Outra vida para além do carvão
O fecho da Central Termoeléctrica de Sines, há quase um ano, foi o pontapé de saída para o fim da electricidade produzida a partir do carvão em Portugal. Mas o encerramento, antecipado pela EDP, é descrito como apressado e insensível. Os trabalhadores indirectos foram os principais lesados, muitos continuam no desemprego. Vanessa e Paulo, dois “filhos” da Central, seguiram caminhos diferentes. Que futuro para os trabalhadores que estão no caminho da transição energética?
24 de Dezembro marcou o dia em que se queimaram as últimas reservas de carvão em Sines. Num Natal limitado pela pandemia, foi criado um canal online para acompanhar o fim de vida da Central. “00 horas, 20 minutos 20 segundos, foi quando o monstro se calou. O último suspiro daquela central”, recorda Luís Barbosa. “Monstro? A minha menina…”, corrige Vanessa Lima. Foi há quase um ano. O encerramento oficial foi a 14 de Janeiro. A Central ainda faz parte da paisagem do Alentejo litoral. E também do álbum de casamento de Vanessa.
“Disse à fotógrafa que queria fazer algumas fotografias na praia de São Torpes. O céu estava nublado. E ela dizia no carro: ‘Por favor, que as nuvens estejam altas.’ Quando chegámos, ela olhou para mim e disse: ‘Vanessa, perfeito.’ E eu olho para o outro lado e digo: ‘Os quatro grupos da Central estão a trabalhar, perfeito.’” Dos quatro grandes blocos castanhos que dão corpo à termoeléctrica saía vapor de água. Vanessa, o marido e a Central posaram para a fotografia.
“Considero-me uma filha da Central”, diz Vanessa que ali trabalhou oito anos, primeiro no Clube de Pessoal da EDP, depois como administrativa, sempre através de empresas prestadoras de serviço.
Em casa, ao jantar, começou cedo a ouvir falar de caldeiras e turbinas: o pai integrou o primeiro grupo de trabalhadores da Central, em 1985, e lá se mantém nas operações de descomissionamento que terminam no final deste mês. A mãe também trabalhou lá durante alguns anos. “A primeira vez que entrei na Central foi na barriga da minha mãe.” Vanessa é agora funcionária do Gabinete Local de Encaminhamento Social (GLES), criado pela EDP, Câmara Municipal de Sines e IEFP para dar apoio aos ex-trabalhadores. “Ao fim ao cabo, eu sou um deles.”
“Considero-me uma filha da Central. A primeira vez que lá entrei foi na barriga da minha mãe. Não posso estar zangada. Foi aquela fábrica que me deu tudo o que eu tenho. Desde que eu nasci até hoje.”
Vanessa Lima
“Dei muito de mim e da minha família à Central. Sabia sempre a que horas entrava, nunca sabia a que horas saía. Infelizmente não vi foi os meus filhos crescer.”
Luís Barbosa
“A surpresa foi pela antecipação. Havia tempo para preparar as coisas de modo a que quem perdesse ali os empregos pudesse ter outra vida para além da Central. Tínhamos tempo.”
João Damas
“Não era contra a transição energética, mas sim contra a forma como está a ser feita. Este ano para mim? Foi complicado. O que reina é a incerteza e um ponto de interrogação no nosso futuro.”
Paulo Oliveira
Os últimos anos da Central Termoeléctrica de Sines foram pesados. A incerteza que pairava sobre a data de fecho deixava os trabalhadores entre a ansiedade e a incredulidade. Paulo Oliveira, 43 anos, entrou “ainda em miúdo”, com o pai. Era nas excursões que as escolas do concelho faziam àquela fábrica com vista para a praia de São Torpes que Paulo se enchia de orgulho. “Ena, o teu pai trabalha aqui”, diziam os amigos. Afinal, também ele era um filho da Central. “Tive sempre uma paixão por aquela casa, pela área da electricidade.”
Os pais saíram de Gondomar quando Paulo tinha seis anos. “Ele trabalhava na EDP, na Tapada do Outeiro. A central ia encerrar e abriu a de Sines. Propuseram-lhe a transferência e ele aceitou”, recorda.
Paulo começou a trabalhar na Central aos 19 anos, no seu primeiro emprego. Ali se manteve nos 24 anos que se seguiram, sempre contratado por prestadores de serviço à EDP. “Aqui somos iguais, era a palavra que reinava naquela casa. Mas no momento em que precisávamos que fosse assim, família e todos iguais, sem distinção, acabou por haver”, critica. Tal como os cerca de 220 trabalhadores indirectos, recebeu uma indemnização e foi-lhe atribuído o subsídio de desemprego. O futuro ficou em suspenso, sem perspectivas de um novo trabalho.
