Concurso

O mundo aos olhos dos vencedores do “Isto também é comigo!”

Arriscaram e concorreram com os seus textos de opinião, entre outubro de 2023 e maio de 2024. Agora explicam porque é que aqueles temas os tocam tanto.

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Brendha Barbosa estava no Parlamento dos Jovens quando recebeu a notícia: “Ganhaste o concurso de opinião do PÚBLICO na Escola!” Não conseguiu esconder o entusiasmo, ainda por cima vivia dias particularmente inspiradores. À sua volta estavam alunos de escolas de todo o país a debater entre si, “expressando-se na sua voz”. E esta notícia chegou-lhe como uma validação da sua opinião. Confirmou uma ideia que já tinha: “Opinião não é só quando a pessoa de 70 anos tem uma opinião madura, nós jovens também temos uma. Eu não concordo quando as pessoas falam ‘ah, ele só tem 17 anos, não viveu’. Talvez a gente não tenha vivido aquilo que os nossos pais viveram, e a gente também está aprendendo com eles, mas também temos as nossas opiniões, que podem fazer a diferença.”

A edição de 2023-24 do “Isto também é comigo!”, concurso mensal de textos de opinião fruto de uma parceria entre o PÚBLICO na Escola e a Rede de Bibliotecas Escolares (RBE), foi um exemplo muito concreto disso. Os temas que surgiram mês após mês já eram próximos dos participantes. As notícias e reportagens que escolheram permitiram-lhes expandir as suas reflexões e cimentar opiniões. Fosse porque gostavam de línguas minoritárias e queriam preservá-las, porque viviam situações de xenofobia na pele, porque iam estudar para a Universidade e o preço dos quartos e das casas os assustava.

Neste ano letivo, o empurrão foi dado pelos professores, que incentivaram os alunos a acreditar neles próprios e concorrer. Mas a vontade de escrever, essa, partiu dos alunos. Era como se o que tinham para dizer tivesse encontrado finalmente um pretexto para ser posto no papel e apresentado ao mundo. Entre outubro e maio, os seus trabalhos distinguiram-se entre centenas de outros. Os seus nomes e localidades estiveram em destaque no site do PÚBLICO na Escola: Duarte Guerreiro, de Lisboa; Margarida Mateus Cruz, de Condeixa-a-Nova; Sophia Spiguel Tonietti, de Cantanhede; Angelina Tadeu, da Moita; Michele Pereira, de Vila Nova de Gaia; Lara Batista, de Viana do Castelo; Brendha Barbosa, do Cacém; Rodrigo Costa dos Santos, de Tondela.

Uns meses depois, o PÚBLICO na Escola foi ouvi-los e perceber porque é que estes assuntos lhes dizem tanto. Apenas uma vencedora não quis ser entrevistada.

Duarte Guerreiro, 12.º ano, Escola Secundária D. Pedro V (Lisboa)

Uma língua é “tão importante para a cultura portuguesa quanto um monumento”

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Inglês, francês, espanhol, talvez alemão. Quando se aprende línguas na escola costumam ser estas as opções. Mas não foi o caso de Duarte Guerreiro, aluno da Escola Secundária D. Pedro V, em Lisboa: do 7.º ao 9.º ano aprendeu latim. Diz que sempre teve um interesse particular por “línguas que não são muito utilizadas”, e agora até está a aprender esperanto. Foi por isso que quando se cruzou com a reportagem “Mirandês: uma língua não morre enquanto andar no sentir e no falar”, no site do PÚBLICO, sentiu que tinha algo a dizer. Escreveu um texto de opinião e venceu o concurso “Isto também é comigo!” no mês de outubro de 2023.

Quem lesse o texto de Duarte podia pensar que o mirandês lhe era próximo, pela forma como defendia a sua preservação. Teria família por aquelas terras? Saberia ele próprio como escrever e falar esta língua? Seria um estudante de humanidades com um gosto particular por línguas minoritárias? Nada disso. Tem um gosto particular por línguas minoritárias, sim, mas é um estudante de Economia que quer, acima de tudo, que se valorize este património imaterial. “Num monumento com forma física, é muito mais fácil sentirmos que nos pertence. Isto é algo que não existe fisicamente, mas a verdade é que é tão importante para a cultura portuguesa quanto um monumento. E os monumentos conseguimos sentir que são nossos, mesmo não sendo da nossa terra. Com as línguas também devia ser assim”, sugere.

