É inegável que vivemos num mundo cada vez mais digital. Só para teres noção, apenas 4% de todo o dinheiro que existe é físico, o resto existe apenas em formato eletrónico! Sim, são más notícias para quem gosta do cheiro a notas acabadas de sair do multibanco, mas são boas notícias para quem nunca se lembra em que sítio pousou a carteira. E para os hackers também...

Apenas 4% de todo o dinheiro que existe é físico.

Os restantes 96% existem em formato eletrónico!

De nada adianta viveres numa casa repleta de câmaras de segurança, cães de guarda raivosos e uma porta de entrada com trinta e sete cadeados, se deixares sempre a janela do quarto aberta antes de saíres. Da mesma maneira, mesmo que o teu computador estivesse equipado com o melhor antivírus à face da Terra, se não existisse a criptografia, seria mais seguro guardares o teu dinheiro debaixo do colchão, em vez de confiares em métodos digitais para o fazer.

Mas o que é isso de criptografia?, perguntas tu. Muito simples: é o estudo das técnicas utilizadas para uma comunicação segura, mesmo na presença de entidades maliciosas. É a criptografia que possibilita a existência de transações online seguras e impede que um bisbilhoteiro tenha acesso às mensagens que envias por WhatsApp.

Trata-se, contudo, de uma área bastante antiga, tendo desempenhado um papel fundamental em contextos militares, por exemplo.

A Cifra de César

Uma das técnicas criptográficas mais antigas e mais conhecidas é a Cifra de César, desenvolvida no tempo do imperador romano Júlio César para evitar que as informações que enviava aos seus generais fossem descobertas pelos inimigos.

A Cifra de César consiste em substituir cada letra do alfabeto pela letra que se encontra 3 posições à frente. Desta forma, o ‘A’ passa a ser o ‘D’, o ‘B’ passa a ser o ‘E’, o ‘C’ passa a ser o ‘F’, e por aí em diante, tal como a imagem abaixo ilustra:

Por exemplo, a frase “ATACAR DE MADRUGADA” seria convertida em “DWDFDU GH PDGUXJDGD”

Trata-se de uma cifra de substituição, uma vez que se limita a substituir cada letra do alfabeto por uma outra letra, segundo uma regra pré-determinada.

Uma outra cifra deste tipo consiste em trocar o ‘A’ com o ‘Z’, o ‘B’ com o ‘Y’, o ‘C’ com o ‘X’, etc.

Segredos e Bit Flips

Voltemos ao futuro. Já alguma vez pensaste naquilo que acontece quando envias uma mensagem escrita usando o telemóvel?

Suponhamos que queres enviar a mensagem VOU CHEGAR TARDE, que é nada mais nada menos do que uma sequência de letras e espaços. O que vai acontecer é:

As letras e espaços de VOU CHEGAR TARDE são convertidas em binário, isto é, numa sequência de 0s e 1s;

Esse binário é por sua vez convertido em sinais elétricos;

Esses sinais elétricos são enviados ao outro telemóvel;

O outro telemóvel reconhece o binário enviado e mostra o texto no ecrã.

Mas como é que é feita a conversão de caracteres para 0s e 1s? Recorrendo à famosa tabela ASCII . Esta tabela associa a cada um dos caracteres (letras, números, sinais de pontuação...) uma sequência de 0s e 1s de comprimento 8. Por exemplo, à letra ‘A’ corresponde o código binário 01000001. Cada 0 e cada 1 é designado por bit, e uma sequência de 8 bits constitui um byte...

Com alguma paciência, após consultarmos a tabela ASCII, concluímos que o texto VOU CHEGAR TARDE é convertido em:

E é agora que a criptografia entra em ação. De modo a convertermos a mensagem original numa mensagem completamente impercetível, vamos substituir alguns 0s da sequência acima por 1s e vice-versa.

Primeiro, vamos partir essa sequência binária em pedacinhos de 8 bits:

Depois, vamos trocar o bit (de 0 para 1 ou de 1 para 0) que surge na última posição de cada bloco, isto é:

... passa a...

Dizemos que, de 7 em 7 bits, ocorreu um bit flip, porque “flip” em inglês significa “trocar” e, por isso, um bit flip é um bit trocado: 0 passa a 1 e 1 passa a 0.

Agora, se consultarmos novamente a tabela ASCII, verificamos que esta sequência binária corresponde ao texto:

Ou seja, a mensagem original VOU CHEGAR TARDE foi transformada em WNT!BIDF@S!U@SED.

E de que modo é que isto nos ajuda? Imagina que um hacker está a espiar a linha de comunicação e a ler as tuas mensagens. Ao cifrarmos a mensagem original VOU CHEGAR TARDE através do método bit flip, quando ela é transmitida, já vai com os bits trocados. Logo, se o espião converter a sequência de 0s e 1s que “vai pelo ar” para texto normal, ele vai obter a mensagem WNT!BIDF@S!U@SED – não vai perceber nada!

Temos apenas de garantir que o recetor da nossa mensagem (e só ele!) sabe que efetuámos um bit flip de 7 em 7 bits para que, quando a receber, possa trocar esses bits de novo e recuperar a mensagem original.

Embora este exemplo seja muito simples e os métodos criptográficos utilizados atualmente sejam muito, muito mais complexos, ele ilustra a ideia base que está por detrás da privacidade e segurança nas comunicações eletrónicas.

Se não fosse a criptografia, as comunicações não seriam seguras, a tua vida privada ficaria em risco e provavelmente serias roubado com frequência.

O pior mesmo seria um espião ter acesso às mensagens embaraçosas que envias à tua crush! Por isso, agradece à criptografia por não deixar que as tuas frases de engate caiam nas mãos erradas... 😜



Colaboração de Mano a Mano Graphic Design Club




[Às quintas-feiras, o PÚBLICO na Escola dá espaço às ciências da computação, numa parceria com a Ensico - Associação para o Ensino da Computação.]

«A criptografia acompanha-nos no nosso dia a dia»

Numa altura em que até cidades europeias são vítimas de infiltração de hackers nos seus sistemas informáticos, deixando-as literalmente “apagadas” e completamente paralisadas, é importante fazer chegar às pessoas informação adicional sobre uma área tão crucial e sensível como a criptografia, contribuindo assim para a literacia digital e computacional da sociedade, uma das linhas de ação da ENSICO.

O Eng. José Eduardo Pina Miranda é um reconhecido especialista em segurança de informação e criptografia; neste vídeo ajuda-nos a entender um pouco melhor por que razão a área da criptografia assume uma importância vital nas sociedades modernas.