opinião
Ponto & Vírgula: um jornal escolar e muito mais!
É nos jornais escolares que, pela primeira vez nas suas vidas, os jovens deixam extravasar, da forma mais imaginativa e criadora, todas as emoções e descobertas que a sua curta caminhada de vida lhes proporciona.
Se há local numa escola em que se aprendam os valores humanistas, de liberdade, de respeito, de integração do “diferente”, que ultrapassa em muito todas as políticas educativas e todos os discursos normativos dos dirigentes, pais, professores ou outros que tentam impor, segundo os seus próprios ditames, aquilo que dizem ser o “verdadeiro caminho” para uma plena cidadania, esse espaço é, em muitas situações, o “jornal da escola”. É nos jornais escolares que, pela primeira vez nas suas vidas, os jovens deixam extravasar, da forma mais imaginativa e criadora, todas as emoções e descobertas que a sua curta caminhada de vida lhes proporciona, libertando-se, através das artes, sobretudo da arte da palavra, e descobrindo-se como seres criadores de ideias e objetos de beleza, numa partilha saudável em que todos os temas são passíveis de discussão. Essas páginas onde assim se expõem são o que lhes traz, fora dos momentos de tensão das aulas, dos testes, das avaliações, uma realização pessoal que, por muitas vezes, deixará marcas para toda a vida e lhes indicará caminhos quantas vezes até ali ignorados. Quantas vezes é nesses momentos de reflexão e criação que muitos dos nossos jovens descobrem aptidões, vocações e um novo sentido para as suas vidas?
Vem isto a propósito do prémio atribuído ao jornal Ponto & Vírgula, da Escola Secundária Eng.º Acácio Calazans Duarte, que se distinguiu pela grande qualidade dos artigos nele publicados, desde críticas de cinema, de música e dança, até textos de reflexão sobre temas da atualidade, passando por edições temáticas, das quais saliento as que foram dedicadas a Fernando Pessoa e Saramago, abordagens de excelentes alunos com uma lucidez e um sentido crítico invejáveis, que, com o apoio e incentivo das suas professoras de Português, produziram textos dignos de destaque em qualquer das mais relevantes revistas literárias.
Contudo, esta preocupação pela qualidade e criatividade não é um facto novo nesta publicação: já há muito que o Ponto & Vírgula tem sido um jornal de referência, tanto assim que o jornal local desta cidade, Jornal da Marinha Grande, tem vindo a publicar com uma certa regularidade um suplemento com os artigos que alunos e professores nele publicam.
Uma outra enorme qualidade deste jornal escolar é a preocupação que tem por valorizar todos os elementos da comunidade educativa deste universo territorial que é o Agrupamento de Escolas Marinha Grande Poente, não olhando a performances cognitivas nem a rasgos incomparáveis de criatividade, integrando como seus colaboradores tanto aqueles que se destacam por se revelarem como “génios superdotados” como aqueles que, pelas suas especificidades, necessitam de um acompanhamento mais individualizado ou têm que percorrer um caminho menos óbvio para atingirem alguns dos seus objetivos. Vem isto a propósito de uma entrevista ao Diretor do Agrupamento de Escolas Marinha Grande Poente, a que a Escola Secundária Eng. Acácio Calazans Duarte pertence, feita por um grupo de alunos “com necessidades especiais”, um trabalho que os motivou imenso, dando todo o seu empenho para a sua concretização, sentindo-se verdadeiramente recompensados e valorizados por toda a comunidade, quando viram o seu trabalho lido, comentado, e quando muitos dos colegas e professores os vieram felicitar pelo resultado conseguido. Por outro lado, neste mesmo espírito de todos integrar neste universo de múltiplas diferenças e de multiculturalidades, não têm sido de somenos importância as colaborações de membros da nossa comunidade de proveniências muito diversificadas que espelham o imenso “caldo cultural” que é hoje a sociedade marinhense. Relembre-se que foi a Marinha Grande uma das primeiras localidades portuguesas a receber refugiados das guerras do Iraque e da Síria, tendo sido mesmo a “diretora”, na altura, deste jornal, Prof.ª Alice Marques, quem ajudou na sua integração, não só como sua professora de Português, mas apoiando-os na busca de condições de habitação e trabalho, para o que moveu mundos e fundos.
Este prémio, verdadeiramente merecido, sobretudo pela enorme criatividade dos alunos da Calazans, assim como pelo labor e empenho de uma dedicada equipa, na qual não podemos deixar de salientar a Prof.ª Alice Marques, que orientou, ao longo de muitos anos, este jornal e o transformou neste espaço livre da criação artística, trouxe-me à memória os meus tempos de infância e de juventude, quando, também eu, senti a felicidade e o reconhecimento, ao publicar os meus ingénuos textos, primeiro, num simples jornal de parede do colégio que eu frequentei, O Quinzinho, porquanto se publicava quinzenalmente, ou, já em tempos de faculdade, quando vi publicado um texto da minha lavra, na efémera revista Riscos, em que brincava com conceitos relativos aos Estudos Literários, um texto entre o irónico e o absurdo, dificilmente entendível por quem estivesse fora do meio das Línguas e Literaturas Modernas, mas que perdura na minha memória como algo que me deu muito gozo fazer.
Por via disto, permita-se-me um elogio a quem, premiando assim os jornais escolares, valoriza quem está a descobrir o gozoso caminho das palavras e das ideias que, como neste jornal, Ponto & Vírgula, fluem livremente destes jovens que, assim, generosamente, se entregam à arte e ao saber.