Literacia mediática
Venceram, ao longo dos meses, o concurso “Isto também é comigo!”. Quem são e o que pensam
Oito estudantes de Torres Vedras, Vila Pouca de Aguiar e Ribeira de Pena viram os seus textos de opinião distinguidos e publicados. O PÚBLICO na Escola quis conhecê-los.
Em dezembro de 2021, por altura das férias de Natal, Leonor Antunes soube que tinha sido a vencedora do concurso “Isto também é comigo!”. A aluna do Agrupamento de Escolas Henriques Nogueira, em Torres Vedras, tornava-se a primeira a ser distinguida neste concurso mensal promovido pelo PÚBLICO na Escola e a Rede de Bibliotecas Escolares (RBE), no qual alunos do 9.º ao 12.º ano são desafiados a escrever um texto de opinião a propósito de um trabalho do jornal PÚBLICO. Seguiram-se mais sete alunos a partilhar a sua visão do mundo, à medida que a guerra na Ucrânia avançava e que os exames nacionais se aproximavam.
Carolina Moreira escreveu sobre os padrões de género impostos pela Ryanair, Jéssica Alves e Joana Gonçalves sobre a indecisão da tutela quanto às regras de admissão ao ensino superior. Com a chegada da guerra, Cristiano Fernandes questionou a tomada de posição do Partido Comunista Português a propósito da invasão russa à Ucrânia, Vítor Pires apelou ao fim da indiferença perante os ataques a civis na guerra e Mariana Varela apontou para o flagelo da discriminação racial nas fronteiras. Já na reta final para os exames nacionais, Margarida Constantino pediu mais psicólogos nas escolas.
Nesta primeira edição do concurso “Isto também é comigo!” todos os textos vencedores foram escritos em contexto de aula, por sugestão das professoras de Português. Grande parte dos estudantes participaram mais do que uma vez até verem um texto seu ser distinguido. A persistência e aprimoração da escrita valeu ao Agrupamento de Escolas Henriques Nogueira quatro prémios, dois ao Agrupamento de Escolas de Ribeira de Pena e um ao Agrupamento de Escolas de Vila Pouca de Aguiar.
Os textos dos jovens estudantes do ensino secundário já demonstravam que estes tinham algo a dizer sobre o mundo à sua volta. O PÚBLICO na Escola foi atrás deles para saber, sem limite de palavras, o que mais os inquieta.
Leonor Antunes, 16 anos, Agrupamento de Escolas Henriques Nogueira (Torres Vedras)
“Devemos lutar por aquilo que achamos que é correto"
Tem 16 anos e estuda Línguas e Humanidades. Leonor Antunes estuda e vive em Torres Vedras e há muito que acha que está na altura de os adultos ouvirem mais os jovens. “É bastante importante sentirmo-nos ouvidos e acho que devemos lutar por aquilo que achamos que é correto”, diz a estudante. Mas acredita que para que a mudança possa de facto acontecer também os órgãos de comunicação social devem ter em consideração a forma como os jovens olham para o mundo, e procurar ouvi-los. Seja quando estão a falar “sobre educação”, seja quando se ocupam de qualquer outro assunto que os envolva.
No título da notícia que serviu de base ao seu artigo de opinião, lia-se que 80% dos inquiridos pela Unicef consideravam as opiniões dos mais novos irrelevantes. Leonor escolheu-a porque acredita que “há muitos jovens que sentem que as nossas opiniões não são ouvidas ou não são tidas em consideração” e que é “essencial para a nossa cidadania, e para nós como cidadãos, no fundo,” ter uma participação e voz ativa.
Apesar de as redes sociais terem ganho espaço ao longo dos últimos anos, e muitos jovens as usarem diariamente para se expressar, Leonor Antunes é mais adepta de dizer o que pensa em textos maiores e com profundidade. Foi por isso que se entusiasmou “bastante” com esta iniciativa do PÚBLICO na Escola e da Rede de Bibliotecas Escolares. Está a pensar seguir Ciências da Comunicação, depois do secundário. Só o futuro dirá, mas está certa de que, seja qual for a decisão, a empregabilidade não é o único fator a ter em consideração: o “critério principal é o meu gosto pela área e o sentido que traz para a minha vida”.