Em Outubro, quase um ano depois do fecho da Central e a pedido dos ex-trabalhadores, arrancou uma formação do IEFP de Técnico de Sistemas Solares Fotovoltaicos. Foram abertas duas turmas, que contam com 22 ex-trabalhadores indirectos da Central. Paulo Oliveira é um deles: “São cursos de 18 meses e para algumas pessoas vai acabar o subsídio de desemprego antes de acabar a formação”, explica.
No seu caso, o subsídio terminará em Dezembro de 2022. Ainda assim, não está optimista: “Foi-nos mesmo dito pelo IEFP: ‘Vamos dar-vos este curso mas não temos qualquer certeza que depois alguma empresa vá pegar em vocês.’”
À semelhança do pai, anos antes, também gostaria que lhe tivesse sido proposto a transferência para outras operações da EDP. Mas não tinha direito. “Há um sentimento de revolta e ansiedade. Muitos chegam a dizer ‘por favor não toques nesse tema’, estão magoados com a forma como foi a nossa saída.”
Acção em tribunal
Não são os únicos. No caso dos trabalhadores do quadro da EDP, 107 pessoas à data do encerramento, cerca de 15 integraram a mobilidade interna, os restantes entraram nos processos para a pré-reforma, ainda que não tivessem atingido a idade legal.
“Logo na primeira reunião com os Recursos Humanos disse que queria continuar a trabalhar”, conta Luís Barbosa. Tinha 25 anos quando trocou Queijas, nos arredores de Lisboa, por Sines. Chegou logo em 1985 para abrir a Central. Devido à falta de mão de obra na região, a EDP recrutou a maioria dos trabalhadores do norte e centro do país. Aterraram em Sines, vila piscatória e agrícola, mas não tardou a que se enraizassem na comunidade. “A primeira coisa que fiz foi olhar para o mapa das argolinhas, o mapa das categorias e dos vencimentos.” Entrou na última posição: serralheiro mecânico. "Tive de olhar muito para cima. E apostei para mim mesmo: um dia chego lá acima.” Aos 28 anos já era chefe de departamento, deu formação, chefiou sectores, decidiu paragens na operação, reparações.
Aos 61 anos, Luís Barbosa diz ter sido empurrado para um acordo de pré-reforma que penaliza em cerca de 800 euros. Crédito: Diego Nery
Sabia sempre a que horas entrava, nunca sabia a que horas saía. “Infelizmente não vi os meus filhos crescerem”, desabafa.
Com o fecho da Central, a primeira proposta da EDP foi a transferência para a central termoeléctrica do Ribatejo. Dias depois, a vaga era afinal na barragem do Fratel, Vila Velha de Ródão. “Aquela barragem não está perto de nada e está longe de tudo, como se costuma dizer.” Mas Luís Barbosa, que vive em Vila Nova de Santo André, estava disposto a ir, “se era lá que precisavam”.
Quando a proposta foi formalizada a vaga que lhe ofereceram era para serralheiro mecânico. Luís viu-se a andar 36 anos para trás no mapa das argolinhas.
Diz que a EDP insistiu que solicitasse à Segurança Social a pré-reforma na primeira data em que tivesse acesso, aos 64 anos e 2 meses. Tem 61. “Ir para a reforma nessa idade quer dizer que eu estou a dar um chuto na minha reforma de cerca de 800 euros por mês.”
O Sindicato das Indústrias Energias, Serviços e Águas de Portugal (SIEAP), maioritário na Central, avançou com uma acção em tribunal contra a EDP por desrespeito do acordo colectivo de trabalho, que ainda não teve desfecho.
Transição justa?
Quando a Central de Sines fechou já os trabalhadores da refinaria da Galp em Matosinhos tinham recebido o aviso de que também iriam perder o emprego. O encerramento da refinaria, em Abril, levou à perda de 1600 postos de trabalho na região. O despedimento colectivo de cerca de 160 trabalhadores mereceu duras críticas de António Costa: “Um exemplo de escola de tudo aquilo que não deve ser feito por uma empresa que seja uma empresa responsável”, disse em Setembro.
