Em Portugal continental, no último ano lectivo, 102.947 alunos estavam inscritos no 11.º e 12.º ano de escolaridade do ensino público dos cursos científico-humanísticos.
Cada ponto representa sensivelmente 20 alunos.
Mas, dentro deste grupo de alunos, nem todos têm os mesmos recursos económicos.
A grande maioria (quase 80%) não tem qualquer tipo de apoio social.
Dentro do grupo de alunos com Acção Social Escolar (ASE), 8,97% têm escalão A (maior nível de dificuldades económicas)e 11,3% escalão B.
O ensino público é gratuito e os apoios sociais servem para oferecer o mesmo nível de oportunidades a todos.
No entanto, os dados mostram que a capacidade financeira parece condicionar os resultados que os alunos conseguem e também as escolhas académicas que fazem.
Os números mostram que, na hora de escolher uma área científica, os alunos sem dificuldades económicas tendem a escolher mais Ciências e Tecnologias e Ciências Socioeconómicas.
Já os alunos mais pobres escolhem mais Línguas e Humanidades e Artes Visuais.
Dentro do grupo de alunos sem qualquer apoio social, 27% escolheram Línguas e Humanidades.
Nos alunos com escalão A, essa percentagem é de 42%.
O oposto acontece nas ciências.
Entre os alunos com mais dificuldades económicas, 41% escolheram Ciências e Tecnologias.
Nos alunos sem apoios sociais, essa percentagem sobe 12 pontos percentuais.
Fátima Antunes, investigadora da Universidade do Minho, acredita que as diferenças podem ser explicadas por uma "autolimitação das aspirações dos alunos".
Com a área de Ciências e Tecnologias a dar acesso aos cursos no ensino superior “através dos quais se alcança mais recompensas, quer de rendimento, quer de estatuto”, os alunos mais pobres poderão estar a limitar as suas expectativas face ao futuro.
Quando olhamos para a distribuição de notas, há outro dado que salta à vista: os alunos com apoio social têm, tendencialmente, piores resultados escolares.
Esta tendência agrava-se quando comparamos os alunos com mais dificuldades económicas (escalão A) com os alunos sem qualquer tipo de apoio social.
Algo que acontece em todas as áreas de estudo.
Com Artes Visuais a ser a área em que se regista a maior diferença de médias entre os alunos mais carenciados e os alunos sem qualquer apoio social.
A diferença, acredita Fátima Antunes, pode ser explicada por uma “maior polarização” no que toca à educação dos encarregados de educação dos alunos que escolhem este curso - algo que também se observa nos cursos de ensino artístico especializado.
“São cursos em que aquilo que são as práticas, hábitos e acesso a bens culturais pode ter uma influência significativa no modo como os alunos tiram proveito da escola”, diz a investigadora do Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho.
Quando se olha à escala das disciplinas, o mesmo padrão.
Nas 20 disciplinas com mais alunos sem escalão e com escalão A, em nenhuma se esbate completamente a diferença de médias entre os alunos mais ricos e dos alunos mais pobres.
Língua Estrangeira I - Inglês é, a par Geometria Descritiva A, a disciplina em que se verifica uma maior diferença de médias.
Os alunos com escalão A conseguiram uma média de 14,59 valores a Língua Estrangeira I - Inglês, ao passo que os alunos sem qualquer apoio social conseguiram uma média de 15.46 - uma diferença de quase um valor.
Para a docente da Universidade do Minho, a diferença registada a Inglês poderá ser explicada pelo acesso a explicações ou cursos de línguas a que os alunos com mais recursos possam ter acesso.
Os números não permitem qualquer comparação com outros anos e referem-se a um ano lectivo fortemente afectado pela pandemia.
Fátima Antunes reconhece que “quem tem mais recursos” terá conseguido enfrentar melhor as adversidades impostas pela pandemia, mas considera que os números são “compatíveis e consonantes” com “o conhecimento que já temos através de outros estudos com amostras mais pequenas e mais qualitativos”.
Perante isto, significa que a escola pública está a falhar aos alunos mais desfavorecidos?
A investigadora acha que não - e os dados do PISA (um estudo da OCDE que avalia as competências dos alunos em diferentes países) mostram uma diminuição das desigualdades - mas admite que “há um limiar” a partir do qual a escola, sozinha, está “limitada”.
Para a docente, é preciso sim “cuidar daquilo que está a montante”: oferecer “condições diárias de vida dignas, capazes, que proporcionem estabilidade e tranquilidade" aos alunos.