Sucesso escolar: Estes quatro concelhos remam contra a maré

São territórios longe dos centros urbanos, com muitas famílias com rendimentos baixos cujos filhos são abrangidos pela Acção Social Escolar. Escolas e autarcas, como se articulam? Há quem manifeste mais receios em relação ao que está para vir, depois deste ano de educação essencialmente à distância, por causa da pandemia. E há quem acredite que está a postos e que os bons resultados não estão em causa.

Contextos socioeconómicos mais desfavorecidos correspondem muitas vezes a médias mais baixas nos exames nacionais. Por vezes, muito mais baixas. Mas há quatro concelhos que nos últimos dois anos conseguiram contrariar essa tendência.

Não são os que registam as melhores classificações no ensino secundário — longe disso —, mas tendo um número muito acima da média de alunos abrangidos pelos apoios da Acção Social Escolar (logo, mais carenciados), conseguem, ainda assim, aproximar-se ou até superar a classificação média nacional nos exames.

O PÚBLICO recorreu aos resultados dos exames nacionais de 2019 e de 2018, feitos nas escolas públicas, e à percentagem de alunos com apoios no âmbito da Acção Social Escolar (ASE) em 2018 nos respectivos agrupamentos escolares. Cruzou as duas informações para cada concelho do país. E calculou a que distância ficava cada um de um cenário hipotético (representado no gráfico com uma bola azul ): ter simultaneamente todos os alunos abrangidos pela ASE e nota máxima, 20 valores. O exercício tinha um propósito simples: avaliar quem mais se superava em ambos os anos analisados.

Valpaços, Cinfães, Baião, Aguiar da Beira são os que conseguem aproximar-se mais desse ponto. Porquê? Falámos com escolas e autarcas destes concelhos onde se acredita que “interioridade não é sinal de inferioridade”, como diz um dos presidentes de câmara ouvidos. Longe dos principais centros urbanos, e com indicadores económicos mais difíceis, apontam várias medidas que ajudam a explicar os resultados.

Mas depois destes últimos meses em que muitos alunos ficaram confinados em casa, a aprender à distância e, por vezes, em condições bem difíceis, a grande questão é: como manter os resultados dos últimos anos e melhorar os indicadores que já revelavam mais fragilidades? Será possível recuperar em 2021 o que em 2020 pode ter ficado em risco?

Aguiar da Beira

Prémios para todos os que entram na universidade

No concelho de Aguiar da Beira, com menos de 5000 habitantes (o menos populoso dos quatro concelhos aqui analisados), segundo dados da Pordata de 2018, dispersos por pouco mais de 200 quilómetros quadrados, cada aluno que entra no ensino superior recebe um prémio: 600 euros. Nuns anos “são 10 ou 15, mas já tivemos 24”, diz o presidente da câmara, Joaquim Bonifácio (eleito pelo movimento independente “Unidos pela Nossa Terra”).

O município também oferece 250 euros aos alunos que melhor se saem no final de cada ciclo. E o autarca tem uma convicção: os prémios ajudam a motivar os jovens, logo ajudam a explicar os resultados do concelho.

Há um indicador que mostra que a condição económica de muitos estudantes não é a melhor: no 12.º ano, mais de metade são abrangidos por apoios da ASE. A média dos restantes municípios do continente ronda os 30%. No entanto, Aguiar da Beira consegue uma média nos exames do secundário próxima dos 11 valores, acima da média nacional das escolas públicas, de 10,55.

No chamado “ranking do sucesso”, é o concelho com o 15.º melhor desempenho, em 245 do país para os quais há dados. Mais de 55% dos seus alunos fazem o ensino secundário seguido, sem chumbar, o que, comparado com alunos de perfil escolar semelhante do resto do país, representa uma taxa 7,9 pontos acima da média.

Depois há o factor interior, que também podia jogar a desfavor, “mas interioridade não é sinal de inferioridade”, nota o presidente, professor de 1.º ciclo de profissão.