“É um paradoxo, não é? Não se pode ser um bom exemplo de corte definitivo com o carvão se não se tem em conta a dimensão social”, argumenta Judith Kirton-Darling, secretária-geral do IndustriAll Europe, uma federação sindical europeia que representa cerca de sete milhões de trabalhadores de quase 200 sindicatos europeus dos sectores da mineração, energia e manufactura, incluindo seis portugueses.
A Central de Sines era a maior emissora de dióxido de carbono em Portugal. Em 2018, libertou 7,4 milhões de toneladas de CO2. Crédito: Miguel Manso
“Na União Europeia, seja no contexto do Acordo Verde Europeu ou em políticas mais alargadas climáticas e de energia, a retórica da transição justa, de não deixar ninguém para trás, é repetida a toda a hora. Mas temos de julgar não pelo que é dito, mas pelo que é feito.”
Os sindicatos portugueses ligados ao IndustriALL, nomeadamente o Fiequimetal/CGTP-IN, têm levado o caso de Sines e Matosinhos aos parceiros europeus. “Levantámos a questão da EDP, no contexto de discussões. Mas com a refinaria da Galp, em Matosinhos, levámos mesmo o caso à Comissão Europeia como um exemplo de más práticas”, revela Judith Kirton-Darling.
Dá como bom exemplo Espanha onde, em 2020, houve a negociação de um acordo nacional entre o governo, os sindicatos e os trabalhadores sobre o encerramento de centrais a carvão no país.
A nível europeu, o IndustriALL exige um enquadramento legal para a transição dos trabalhadores afectados pela transição energética, que passa necessariamente pela sua requalificação antes do encerramento das operações. “Para que quando o anúncio surja, o plano já esteja pronto a ser posto em prática”, sublinha Judith.
“O nosso entendimento é que isso não aconteceu em Portugal. Portugal é visto como bom aluno. Sim, chegas mais cedo à escola, mas não fizeste o trabalho de casa”, remata.
“Havia tempo para preparar as coisas de modo a que quem perdesse ali os empregos pudesse ter outra vida para além da central. Tínhamos tempo”, lança João Damas. Sempre foi “bichinho de contas, quando via alguma coisa que era preciso tentava melhorar”. Tinha 22 anos quando chegou a Sines, hoje tem 58. Foi delegado sindical nos últimos cinco anos. Ainda é presença habitual no café Curto Circuito, naquele que é conhecido como bairro da EDP em Sines, construído para alojar os trabalhadores e suas famílias que arrancaram com a termoeléctrica.
João Damas pertence ao primeiro grupo de trabalhadores. Nos primeiros anos viveu naquele que é conhecido como o bairro da EDP, em Sines, construído pela empresa. Crédito: Diego Nery
Recorda os convívios entre colegas, dentro e fora da fábrica, o espírito de entreajuda. Ultimamente tem andado mais isolado: “Tudo isto moeu, não fisicamente, mas psicologicamente.”
Central fecha, investimentos tardam
A região de Sines surge como pano de fundo de várias intenções de investimentos para os próximos anos: o hidrogénio verde, em que a própria EDP está envolvida, a expansão do Porto de Sines, um megacentro de dados global. “Em Sines tem havido uma cortina de fumo que resulta do anúncio de grandes investimentos para a região. O problema é que não vai a tempo de impedir a erosão das qualificações dos trabalhadores”, explica Luís Capucha, investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) do ISCTE. É ele o coordenador de um estudo encomendado pelo IEFP ao CIES sobre a “requalificação e identificação de oportunidade de emprego dos trabalhadores afectados pelo fim da produção de electricidade a partir de carvão nas centrais do Pego e de Sines”.
Financiado pelo Fundo Ambiental, o PÚBLICO teve acesso em primeira mão ao estudo que sublinha que “qualquer plano de preparação da transição focado nos interesses dos trabalhadores” tem “alcance condicionado e limitado” devido ao facto de ter sido iniciado após o encerramento da Central. Por isso, conclui-se no relatório, as respostas encontradas para os trabalhadores indirectos em Sines foram de “remediação”.
Para Luís Capucha, a atribuição do subsídio de desemprego é uma “intervenção minimalista”. Portugal, refere o documento, “não fez ainda um trabalho de previsão estratégica de competências e qualificações associadas à economia verde e transição enérgica”. E a experiências de Sines e do Pego mostram que falta incluir a energia verde em toda a formação profissional no país: “Deveriam existir módulos de energia verdes no Catálogo Nacional de Qualificações, do mesmo modo que há módulos de higiene, segurança ou tecnologia”, defende o investigador.