“Mirandês: um património a preservar na era digital” era o título do seu texto. E é no digital que Duarte acredita poder estar o segredo para se concretizar o que tanto defende: “Nos últimos anos começou a aprender-se o mirandês nas escolas daquela zona. Era interessante haver essa possibilidade noutras partes do país e, não havendo, ter meios digitais que permitissem às pessoas aprender. Mesmo que não fossem cursos com professores ou alunos, mas programas que dessem a conhecer” Uma espécie de Duolingo?, perguntamos-lhe. “Sim”, responde a rir.

Margarida Mateus Cruz, 12.º ano, Agrupamento de Escolas de Condeixa-a-Nova

“O telemóvel torna as interações mais fáceis”

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Andava no quinto ano quando teve um telemóvel pela primeira vez. Lembra-se que só aconteceu porque precisava de contactar os pais quando estava na escola, na hora de irem buscá-la. Redes sociais, instalou “muito mais tarde”. A relação das crianças e adolescentes com estes espaços de convívio digitais é algo que preocupa Margarida: “Começam a ver pessoas a usar demasiados filtros e a mostrar uma vida que nem sempre é a verdadeira, e ficam a achar que aquilo é a realidade e que a vida deles também devia ser assim.”

Não é que o tempo de utilização excessivo dos telemóveis seja um tema novo, mas foi notícia em novembro do ano passado e a aluna de Condeixa-a-Nova achou que fazia sentido escrever sobre isso. O ponto de partida foi um texto de Marília Favinha para a Ímpar, no qual a professora da Universidade de Évora defendia que a escola precisava de mais encontros e diálogo, já que “as crianças e os jovens passam muito do tempo de interação com os seus pares, através do digital, mesmo quando estão próximos.” No seu, Margarida acrescentou que o telemóvel funcionava como um refúgio.

“O telemóvel torna as interações mais fáceis, dá para falar sobre qualquer coisa”, explica. Ao mesmo tempo, acredita que as relações pessoais ficam diferentes e que “há amigos que só são amigos porque fica bem nas redes sociais”. Gostava que as amizades voltassem a ser mais genuínas. Para isso devem proibir a utilização de telemóveis nas escolas? “Eu acho que proibir não é a solução.”

Sophia Spiguel Tonietti, 11.º ano, Agrupamento de Escolas Lima-de-Faria (Cantanhede)

“Acho que falta um ambiente mais acolhedor (para jovens trans) nas escolas”

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Tem apelido italiano, mas foi em São Paulo que viveu até há quase três anos. Mudou-se para Portugal, diretamente para Cantanhede. A mudança não foi logo fácil: passou de uma grande cidade com cerca de 12,4 milhões de habitantes para um município com 40.000. Passado cinco meses, tudo parecia fazer sentido. “Já não quero sair daqui”, conta ao PÚBLICO na Escola. Mas há coisas que gostava que fossem um bocado diferentes: as mentalidades, por exemplo.

Sophia tem um interesse particular por três temas: os direitos das mulheres, sexualidade e assuntos LGBT+ e educação. Quando viu um e-mail da biblioteca da escola onde estuda a dar conta do concurso “Isto também é comigo!”, foi procurar conteúdos do PÚBLICO que lhe pudessem interessar e esbarrou numa notícia da jornalista Daniela Carmo que dava conta de que “quase 70 menores mudaram de género e de nome no registo civil” em 2023. “Eu tenho muitos amigos que são jovens trans e acho que foi por isso que fiquei sensibilizada”, contextualiza. E o texto de opinião que escreveu, que lhe valeu distinção em dezembro de 2023, focava-se na importância de tornar as escolas espaços mais seguros para alunos como os seus amigos.

“Acho que falta um ambiente mais acolhedor e falta também auxílio. Eu sei que a minha escola tem psicólogos, mas eu penso que não estão muito abertos a estas questões. Acho que se fica muito focado na questão da carreira profissional”, diz a aluna. Gostava que tanto psicólogos como professores e assistentes operacionais pudessem ter formação para serem mais inclusivos. Para que uma mudança efetiva acontecesse, acredita que é preciso continuar a dar visibilidade e contar histórias de pessoas trans: “Recentemente conversei com uma colega minha que estava falando sobre os desenhos [animados] agora terem mais representatividade trans e ela via aquilo como uma forma de alienação nas crianças. Representatividade, para ela, era alienação e um incentivo a que as crianças virassem trans. Eu não vejo, de jeito nenhum, dessa forma.”