Acredita que os investimentos da autarquia na educação têm resultado: “Cerca de 250 mil euros por ano para assegurar transporte gratuito aos alunos, cem mil euros para o ensino especializado de música”, 75 mil para as refeições e a fruta, incluindo para o pré-escolar, e prossegue com outras medidas. Com isso, e o empenho dos professores, prossegue Joaquim Bonifácio, o impacto da pandemia não será muito grande no sucesso escolar (“Vamos estar atentos”, promete). Assim haja investimento na rede de Internet, “que não chega a todas as localidades”, caso no próximo ano seja preciso manter alguma componente de ensino à distância. “Os responsáveis” — leia-se Governo central — “têm de ter isso em conta”.

A directora do Agrupamento de Escolas de Aguiar da Beira, Elisabete Bárbara, não tem dúvidas: o ambiente de trabalho na escola, a grande motivação dos professores (“que têm sido incansáveis”) e dos funcionários, o envolvimento numa série de projectos que tornam a aprendizagem mais estimulante (“não é só o trabalho para o exame, é a educação integral”) explicam que Aguiar da Beira contrarie a tendência. E depois da pandemia? “Confio muito nos meus professores”, diz esta professora de Português, disciplina em que a escola obtém uma das 20 melhores médias do país. Está confiante de que estes resultados são, “de um modo geral”, para manter.

Cinfães

A vantagem de ser rápido a agir

Com 65,2% dos alunos com Acção Social Escolar, a Escola Secundária Prof. Dr. Flávio F. Pinto Resende, em Cinfães, é a que regista o maior número de alunos carenciados no 12.º ano. A escola do distrito de Viseu registou uma média de 9,9 valores nos exames nacionais — um valor médio a rondar os 10 valores, que, para o seu director, se explica pela capacidade que o estabelecimento de ensino tem em diagnosticar e agir depressa perante casos complexos.

Esta escola é um dos 137 agrupamentos inseridos nos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), o que lhe permite ter mais recursos — como psicólogos, assistentes sociais e pessoas responsáveis pela mediação de conflitos — para intervir imediatamente quando é detectado algum problema. “Sempre que um professor ou director de turma sente que um aluno se está a desviar do caminho, temos uma intervenção imediata”, explica Avelino Evaristo, director da Flávio Pinto Resende.

“O gabinete de apoio à família trabalha cada caso de forma individual”, revela, acrescentando que muitas vezes o trabalho passa por fazer uma sensibilização junto dos próprios encarregados de educação para a importância da escola. “Nas freguesias em que sentíamos que havia mais problemas, ou que o acompanhamento era feito com menos atenção, fomos lá. Fomos falar com pais para os chamar a vir à escola também”, exemplifica.

Apesar da média “alta” nos exames para um concelho “com muitas dificuldades no campo socioeconómico”, os dados do Ministério da Educação apontam para o facto de só 30% dos alunos conseguirem um percurso directo de sucesso — ou seja, concluem o secundário num curso científico-humanístico em três anos. Comparando este resultado com o obtido por alunos com o mesmo perfil à entrada do secundário no resto do país, Cinfães tem a 42.ª pior posição em 245 concelhos.

O director da única escola secundária do concelho diz que este resultado se prende com o trabalho de “orientação vocacional” que a escola faz mesmo já no decorrer do ensino secundário. “Temos sempre alunos a mudar [para o ensino profissional] durante os três anos”, o que penaliza o estabelecimento neste indicador de sucesso do Ministério da Educação.

Com a pandemia de covid-19 a interromper subitamente o trabalho normal das escolas, o grande objectivo foi fazer com que as dificuldades económicas das famílias não impedissem ninguém de acompanhar as aulas à distância. “Dos 620 alunos que temos, 120 não tinham qualquer computador. A primeira preocupação foi chegar até eles e dar-lhes a possibilidade de estarem em contacto com a escola”, diz o director. Isto num município onde a ligação à Internet não é a melhor em todos os locais.

De acordo com os dados do Portal BASE, a Câmara Municipal de Cinfães gastou 58.820 euros em material informático para apoio ao ensino à distância durante a crise de covid-19. A este investimento, a escola acrescentou ainda 14.594 euros para o mesmo fim. Uma folga financeira que tinha por estar sinalizada como escola TEIP e que permitiu uma compra mais acelerada para responder à emergência.