“A ideia com que fiquei deste estudo é que está muita gente dependente de uma grande área de negócio que é a energia. E meia dúzia de trabalhadores são vistos como danos colaterais”.
João Damas pensa todos os dias nesses danos. “Seja 1 ou 100. Chamar a isto transição justa, não sei.”
“Os prestadores de serviço eram a nossa principal preocupação”, assegura Jorge Mayer, gestor da EDP responsável pelo programa Futuro Activo Sines que a empresa lançou para apoiar não só os ex-trabalhadores da Central como a comunidade indirectamente afectada pelo fecho.
Garante que essas pessoas estão abrangidas pelo pacote de medidas que colocaram no terreno, nomeadamente o Gabinete Local de Encaminhamento Social (GLES) que presta apoio social, psicológico e na área do emprego e formação profissional. Entrou em funcionamento em Fevereiro deste ano, à distância, e em Abril abriu o gabinete presencial no Sines Tecnopolo.
Até à data apoiaram 83 pessoas, a maioria ex-trabalhadores da Central, mas também membros da comunidade. “Tivemos sete pedidos de apoio social e neste momento estamos a processar mais dois”, diz Jorge Mayer, “e já vamos em cerca de 700 euros em apoios com despesas de medicamentos, transportes, acesso a formações, sejam da comunidade em geral sejam de trabalhadores prestadores de serviço”.
Vanessa Lima, ex-trabalhadora da Central de Sines, presta agora apoio aos colegas do Gabinete Local de Encaminhamento Social (GLES). Crédito: Diego Nery
A Vanessa Lima chegam sobretudo pedidos de ajuda para a elaboração de currículos. Não tem uma lista com todos os ex-trabalhadores indirectos da Central. “Há um pulverizar das pessoas e torna-se difícil saber onde é que elas estão”, explica Jorge Mayer, gestor da EDP. “Estes processos sofrem disto. Acautelámos que pudesse haver algum prazo de transição como tiveram e agora são casos a ver com as empresas em questão.”
“Via verde” para o subsídio de desemprego
O calendário inicialmente previsto para o fecho da Central de Sines apontava para 2030. Sines chegou a abastecer um terço da electricidade consumida em Portugal nos anos 90. Foi perdendo peso, tendo assegurado apenas 4% do consumo eléctrico em 2020, segundo dados da REN.
Em 2019 e 2020 registaram-se quedas acentuadas na produção, devido a condições de mercado desfavoráveis, fruto dos elevados custos associados ao preço do carvão, as licenças de CO2 e outras taxas, e a uma crescente produção de energia com origem em fontes renováveis.
Entre Janeiro e Outubro deste ano, 65,2% da electricidade produzida em Portugal foi de origem renovável, de acordo com dados da Associação de Energias Renováveis. Ainda assim, com o fecho das centrais de Sines e do Pego no mesmo ano, Portugal terá de importar energia de outros países como Alemanha, Espanha ou França, cuja produção de electricidade a partir do carvão só cessará em 2030.
Um contrassenso para os ex-trabalhadores que foram apanhados de surpresa em dois momentos. O primeiro, em Outubro de 2019, quando o primeiro-ministro António Costa, no discurso de tomada de posse, anuncia que vai encerrar a central de Sines em Setembro de 2023.
Nessa altura, o Sindicato das Indústrias Energias, Serviços e Águas de Portugal (SIEAP) começou a preparar-se para o que estaria para vir. A 7 de Março de 2020, uma semana antes de o país se fechar no confinamento imposto pela pandemia da covid-19, reuniram com EDP, IEFP e as autarquias de Sines e Santiago do Cacém no centro de Artes de Sines para debater a estratégia para o encerramento. Presentes estiveram também o secretário de Estado Adjunto, do Trabalho e da Formação Profissional, Miguel Cabrita, e o secretário de Estado Adjunto e da Energia, João Galamba. A data de fecho anunciada mantinha-se para 2023.
Quatro meses depois, a EDP anunciou o encerramento da Central para Janeiro de 2021. Vanessa estava de férias com os pais e o filho. O pai deu a notícia: “É oficial, vai fechar.” Como Vanessa, muitos outros ficaram chocados com a antecipação da data.
“Tive oportunidade de, no tempo certo, manifestar a minha discordância da antecipação do encerramento”, diz ao PÚBLICO Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara Municipal de Sines.
"Muitas famílias foram directamente afectadas e com impactos muito significativos na economia. Muitas pequenas e médias empresas tinham grande parte da sua actividade dependente dos contratos que tinham com a EDP, o que também afecta o emprego”, explica. E acrescenta: “A decisão de encerrar em plena pandemia denota alguma insensibilidade social.”