Carolina Moreira, 17 anos, Agrupamento de Escolas Henriques Nogueira
A mudança já começou “na geração dos nossos pais"
“Vivemos no século XXI e continua a haver este tipo de situações, não acho justo”. São palavras de Carolina Moreira, autora do texto de opinião “Esta luta é de todos!”, sobre a notícia que escolheu para participar neste concurso. A história, publicada no P3 em dezembro de 2021, dava conta dos padrões de género que ainda existem na Ryanair e de como M. tinha sofrido de discriminação a trabalhar para esta companhia aérea.
O testemunho de M. deixou alerta Carolina, que logo decidiu registar a sua posição, aproveitando o pretexto para pensar em como é que este tipo de discriminação acontece à sua volta, no dia-a-dia. “O que sempre me deixou mais alerta foi aqueles estereótipos de o azul é para os rapazes, o cor de rosa é para as raparigas, os rapazes só podem brincar com carros e as raparigas com bonecas. Sempre me fez confusão, porque acho que cada um pode fazer aquilo que quiser, não precisa de estar limitado a um género se não se identifica com isso”, partilha.
Diz ao PÚBLICO na Escola que ainda há um grande caminho a percorrer na luta pela equidade — “os homens continuam a ganhar mais do que as mulheres”. Mas tem esperança na sua geração, que “já tem outra mentalidade”. Diz mesmo que a mudança já começou “na geração dos nossos pais” e que chegou a hora, é consigo e com os jovens da sua idade que quer construir uma sociedade com menos preconceito, onde todas as pessoas possam ser quem e como quiserem.
Jéssica Alves e Joana Gonçalves, 18 anos, Agrupamento de Escolas de Vila Pouca de Aguiar
Há muita pressão. “Provas de acesso são “sempre assustadoras”
“Uma notícia revoltante” era o título do texto de opinião que valeu a Jéssica Alves e Joana Gonçalves o prémio do mês de janeiro. E que notícia era essa? “Ministro empurra para futuro Governo decisão sobre regras de acesso ao ensino superior”. As alunas de Vila Pouca de Aguiar estavam no início do segundo período do 12.º ano quando a leram e se sentiram prejudicadas por a tutela deixar em suspenso uma decisão que mexia com o seu futuro até que um novo governo tomasse posse, “na melhor das hipóteses em março”.
Jéssica e Joana, do Curso de Ciências e Tecnologias, querem seguir medicina. Entusiasma-as a ideia de “poder ajudar as pessoas”. Sendo este um dos cursos com a média mais alta, gostavam de saber com antecedência que exames de acesso ao ensino superior teriam de fazer obrigatoriamente para se poderem preparar. “Nestes últimos anos, as médias dispararam”, relembra Jéssica. Com a pressão de ver as médias a subir, vem também a pressão de ter bons resultados nas provas — que são “sempre assustadoras”.
Para Joana, a reflexão sobre os exames nacionais não é a única necessária; devia repensar-se todo o modelo de acesso ao ensino superior. “Existem muitos alunos que não têm notas tão boas e que, se ingressassem num curso no qual pedem uma nota elevada, dariam muito melhores profissionais do que alguns que andam lá que têm boas notas mas que não estão a fazer aquilo de que gostam, foram só porque foram incentivados a ir para um curso que é reconhecido”. Se pudessem conversar com o atual ministro, era por aí que começavam.
Cristiano Fernandes, 18 anos, Agrupamento de Escolas de Ribeira de Pena
"Quero ter um papel ativo na sociedade e em tudo o que a rodeia"
Friedrich Nietzsche, Albert Camus, Simone de Beauvoir. Estes são alguns dos autores que Cristiano Fernandes tem lido nos últimos tempos e que nota que já influenciaram o seu pensamento. E o que têm em comum esses autores e Cristiano? Nietzsche, Camus e Beauvoir eram filósofos, Cristiano quer vir a ser. “O que me entusiasma é a produção intelectual, de escrever, de pensar e de criar em formato escrito. E que a minha opinião em diversas áreas tenha a sua relevância”, conta.
