Prémio Incentivo
O Riscado. “O jornalismo pode ser feito à escala da nossa escola e da nossa comunidade”
Tarde de workshop sobre como fazer um jornal, em Escola de Airães (Felgueiras), integrava o prémio conquistado no Concurso Nacional de Jornais Escolares, organizado pelo PÚBLICO na Escola.
Na entrada da Escola Básica e Secundária de Airães, em Felgueiras, ouvem-se burburinhos de conversas entre jovens. A hora de almoço terminou há pouco tempo, nesta que é a segunda casa de alunos entre o 5.º e o 12.º ano. Correm pelos corredores como quem conhece os cantos ao edifício. Por detrás de uma vitrine, está um cheque do Concurso Nacional de Jornais Escolares, no valor de 500 euros, atribuído ao Jornal O Riscado, criado em abril de 2021 para estabelecer pontes de comunicação dentro da comunidade. E era a propósito deste Prémio Incentivo que, ao início da tarde do dia 8 de junho, o PÚBLICO na Escola estava em Airães.
Na biblioteca, um grupo de 11 alunos já aguardava o workshop que era parte integrante do prémio. Alguns eram membros fundadores da equipa do jornal distinguido, outros queriam iniciar-se no jornalismo escolar. Todos tinham muita vontade de saber como podiam pôr em prática as ideias para reportagens e entrevistas que queriam fazer na comunidade. “Este workshop foi uma das razões pelas quais quisemos concorrer ao Concurso Nacional de Jornais Escolares”, conta Miguel Leão, mentor da organização Teach for Portugal e coordenador do jornal O Riscado.
O primeiro desafio da tarde era claro: divididos em grupos, os alunos deviam encontrar um lugar, ou uma pessoa, na escola, fotografá-lo e regressar à sala da biblioteca com uma história para contar. Samuel Silva, jornalista do PÚBLICO especializado na área da Educação, juntou-se ao PÚBLICO na Escola para ouvir as histórias destes 11 alunos e, com base na sua experiência, falar sobre os desafios e vicissitudes do trabalho jornalístico. Como se faz, afinal, uma reportagem? O que é que não pode falhar e que cuidados devem ser tidos? O que pode distinguir um jornal escolar dos demais?
No exterior, o tempo começou a abrir, lembrando que o verão estava mesmo a aproximar-se. Também os modelos de provas de aferição afixados num placar não deixavam esquecer que, mesmo estando um dia encoberto, o final do ano letivo aproximava-se. Os três grupos saíram à procura de um consenso. Iam parando aqui e ali, conversando uns com os outros. Nem todos se conheciam entre si. Enquanto chegavam à história que trariam para o segundo momento do workshop "Como fazer um jornal” visitavam a escola pelos olhos uns dos outros.
Chegaram à mesa de partilha três histórias de funcionárias. “Elas são a alma da casa, são as primeiras pessoas que conhecemos quando chegamos à escola”, explica Hugo Teixeira, aluno do 6.º ano. No grupo de Hugo, a decisão foi mais ou menos unânime. Sabiam que gostavam de tornar alguma funcionária a protagonista deste exercício, mas não sabiam bem qual. Acabaram por registar uma fotografia de grupo, com todos os funcionários da Escola Básica e Secundária de Airães, e reunir informação de diferentes pessoas. Havia, afinal, várias protagonistas.
“A escola é a segunda casa, e as funcionárias são família.” E como numa família, todos sabem os nomes uns dos outros. As funcionárias, os nomes dos alunos; os alunos, os nomes das funcionárias.
Amélia, Ana Maria, Regina. Estas trabalhadoras, essenciais ao funcionamento da escola, foram saindo do anonimato à medida que as fotografias iam sendo mostradas. Do apoio a alunos com mobilidade reduzida à organização do bar, da vigia do ginásio à própria gestão de todas as funcionárias. Ainda que tivessem uma função comum, as personagens eram diversas. Como lembra Vânia Gomes, de 13 anos, “uma escola é sentimento, são pessoas, são vivências, são acontecimentos”. E estas mulheres acabam por ser “o rosto” desses edifícios humanizados, guardiãs da memória coletiva desta comunidade.