O IEFP nota que reuniu com todos os trabalhadores da Central de Sines em Dezembro de 2020, antes do fecho em Janeiro, nas instalações da EDP. “Fizemos um trabalho quase de via verde em que tudo fizemos para que as pessoas não tivessem uma diferença muito grande entre o tempo em que recebiam ordenado e o subsídio de desemprego”, assegura Arnaldo Frade, delegado regional do IEFP do Alentejo. Refere ainda que, de um universo de 128 trabalhadores dos prestadores de serviço, 61 pessoas já estão no mercado de trabalho. Cerca de metade dessas estão, porém, ainda integradas no grupo que se mantém na Central nos trabalhos de desmantelamento de peças que serão alocadas a outras centrais da EDP.
Para o autarca socialista, Nuno Mascarenhas, uma das grandes falhas é o desencontro entre o encerramento da Central de Sines e a concretização dos anunciados investimentos na região, muitos ligados ao sector energético: “Não fosse esse hiato temporal e muitos dos trabalhadores poderiam ter tido uma alternativa de emprego natural, suave, muito possivelmente não passando pelo desemprego e com condições de requalificação muito mais estruturadas”, acredita
Vanessa Lima, 34 anos, ficou triste com o fecho, mas não zangada. E se estivesse desempregada? “Não sei, só quem passa por elas é que sabe. Mas foi a Central que me deu tudo o que tenho.”
Paulo Oliveira receia perder o que conquistou nos 24 anos que dedicou à Central de Sines. “As empresas novas apostam geralmente em pessoas mais novas, acabadas de sair de cursos técnicos”, relata. Ele e outros têm-se confrontado com o “peso” da idade neste ano em busca de um novo emprego.
João Damas diz que para estas pessoas o amanhã ainda é longe: “Os investimentos que estão planeados dão a perspectiva de que o amanhã poderá trazer empregos. Mas, até hoje, no terreno, não há nada. Rigorosamente nada.”
Central do Pego, a “transição bem feita”?
Com o encerramento da Central de Sines, Portugal ficava apenas com uma central a carvão operacional: a do Pego, em Abrantes. Encerrou definitivamente a 30 de Novembro deste ano, data em que terminou a licença de produção e o contrato de aquisição de energia com o sistema eléctrico. Pôs um ponto final formal em mais de três décadas de produção de electricidade a partir do carvão em Portugal e trouxe mais uma vez o fantasma dos despedimentos. Mas o Pego, assegurou o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, seria o exemplo de “uma transição [energética] bem feita”.
Sabe-se agora que os cerca de 150 trabalhadores do Pego, entre directos e indirectos, vão ser enquadrados num subsídio de formação: mesmo que cortem os vínculos às entidades empregadoras, recebem o salário actual desde que integrem o processo formativo. Um apoio do Fundo Ambiental com duração prevista até ao final de Dezembro de 2022, possível devido à antecipação de 90 milhões de euros dos Fundos para a Transição Justa, que em Portugal totalizam 224 milhões de euros.
“Dois pesos e duas medidas”, escreveu Paulo Oliveira na sua página de Facebook ao partilhar uma notícia sobre estes apoios. “Fico contente pelos meus colegas do Pego, mas então e nós?”, diz ao PÚBLICO. “Eles têm direito ao ordenado completo durante dois anos, e ainda formação. Se for preciso, podem pedir depois o subsídio de desemprego. Nós não tivemos nada disso”, desabafa. Os apoios anunciados têm retroactivos a 1 de Janeiro de 2021, o que quer significa que abrangem também Sines e Matosinhos. Do envelope de medidas fazem parte “formação profissional à medida”, “apoio à contratação dos trabalhadores afectados, de modo a promover a sua reinserção profissional”, e “apoio ao empreendedorismo para a criação do próprio emprego”.
Não foi ainda anunciado em que se vai traduzir este apoio retroactivo, nomeadamente no que toca aos trabalhadores indirectos da Central de Sines.
Para Judith Kirton-Darling não há exemplos de transição perfeitos. Nos últimos dois anos, a transição energética justa tem dominado a acção desta federação sindical, com muitos pedidos de ajuda. Ressalva que oferecer aos trabalhadores o subsídio de desemprego como solução não pode ser visto como justo: “É o falhanço do sistema, certo? Se as pessoas vão para o desemprego, sobretudo se for de longo termo, então a transição falhou.”
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