Computação na escola
Ciência da Computação: o projeto piloto Ensico@Porto
Alunos, pais e professores fazem balanço “muito positivo” da iniciativa, que consideram ser “o futuro” das novas gerações.
São três as escolas da cidade do Porto (escolas do Agrupamento de Escolas Garcia de Orta, do Agrupamento de Escolas do Cerco do Porto e Colégio Nossa Senhora de Lourdes ao nível dos 2º e 3º ciclos de escolaridade) que arrancaram, este ano letivo, com um projeto piloto que levou a ciência da computação às salas de aula. Lecionada por professores da Ensico (Associação para o Ensino da Computação) em conjunto com docentes das referidas escolas, a iniciativa tem recebido críticas positivas da comunidade escolar. “Gosto muito de Ciência da Computação, aprendemos coisas muito diferentes, como grafos e sequências e como funciona um computador. É uma disciplina que vale a pena ter. Gostava que continuasse. É muito divertido e ajuda a perceber Matemática”, conta Matilde Almeida, aluna do 8º ano do Colégio Nossa Senhora de Lourdes. A opinião é partilhada por Vicente Nery, do 8º ano, para quem a Ciência da Computação foi importante para “perceber melhor como funciona um computador”. “Aprendemos a mexer com código binário e coisas do género. As aulas são divertidas e os exercícios são interessantes”, conta. Já Inês Summavielle, do 6º ano, diz ter ficado “surpreendida com a quantidade de coisas que são precisas para o computador funcionar”. “Gosto de computação porque é uma nova disciplina e descubro muitas coisas diferentes, como de que forma tudo funciona por trás de um ecrã. Gostava de continuar porque acho muito interessante. Aprendemos muitas coisas novas que não saberíamos sem esta disciplina. Gostava que fosse uma disciplina igual às outras, com horário fixo e todas as semanas”, confessa.
Rita Fortes, mãe da aluna Matilde Almeida, acredita que “o futuro passa pelo ensino de ciência da computação”. Para a Encarregada de Educação, “estas novas gerações precisam desta formação”. “A Matilde ficou muito entusiasmada e a professora Inês foi extremamente motivadora, o que foi fundamental neste projeto”, refere. Rita Fortes diz ainda ser necessário introduzir a disciplina “mais cedo”. “Nestas coisas, quanto mais cedo melhor. No caso da Matilde, ajudou-a a entender as bases da matemática e a perceber o raciocínio do computador. Percebeu que não é só carregar numa tecla para as coisas aparecerem”, recorda. Sérgio Nery, pai de Vicente, encontra as mesmas mais-valias na aprendizagem das ciências da computação. “Hoje em dia tudo é gerido através de algoritmos e acabamos por ser manipulados por esses algoritmos, até nas coisas que compramos. É importante que as crianças percebam a linguagem das máquinas. Vejo o meu filho motivado para saber mais sobre tecnologia e entender a linguagem computacional. O Vicente percebe a importância, o interesse e a necessidade desta área de ensino. Vejo-o muito motivado e interessado”, refere. O pai de Vicente Nery destaca ainda a “importância da ciência da computação em todas as áreas”. “Tem aplicação em tudo. Até pela perspetiva de não haver exageros da própria tecnologia. E é importante que se saiba como funcionam as máquinas para não sermos dominados por quem conhece essa linguagem”, esclarece.
“Seria uma vantagem começar no 1º ciclo”
Catarina Soares é professora de Matemática há 16 anos e ‘batalhou’ para que o Colégio Nossa Senhora de Lourdes, onde leciona a disciplina, fizesse parte do projeto piloto da Ensico. A motivação, diz, foi estar convicta “da importância de dominar a tecnologia para não sermos dominados pelas máquinas”. “A computação é uma linguagem difícil e que tem de ser bem implementada para que as novas gerações possam perceber a máquina para a poder dominar em todas as suas funções. A meu ver é o futuro. O futuro passa por aí. Cada vez mais temos acesso a tecnologia em todos os momentos do nosso dia a dia e se nós, que somos mais velhos, tivemos que aprender e adaptar-nos, estas gerações já nascem com acesso a tecnologia. Contudo, não sabem utilizá-la devidamente. Assim, quanto mais soubermos, mais capazes somos de fazer escolhas acertadas”, explica. A docente encontrou ainda na ciência da computação uma ‘aliada’ para a disciplina de Matemática, pois, muitas vezes, “os alunos identificavam os conceitos” já lecionados através de uma outra abordagem. “Ficava muitas vezes orgulhosa e vaidosa quando eles próprios identificavam as matérias ligadas à matemática. Muitas vezes questionam para que servem as coisas e, de repente, ver a cara de espanto deles quando viam como era, era maravilhoso. “
“Há muitos conceitos na matemática que são abstratos e viam esses conceitos, na prática, nas aulas de computação. Fiquei muito feliz”, sublinha. Para a docente, a disciplina deveria ser ensinada desde o 1º ciclo. “Seria uma vantagem começar no 1º ciclo. É uma língua, uma linguagem e como qualquer língua, quanto mais cedo aprendermos, mais sensibilidade teremos para a usar de forma correta. A computação, tal como a matemática, quanto mais cedo for compreendida melhores serão os resultados no futuro”, avança. Catarina Soares gostava que “fosse uma disciplina num futuro próximo” e faz um balanço positivo deste ‘ano letivo piloto’. “Os alunos estiveram muito entusiasmados e foi uma pena as escolas terem fechado por causa da pandemia, o que acabou por se refletir numa quebra de produtividade”. A professora realça ainda o papel que a ciência da computação poderá ter na igualdade de género. “Dar esta oportunidade a estas gerações de terem acesso a uma linguagem que era mais usada pelos homens dá-lhes outras aberturas e perspetivas. Antigamente as mulheres tinham medo de ir para engenharias que eram consideradas de homens”, conclui.
“A nossa liberdade é condicionada por algoritmos”
Quando surgiu o convite para participar no projeto piloto, António Filipe Barbosa, diretor pedagógico do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, não hesitou em aceitar. “Porque é que o colégio não estaria interessado num projeto desses? Percebemos que seria claramente uma mais-valia para a escola poder participar. Era algo totalmente diferente, com aulas de programação sem recurso a computadores e seria um desafio para os alunos”, recorda. O balanço, diz, é “muito positivo”. “Conforme o projeto foi evoluindo e pais e alunos perceberam os alicerces do projeto, o feedback foi sendo cada vez mais positivo por parte de todos. Foi uma avaliação em crescendo”, afirma.
O responsável acredita no “potencial do projeto” e acredita fazer “sentido” a sua incorporação na matriz curricular das escolas. “É importante que os alunos percebam que estamos numa era diferente e que a nossa liberdade é condicionada por algoritmos. Os estudantes precisam de compreender que por detrás das máquinas está alguém que programa para que algo aconteça. A dependência das crianças e jovens pelas tecnologias não se resolve com a proibição, mas com educação”, conclui. E este é um dos grandes objetivos da Ensico: dotar os cidadãos de conhecimentos fundamentais para a compreensão e uso das tecnologias de forma responsável e informada. A associação pretende “capacitar os alunos com um pensamento computacional, crítico e analítico” para os ajudar a “resolver de forma metódica e eficiente os mais variados problemas do dia-a-dia” permitindo a compreensão, “não só do mundo virtual, como também das mudanças societárias e económicas que daí advêm”. [Depoimentos dos intervenientes citados aqui.]
Texto de Cynthia Valente
[Às quintas-feiras, o PÚBLICO na Escola dá espaço às ciências da computação, contando para o efeito com a Ensico]