As histórias das fotografias cruzam-se com as vivências dos alunos na escola. Nídia Babo, cuja passagem pela escola de Airães está quase a terminar, passa muito do seu tempo no pavilhão guardado por Regina. É lá que joga futsal. Conta que hoje “as coisas são diferentes”, e que este também pode ser um desporto de raparigas — mesmo que haja quem continue a pensar que “são só os rapazes que têm boa forma física e o dom de jogar futebol”. Quando abre um jornal, Nídia procura notícias sobre futebol ou futsal feminino. E quando as encontra, fica “sempre contente”. Nas histórias de outras jogadoras da modalidade encontra motivação para levar um pouco mais a sério este hobby.
Histórias próximas
Ao longo do workshop, foram surgindo espontaneamente ideias para futuras reportagens e entrevistas. Para Miguel Leão, a grande vantagem desta tarde com o PÚBLICO na Escola foi os alunos terem sido “postos num processo de agência”, uma vez que o workshop se construiu com as histórias que estes partilharam e dependia da sua interação. “Fomos lá para fora e estivemos a falar sobre histórias que lhes são próximas. Acho que isso permitiu que eles percebessem que o jornalismo pode ser feito à escala da nossa escola e da nossa comunidade.”
E se o Prémio Incentivo do Concurso de Jornais Escolares, promovido pelo PÚBLICO na Escola, no momento em que foi anunciado, já tinha sido, por si só, um estímulo para “fazer mais e melhor”, a recompensa do workshop acabou por ser o momento em que professores e alunos puderam repensar os objetivos para os tempos vindouros, no que ao jornal diz respeito. Com este ponto de partida, conseguirão definir melhor “a linha editorial do Riscado” e expandir as possibilidades do que pode ser feito num jornal com estas características, garante o mentor.
O mais importante para Vânia foi perceber isto: “Não é só a minha forma de ver as coisas que conta, tenho de avaliar vários pontos de vista.” Já Hugo, que ainda não colabora com O Riscado, gostou desta tarde com jornalistas porque sentiu que o grupo de alunos “se conseguiu expressar” e, claro, aprender mais sobre jornalismo.
Em abril de 2021, surgia a primeira edição do jornal O Riscado. Na senda do que havia sido conquistado pelo Psssst, que o antecedeu, pretendia estabelecer diálogos entre a escola, os seus agentes e a comunidade de Airães. A ideia surgiu depois de Miguel Leão, na condição de mentor da Teach for Portugal, ter identificado “algumas falhas de comunicação” e ter criado uma newsletter para comunicar com os parceiros externos à escola. Quando a escola se viu obrigada a entrar num segundo confinamento, fez sentido expandir a ideia.
Além de Miguel Leão, que dá apoio nas disciplinas de Ciências Naturais e Matemática, estava na gestão do projeto a professora Natalina Leite. Tanto a professora de História e Geografia de Portugal como os alunos que já estavam ligados à newsletter concordaram com o mentor, que disse que “seria interessante que o jornal se focasse mais nesta relação entre os professores, os alunos, as atividades que fazemos, e os encarregados de educação, as pessoas da comunidade, e não só os parceiros externos a nível mais institucional”.
A primeira edição do jornal O Riscado, cuja periodicidade é ditada pelo final de cada período, saiu por altura do vigésimo aniversário da escola. E foi-lhe dedicada, em jeito de homenagem. Tornou-se também como uma forma de olhar para o passado, começando a projetar um futuro — na altura incerto, dada a situação pandémica.
O número que se seguiu, em junho de 2021, resumiu as principais atividades do terceiro período e trouxe, em grande destaque, uma notícia: a Escola Básica e Secundária de Airães tinha conquistado o 1.º lugar no indicador de equidade, um ranking alternativo criado no mesmo ano pelo Ministério da Educação, por ser “a escola que mais ajuda os alunos de contextos mais vulneráveis a terem sucesso”.
O lugar que O Riscado ocupa nesta escola com cerca de 700 alunos, mais de metade (60%) dos quais tem direito a ação social escolar, é, sobretudo, de liberdade. “Olhando para o jornal como uma ferramenta livre para os alunos se expressarem, percebemos que este poderá ser o sítio através do qual eles podem explorar aquilo de que gostam”, explica Miguel Leão.
Nos intervalos das disciplinas que compõem o horário escolar, Miguel Leão espera que os alunos possam voar “além dos conteúdos habituais”. No Riscado, podem escrever “o que gostavam que estivesse escrito em algum sítio, mas se calhar não está”. E mais do que isso: “Podem ir explorando também aquilo que eles são enquanto seres no mundo.”