A eventualidade de uma nova crise económica provocada pela pandemia causa, no entanto, apreensão ao director. Mas, para Avelino Evaristo, a solução continua a ser a mesma: ser rápido a sinalizar quem está em dificuldades e, com a ajuda da autarquia, chegar aos alunos imediatamente. Uma disponibilidade reiterada pela câmara municipal, que, para além da resposta de emergência que envolveu a distribuição de material informático, cabazes alimentares e material de protecção individual, promete estar presente nos próximos tempos “para que não falte nada a estas famílias”.

Baião

Elevar expectativas

Baião é, a par de Amarante, o concelho mais interior do distrito do Porto. A sua baixa densidade populacional e extensão obrigam “muitos dos alunos a sair de casa às 6h30 da manhã para conseguirem estar na escola às 8h30”, explica Carlos Alberto Carvalho, director da única escola secundária do concelho. É um lugar “de poucas ofertas para os alunos” em termos de emprego, admite.

“Quando entram na nossa escola, os alunos têm expectativas muito baixas. Estamos a falar de filhos de gente que trabalha na construção civil, outros que não têm emprego. O que é que a escola faz? Tende a puxá-los e a dizer: ‘não, nós vamos conseguir. Vamos conseguir com o vosso esforço. E está aqui uma série de condições que a escola tem para vos ajudar’.”

Desde logo, garantem-se transportes e almoço. Depois, a escola tem optado por recorrer aos professores que têm uma redução na componente lectiva para apoiar alunos com mais dificuldades em salas de estudo. E aos professores coadjuvantes, que fazem um trabalho individualizado quando sentem que algo está a correr menos bem. A isto soma-se ainda a disponibilidade de muitos docentes para marcar mais uma hora fora do contexto de aula para tirar dúvidas. Uma estratégia que, admite o director, vive também de alguma boa vontade dos docentes, mas que “traz responsabilidade também ao aluno, que passa a sentir que tem ali uma pessoa que, se quiser, o pode ajudar”.

Apesar de ser o terceiro agrupamento de escolas com a maior taxa de ASE do país no 12.º ano, a Básica e Secundária Vale de Ovil, em Baião, teve uma média de 9,9 nas 271 provas dos oito exames mais concorridos. E, segundo o director, dos 59 alunos que terminaram o secundário no ensino científico-humanístico no ano passado, 46 entraram na 1.ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior.

“Tenho muitos pais que me dizem: senhor director, mas eu depois não tenho capacidade financeira para ter um filho na universidade, porque isso envolve muitos custos. E é verdade que envolve”, admite. “Mas há bolsas e apoios da autarquia”, assegura. Uma crise económica desencadeada pela pandemia poderá, ainda assim, gerar mais dificuldades.

Desde cedo que a Câmara Municipal de Baião percebeu que um concelho “com números consideráveis de pessoas com Rendimento Social de Inserção (RSI)” e com números elevados de desemprego “potenciados pela crise” (em 2018, 9% da população estava inscrita num centro de emprego, segundo a Pordata, contra 5% de média nacional) não podia depender apenas daquilo que as leis que o Governo central ditavam. Foi assim que nasceu o Fundo Social de Baião, que, nas palavras de Paulo Pereira, presidente da câmara, é como “um instrumento legal que tapa todas aquelas áreas cinzentas que os outros instrumentos estatais não cobrem”.

É através deste fundo que a autarquia diz que consegue ir além das responsabilidades que lhe são atribuídas legalmente em matéria de apoio aos alunos carenciados. É assim possível à câmara, por exemplo, comprar e disponibilizar para empréstimo calculadoras científicas — um equipamento de que os alunos de Matemática A necessitam e que, diz, pode custar à volta de cem euros.

Este fundo é uma espécie de “canivete suíço”, nas palavras de Paulo Pereira, que exige uma grande dose de articulação entre autarquia, escolas, IPSS e outros organismos — até para “evitar abusos” —, mas que foi particularmente útil nos últimos meses.

“Não tivemos de criar medidas novas [para fazer face à pandemia]. O que fizemos foi duplicar as verbas que tínhamos afectas ao Fundo Social de Baião e é através dele que temos atendido às necessidades”, explica o autarca, que, antes de assumir a presidência, tinha sido vereador com o pelouro da Educação.

