são a batata, o pão, as gorduras líquidas e o açúcar. Era assim o quotidiano alimentar dos portugueses no início da década de 80 do século XX, dado a conhecer pelo primeiro Inquérito Alimentar Nacional.Realizado pelo Centro de Estudos da Nutrição (hoje Centro de Segurança Alimentar e Nutrição, integrado no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, INSA), foi o primeiro - e único - estudo em larga escala sobre os hábitos alimentares da população realizado até hoje em Portugal. O seu objectivo era avaliar o que ingeriam os portugueses, tanto de um ponto de vista quantitativo como qualitativo. Pretendia-se ainda obter informação sobre os vários tipos dominantes de culinária, tendo em conta as repercussões que podem ter na saúde.
Vinte e cinco anos depois, por iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes, a Assembleia da República aprovou há dias uma resolução em que se recomenda ao Governo que inicie ainda este ano o segundo Inquérito Alimentar Nacional. Considerado uma "peça fundamental para a definição de uma política alimentar e nutricional", deverá ser realizado pelo INSA e pelo Instituto Nacional de Estatística.
O trabalho realizado há um quarto de século abrangeu os 18 distritos do continente, incidindo tanto nas regiões urbanas como rurais. Foram seleccionadas 1665 famílias urbanas e 4335 famílias rurais, num total de aproximadamente 18 mil pessoas, incluindo um número arbitrário de 500 grávidas. A amostra de dois por cento da população total do continente à época pretendia-se representativa, e sem distorções, da realidade global do país. A recolha de dados incidiu sobre a unidade familiar, incluindo o cálculo dos consumos per capita.
Menos leite no campo, mais carne na cidade
Cada indivíduo consumia por dia 1550 gramas de alimentos. Este valor, considerado de "tipo médio", apresentava pequenas diferenças entre a população rural e urbana relativamente a alguns dos alimentos. No campo consumia-se muito menos leite do que na cidade. Carne, peixe e fruta também registavam menores consumos no meio rural, e o mesmo acontecia com os produtos hortícolas, "sensivelmente menos" ingeridos nas aldeias. Em contrapartida, o pão, as leguminosas secas e a batata registavam maior consumo do que nas cidades. Nem todas as gorduras entravam nos hábitos alimentares dos meios rurais: o azeite, a banha e o toucinho tinham mais procura do que a manteiga, a margarina e os óleos. Os ovos tinham consumo semelhante nas duas populações.
Analisando estes dados, os autores do inquérito concluíam que a alimentação da população rural era, no seu conjunto, mais saudável do que a urbana. Constatavam ainda que aquela era "sensivelmente menos dispendiosa", revelando diferenças acentuadas nos consumos. Nas zonas urbanas, pelo contrário, notava-se uma maior "uniformidade nas características alimentares da população".
A avaliação regional dos hábitos alimentares permitiu destacar aspectos interessantes. Por exemplo, o consumo de leite era muito baixo (menos 30 por cento do que a média nacional) nos distritos de Braga, Bragança e Vila Real. Os distritos com maior consumo de leite ocupavam também a primeira posição em matéria de ingestão de carne - Évora, Lisboa, Portalegre, Santarém e Setúbal. Só em Faro e Setúbal o consumo de carne não era superior ao de peixe.
O maior peso do pão na alimentação registava-se nos distritos de Bragança e Vila Real. A batata entreva mais na dieta das populações de Bragança, Vila Real, Castelo Branco e Guarda. A fruta, por seu lado, tinha mais saída nos distritos de Leiria, Lisboa, Portalegre e Setúbal.
Comparando o peso de alimentos consumidos, constatava-se que Lisboa, Portalegre, Santarém e Setúbal eram os distritos onde se consumia "quantidade sensivelmente maior do que a média do continente".