Michele Pereira, 12.º ano, Escola Secundária Almeida Garrett (Vila Nova de Gaia)

“Aqui, em Portugal, eu sou duas minorias”

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Tinha chegado há pouco tempo à Escola Secundária Almeida Garrett quando a professora de História lhe lançou um desafio, num grupo do Teams onde estavam mais alguns colegas. Por que não participar num concurso de textos de opinião? Michele gostou do desafio. Quando leu a crónica da socióloga Cristina Roldão, “Chega de racismo e de xenofobia”, foi como se visse organizadas as sensações que há muito vinha a sentir. Encontrou ali uma oportunidade de escrever a partir do seu lugar de fala: “Nativismo português excessivo, aos olhos de uma brasileira” foi o título que deu ao texto.

“Escrevi muito genuinamente, foi fácil de escrever. Fui colocando os meus próprios sentimentos e as palavras que faziam mais sentido para mim. Quando levei o texto para a minha professora, ela disse que teria uma chance de ganhar porque era um texto bom, mas eu não dei muita bola. Quando soube que ganhei, foi como uma segunda validação dos meus sentimentos e de tudo o que eu passei. Foi muito bom.”

O título não engana o leitor: o texto de Michele é sobre ser uma mulher brasileira a viver em Portugal, o preconceito que sofre e os medos e anseios que tem. Desde que se mudou de São Paulo, quando tinha 11 anos, foi vivendo vários episódios que a marcaram. Mas há um em particular de que se recorda: “Estava com os meus pais no supermercado fazendo compras, como qualquer outra família, passou uma senhora ao lado da minha mãe e disse ‘essas brasileiras que vêm para cá roubar o marido das outras’.” Se a memória não lhe falha, a reação da mãe foi “à altura”, porque é uma pessoa “muito paciente e bem-humorada”. “Mas há quem não tenha esse tipo de segurança e confiança que a minha mãe tem”, defende Michele.

A ascensão da extrema-direita na Europa, particularmente em Portugal, assusta-a. Viu, ainda que à distância, como foi no Brasil com Bolsonaro — “Nesse caso eu não era imigrante, mas era mulher. Aqui eu sou duas minorias."

Lara Batista, aluna do 11.º ano, Escola Secundária de Monserrate (Viana do Castelo)

“A mulher continua a ser um bocado objetificada”

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Na cultura visual do Alto Minho, a presença feminina predomina. As mordomas que carregam o ouro da família na procissão da Senhora da Agonia, em Viana do Castelo; as heroínas de vilas e cidades como Deu-la-deu Martins, em Monção; as matriarcas anónimas que sustentavam a agricultura. Na família de Lara Batista, aluna da Escola Secundária de Monserrate, as figuras mais fortes também são mulheres: a sua avó e a mãe. É nelas que pensa quando se quer inspirar.

As desigualdades que persistem por questões de género são tema recorrente nos seus pensamentos. “Como é que é possível ainda ser assim?”, questiona-se. Quando leu a notícia que antecipava a conferência de celebração dos 34 anos do PÚBLICO, cujo tema este ano era “Ser Mulher em Liberdade”, deu por si a questionar, uma vez mais, o que ainda está por fazer. “A mulher é muito criticada: se tem filhos é porque tem filhos, se não tem filhos é porque não tem filhos. Se tem é porque devia deixar de trabalhar, se trabalha muito é porque trabalha muito. Também continua a ser um bocado objetificada, especialmente raparigas mais novas, talvez da minha idade”, lamenta.

Lara costuma ler e ver notícias — não o fez apenas para escrever este texto de opinião. As que mais lhe pesam são as de femicídios. Mas acredita num futuro em que as mulheres serão mais livres. A sua forma de ser livre é fazer as coisas de que gosta, sem medo de rótulos: faz parte do Grupo Folclórico Cultural Danças e Cantares de Carreço, mas também pratica karaté. “Tenho uma costela artística, nos meus tempos livres pinto, desenho, faço umas esculturas.” Não é por estudar Ciências que não pode expressar-se. E não é por ser mulher que não pode sonhar e exigir mais para si e para todas.