O autarca do Partido Socialista considera, no entanto, que as câmaras não precisam de mais autonomia na gestão de políticas de educação local. “Não nos dêem mais liberdade. Dêem-nos mais recursos.”

Valpaços

Estes alunos “querem ir mais longe”

Quando a 9 de Abril, já com a escolas fechadas por causa da pandemia, se fez a contagem, o número ganhou a dimensão de um desafio: em 1100 alunos no concelho de Valpaços, 275 não tinham computadores ou Internet, explica a directora do agrupamento de escolas, Alexandra Doutel. Neste território no “cantinho” de Trás-os-Montes, zona de montanha, de aldeias isoladas e sem fibra óptica, o ensino à distância, a que o confinamento obrigou, não era um dado adquirido.

“Escola, juntas, câmaras, Santa Casa” juntaram-se e para quem não se arranjou solução informática, encontraram-se outras respostas: professores a ir a casa dos alunos entregar e receber materiais, professores-tutores a telefonar aos estudantes duas vezes por semana para tirar dúvidas e fazer balanços, juntas de freguesia (são 24) equipadas pela autarquia para que alguns jovens lá pudessem ir ligar-se à Internet e ter as aulas à distância... “com as devidas distâncias”, como nota a professora.

Num concelho que se distingue por uma percentagem de jovens do 12.º ano abrangidos pela ASE superior a 62% (mais do dobro da média dos restantes concelhos do país, que é de 30%), a maior preocupação de Alexandra Doutel era “que ninguém passasse fome”. É que para muitos, de diferentes níveis de ensino, sobretudo os do escalão A, diz, é a escola o garante de uma alimentação saudável e quente.

“Não permitirei que ninguém passe fome, ainda há uma semana distribuímos cento e tal cabazes para famílias que temos identificadas, para a próxima distribuímos mais cem”, diz o presidente da câmara, Amílcar Castro de Almeida (PSD). E tem-se conseguido ir dando resposta às diferentes necessidades.

Por isso, acreditam que os resultados escolares que os alunos têm atingido, no básico e no secundário, sendo que no caso do secundário a média de 2019 foi de 10,43 valores, não vão ressentir-se do regime de excepção que a covid-19 veio trazer. Isto “é, antes de tudo, mérito dos alunos, que se empenham, porque vêem o amigo, o primo, o irmão a ir para a universidade e querem o mesmo, querem ir mais longe”, prossegue o autarca. A câmara faz o que pode para corresponder, por exemplo, diz, garantindo passe para transportes gratuitos. Mas não só.

“Estamos a adquirir material informático, tablets, computadores, routers, impressoras e a avançar com fibra óptica em alguns locais, para o caso de no próximo ano ser necessário que os alunos voltem a ficar em casa algum tempo”, explica. Verbas de candidaturas a programas para outros fins, nomeadamente na área da eficiência energética, tiveram luz verde para serem desviadas para este objectivo, conta ainda. Será um investimento de 150 mil a 200 mil euros, estima.

Alexandra Doutel espera manter as medidas que até agora têm resultado: turmas pequenas, professores reforçados em disciplinas como a Matemática, oficinas e projectos que ajudam a abrir horizontes — pode ser necessário aumentar o número de horas para apoios extras, mas depois se avaliará. O seu maior receio? O estado psicológico dos alunos que voltarão à escola em Setembro. “Os que já voltaram, do 11.º e 12.º ano... senti-os ansiosos, mais tristes, sinto falta de ouvir gargalhadas, tenho receio do impacto que esta ausência de escola, o isolamento, teve neles...” Vamos ver como regressam os restantes. “Alunos que não estão bem psicologicamente não aprendem.” Por isso, as duas psicólogas do agrupamento já estão a trabalhar nesta perspectiva, para já, e com muitas crianças, pela Internet e ao telefone; para o ano, e se tudo correr bem, na escola.

Valpaços tem ainda outra característica, que ninguém quer perder: mais de 40% dos seus alunos fazem o secundário sem chumbar, o que coloca este concelho em 22.º lugar, em 245 municípios, no chamado “ranking dos percursos directos de sucesso”, que compara os alunos de cada concelho com os do resto do país que tinham o mesmo perfil de resultados académicos à entrada do secundário. Valpaços está francamente bem.

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