Foi nesta linha que, em fevereiro, escreveu o texto “O Comunismo e o bom senso”, depois de ter lido uma notícia sobre a tomada de posição dos partidos políticos face às posições russas, a propósito da invasão à Ucrânia. Para si, a posição do Partido Comunista Português “não foi uma surpresa, tendo em conta o passado do partido”. No texto, recorda um debate entre Mário Soares e Álvaro Cunhal no qual se celebrizou a frase “olhe que não, olhe que não”. A consciência política de Cristiano, e o seu interesse por ver debates de uma época em que ainda não era nascido, vem de um “amor à política, não de uma ligação partidária”. A “discussão mais intensa” que já teve foi sobre “a privatização ou investimento público dentro da TAP”. Há poucos assuntos na política nacional que lhe escapem.
“Não tenho qualquer tipo de filiação partidária, tenho alguns ideais que são bastante mutáveis e portanto não tenho tanto interesse em filiar-me a um partido, porque os meus pensamentos de um momento para o outro podem mudar. Mas o amor pela política é algo que fui construindo mesmo porque gosto, também por causa da filosofia. Porque quero ter um papel ativo na sociedade e em tudo o que a rodeia.” É também por isso que está “ansioso” por poder ser eleitor — crê que só nessa altura as suas opiniões começarão a ser vistas com credibilidade, já que por enquanto nem sempre se sente levado a sério, por ser jovem e menor de idade.
Cristiano quer que a sua voz, a dos seus amigos e de tantos outros jovens seja ouvida. “Acho mesmo que os jovens deviam ter mais voz dentro da nossa sociedade, porque, apesar de sermos uma geração que toda a gente vê como demasiado ligada à internet, sem se consciencializar de absolutamente nada, nós também temos uma opinião.”
Vítor Pires, 18 anos, Agrupamento de Escolas de Ribeira de Pena
Temer que as pessoas caiam “no erro de aderir a movimentos populistas”
“Esta notícia acerca do ataque à maternidade chocou-me particularmente porque a maternidade seria um local de esperança, de vida, e as pessoas que estavam lá não tinham como se defender. Acho que é uma barbaridade”, diz Vítor Pires, que escreveu um texto de opinião a partir da notícia “Mulher grávida e bebé morrem após ataque à maternidade de Mariupol”. O aluno do 12.º ano sempre viveu “em paz”, nunca imaginou que pudesse vir a assistir a uma guerra na Europa — e acha que ainda vai demorar até que acabe. “A Rússia tem mostrado resistência às sanções que lhe são aplicadas pelo mundo ocidental. Além disso, considero que os regimes autoritários, que ultimamente também têm estado em ascensão por causa do crescimento de forças extremistas e populistas, terão maior capacidade de conseguirem resistir aos desafios do que os regimes democráticos”.
O que preocupa mais Vítor no contexto de guerra? A inflação, a possibilidade de a “população cair no erro de aderir a movimentos populistas, que aliam a isso a xenofobia e o racismo, e outras coisas que nada trazem de bom à nossa sociedade”. O jovem de Ribeira de Pena sonha com um mundo justo, sem discriminação, onde todas as pessoas possam viver em paz. E é por isso que luta diariamente, dentro do seu contexto e das suas possibilidades. Costuma pôr-se no lugar do outro — diz mesmo que é “uma prova de bondade do ser humano e de compaixão” — , mas sabe que imaginar não está perto de viver na primeira pessoa.
Vitor Pires preocupa-se com o que acontece na Ucrânia, com as condições de vida dos refugiados, mas também com os cidadãos de Ribeira de Pena. Gostava que existisse mais literacia política e que as pessoas fossem incentivadas a envolver-se, enquanto cidadãs. Para isso, acredita, também era preciso maior proximidade entre o governo e as pessoas. “Se houve um tempo em que as pessoas não eram chamadas à política por ordem de quem toma as decisões, hoje eu penso que as pessoas estão afastadas da política não só por medo de represálias por terem opiniões diferentes, por vezes, mas também porque não há propriamente a vontade por parte de quem decide de se aproximar das reais necessidades de quem está no país”, analisa.