Brendha Barbosa, 11.º ano, EB e Secundária Rainha Dona Leonor de Lencastre (Cacém)

“Há professores que não se sentem bem-vindos na sala de aula”

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Estávamos em abril e as greves de professores eram tema de manchetes há já algum tempo. No PÚBLICO saiu uma reportagem sobre uma escola em Sintra onde se fazia “a gestão do caos” entre a falta de professores e turmas lotadas. Era a Escola Básica e Secundária Rainha D. Leonor de Lencastre. O trabalho foi lido por vários professores e alunos, inclusive por Brendha Barbosa, a quem o tema tocou particularmente. É que, além de ser aluna, gostava de um dia ser professora. Veio há dois anos de Minas Gerais, no Brasil, para Sintra e, se bem se lembra, também por lá os professores enfrentam muitos desafios. Essa insegurança traz-lhe medo, mas quer lutar por este sonho.

“Eu quero ser professora porque gosto muito de ensinar. Ajudar as pessoas a entender as matérias, para mim, é uma realização, mesmo sendo aluna”, diz. Mas quais são, afinal, as dificuldades desta classe que vê diante dos seus olhos? “Há professores que não se sentem bem-vindos na sala de aula e eu acho isso muito constrangedor, porque eles passam tanto tempo estudando, tanto tempo se dedicando àquilo que eles mais amam, para no final os alunos não respeitarem, não gostarem das aulas. E o salário…”

No texto de opinião que escreveu, “Ser ou não ser professor na escola pública portuguesa”, também mencionava o stress, a “sujeição a uma avaliação, dita injusta por muitos” e o excesso de trabalho fora do horário. E a boa vontade dos professores que fazem mais do que "apenas ensinar". “Eu já tive professoras que me motivaram a sonhos que eu não imaginava, já tive professoras que me ensinaram que eu tenho que fazer aquelas coisas que eu sonho, mesmo estando com medo, porque o medo é aquilo que te vai impedir de realizar os teus sonhos.” É esse tipo de professora que Brendha quer ser.

Rodrigo Costa dos Santos,12.º ano, Escola Secundária de Tondela

“Vou para uma cidade nova, mas primeiro preciso de um sítio para ficar”

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“Este tema está um pouco por todo o lado e, como vou para a universidade este ano, acaba por ser algo que me preocupa.” As palavras são de Rodrigo Costa, aluno da Escola Secundária de Tondela que, por essa altura, preparava a candidatura à universidade. O objetivo que tinha em mente era ir estudar Ciências Farmacêuticas ou Bioquímica para o Porto, mas havia uma espécie de nuvem negra que o acompanhava: o problema da habitação. “Vou para uma cidade nova, mas primeiro preciso de um sítio para ficar. A questão de cada vez ser mais difícil, e os valores serem cada vez mais altos para arrendar uma casa, acaba por ser complicado.”

A preocupação sentia-se no texto que escreveu e que o fez ganhar o “Isto também é comigo!” em maio. Embora aí se focasse mais na ideia de comprar uma casa, já que era o assunto dominante do artigo do P3 que o inspirou. Sente que as coisas têm mesmo de mudar, mas reconhece que não existe uma solução mágica: “Não é assim de um momento para o outro que conseguem baixar o preço das casas.” Mas acredita que o aumento do salário mínimo podia fazer a diferença. “Acho que contribuiria para termos um suporte e conseguirmos arrendar uma casa, a princípio, e depois comprar.”

É certo que para os jovens da sua idade comprar casa pode ser uma miragem. Mesmo os preços dos quartos em cidades universitárias podem afastar alguns alunos de prosseguir estudos. No entanto, Rodrigo reconhece que talvez as pessoas da sua geração tenham mais ajuda dos pais do que as anteriores tiveram: “As nossas famílias ajudam-nos muito mais do que uma família de há 50 anos. Nessa altura chegavam aos 18 e saíam de casa, eram obrigados a fazê-lo. E nós não, temos um suporte muito grande. Se pensarmos, a maior parte dos jovens até aos 30 continuam a viver em casa dos pais. Coisa que penso que não acontecia nessas gerações.” No seu caso, a independência é uma prioridade. Se para isso tiver de emigrar, “não é uma opção que ponha de parte”.