Gostava que o interior fosse mais considerado. Pelos políticos e pelos órgãos de comunicação social.
Mariana Varela, 17 anos, Agrupamento de Escolas Henriques Nogueira
“Acho que informação é poder"
Mariana Varela não se lembra de quando começou a ter consciência de que o racismo existia na sociedade. Ao longo da infância, era “como se tivéssemos uma venda” e notava que os adultos preferiam “fingir que isso não acontece”. Hoje sabe que não é assim, e foi por isso que não ficou indiferente a um texto que encontrou no PÚBLICO, cujo título era “A NATO surgiu para proteger pessoas ‘civilizadas’. Isto significa brancos”. No seu texto de opinião, questionou até quando existiria supremacia branca — conceito que define como sendo “uma coisa que está escondida dentro da nossa sociedade, mas que existe”.
No artigo de opinião, analisava a vantagem de ser branco até em momentos de conflito. Mas nota que acontece um pouco por todas as áreas e em todos os contextos: “Até na literatura, vemos serem falados muito mais livros de pessoas brancas do que pessoas negras.” Para que o cenário mude, diz que as pessoas devem estar informadas. Tanto para exigirem mais para si, como para os outros. “Acho que informação é poder, e quanto mais informados estamos mais poder temos.”
E como a informação pode contribuir para a formação de cada indivíduo, Mariana gostava de ver mais notícias para pessoas mais novas sobre os assuntos que muitas vezes são considerados “para adultos”. “Gostava de ler mais sobre temas como o racismo, mas abordados de uma forma adequada às crianças, para começarem a perceber que isto está errado e poderem formar as opiniões desde pequenas”, diz ao PÚBLICO na Escola.
Este sentido de justiça não só é visível no texto em que mereceu distinção, como também está presente nos seus planos de futuro. Gostava de ser advogada, para “defender as pessoas”, ou então de seguir Línguas e Literaturas e escrever livros em que pudesse contar histórias com uma nuance. Mas, seja qual for a área em que venha a trabalhar, quer sempre lembrar-se de que no mundo as oportunidades não são iguais para toda a gente — e contribuir para que venham a ser.
Margarida Constantino, 17 anos, Agrupamento de Escolas Henriques Nogueira
Mais psicólogos nas escolas, para que os alunos se sentissem “mais leves”
O ano letivo de 2021/2022 chegou ao fim. Foi um ano com novos desafios, mas com alguns problemas antigos, diz Margarida Constantino. Um deles é a falta de psicólogos nas escolas, tema do texto de opinião que lhe valeu, em maio, o prémio do concurso “Isto também é comigo”. Na fase de exames nacionais, em que “toda a gente está mais ansiosa”, a quarta vencedora do Agrupamento de Escolas Henriques Nogueira ficou mais desperta para a importância da saúde mental. No seu entender, ter mais psicólogos nas escolas permitiria que os alunos fossem mais felizes e também que tivessem melhores resultados.
O problema, constata, é vasto. “Eu tinha dito no texto que a pior parte para a saúde mental dos jovens é o [ensino] secundário por causa de testes, exames, nervos e ansiedade. Mas também pode ser por problemas familiares ou do passado. Há alunos que infelizmente sofrem de bullying, têm problemas familiares… eu penso que esses problemas ainda devem ser piores do que a ansiedade dos testes.”
“Ao haver mais psicólogos na escola, o aluno pode desabafar um pouco e acalmar-se”. No fundo, pode encontrar um suporte para que o que o inquieta não tenha grande interferência no seu futuro — e já no presente.
Com a chegada da pandemia e, mais tarde, da guerra na Ucrânia, Margarida começou a olhar para as notícias como um fator extra desencadeador de ansiedade. Ao ver notícias sobre mortes todos os dias, por vezes até mais do que uma vez por dia, começou a não saber bem o que fazer com tanta informação. Daqui em diante, gostava de ler mais notícias sobre educação, tecnologia e saúde. Se tivessem alguma relação com os jovens e a juventude, tanto melhor.