Jornais escolares
Boletim meteorológico, viseira, textos, ilustrações, pequenos-almoços e muitas outras coisas que os alunos sabem fazer
Para cima de 400 contribuições publicadas no primeiro ano de vida. O Comunica é o jornal do Agrupamento de Escolas de Freixo, no concelho de Ponte de Lima. Em tempos de pandemia, passou a ser muito mais do que isso.
O jornal digital Comunica tinha uns escassos meses de existência quando, em março, foi anunciado que as escolas iam fechar e não havia data prevista para retomar as aulas presenciais. Ao professor António José Paiva não restaram grandes dúvidas: “Primeira ideia que me veio à cabeça: o site teve uma vida curtinha e vai parar. Foi bom enquanto durou.” Preparou mesmo uma mensagem de despedida, mas não só não precisou de usá-la como acabou por não ter mãos a medir perante a quantidade de trabalhos de alunos que foram chegando, apetecíveis para publicar — mais de 100 entradas logo durante o mês de abril, em registos vários.
Continuava a ser assim no dia de maio em que o professor, coordenador do Clube de Comunicação do Agrupamento de Escolas de Freixo, no concelho de Ponte de Lima, falou com o PÚBLICO na Escola: “Hoje, por exemplo, recebi uma banda desenhada, um vídeo...” Aqui é que se vê a autonomia dos alunos, porque, sozinhos, puseram em prática o que sabiam fazer. Na escola trabalham muito com as tecnologias”, daí o à-vontade a fazer vídeos ou arranjos gráficos quando passaram a ficar em casa, confinados pela covid-19.
Quem por esta altura, que é de férias, espreitar o Comunica, encontra, entre os destaques: “A vida com Coron@... Como é? Como será” — Trabalhos dos Alunos”. Clicando, tem a explicação. “A escola lançou o desafio e os alunos de todos os níveis aderiram em massa ao projeto” e desenvolveram um trabalho subordinado ao tema proposto. “O mote estava dado e era permitido todo o tipo de manifestações artísticas: trabalhos escritos, ilustrações, banda desenhada, vídeos, scratch, powerpoints, música. Aqui fica o resultado de muitos e bons trabalhos numa das alturas mais negras das nossas vidas, mas ao mesmo tempo aquela em que renovámos a esperança e a união entre todos, apesar da distância.”
Há de tudo um pouco: uma entrevista em que a aluna, caracterizada a preceito para cada uma das situações, assume o duplo papel de entrevistadora (da TVI) e entrevistada; um concerto ao vivo, em Educação Musical, a cantar a liberdade; um aluno a ensinar como se faz uma viseira em casa, para proteger do vírus; desenhos, textos, sugestões de pequenos-almoços saudáveis...
Do pré-escolar ao 9.º ano, nos mais variados registos e formatos, a resposta ao repto avançado pela direção do agrupamento a seguir à pausa letiva da Páscoa — ouvir os alunos acerca da situação insólita que se vivia — “obrigou” a encaminhar para o jornal digital trabalhos que professores de diversas áreas tinham começado a receber e que mereciam ser divulgados. “Nós só lançámos o título”, diz o diretor do Agrupamento de Escolas de Freixo, Jorge Dias. Numa altura difícil, de suspensão do contacto direto dos miúdos com a escola e com os colegas, o jornal escolar, ao dar visibilidade aos trabalhos feitos em casa, proporcionou, para além de “uma coisa que os deixa contentes”, uma via de contacto entre os elementos da comunidade.
Uma ideia reforçada por António José Paiva: “É muito interessante como se consegue ter toda a gente a gravitar à volta do site. Acabou por aproximar toda a comunidade. Se não existisse isto, estava cada um para seu lado.”
Algumas secções surgiram “à boleia do corona”, explica, outras já haviam conquistado o seu espaço. Era o que acontecia, por exemplo, com as previsões meteorológicas, dinamizadas pelo Clube de Meteorologia da escola e asseguradas por vários alunos durante o confinamento. Ao lado de Rita Martins, Rui Gomes, do 8.º ano (em junho eleito meteorologista de 2019/20, à semelhança de Diogo Vilas Boas, do 9.º), começava assim um dos boletins dos dias carregados em que ainda vigorava o estado de emergência: “Hoje continuamos com mau tempo, devido à influência de uma baixa pressão ao largo da costa portuguesa — daí o céu muito nublado [e aponta para ele], com períodos de chuva e vento moderado do quadrante sul.” Seria Rita a anunciar a melhoria do estado do tempo para o fim de semana, “devido à influência de uma alta pressão sobre o Atlântico.”
Porquê destacar este exemplo e não outro? Porque este vídeo conta ainda com a participação da mãe de Rita, Manuela Lourenço, a quem cabe encerrar com uma recomendação: “Nunca se esqueçam: continuem a adotar cuidados de higiene redobrados e a ficar em casa, de maneira a reduzir o risco de contágio do Covid-19.” Em resposta às perguntas enviadas pelo PÚBLICO na Escola, dizem tratar-se de “uma experiência muito divertida, diferente do nosso costume e com a intervenção de uma familiar”. Para Rui e Rita, não há grandes mudanças em termos de conteúdo, cuja fonte principal é o IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera). “A informação que damos ao público é basicamente a mesma coisa como na escola.” O que se torna “um pouco mais difícil é não termos o professor ao nosso lado, a orientar-nos, e em casa também não temos o mesmo cenário que na escola”. Para a mãe de Rita, esta foi “uma experiência muito interessante”, que aliás aconselhava a outros encarregados de educação.
Talentos que estavam escondidos
Inserida numa área rural, muito afetada pela emigração e onde “o ambiente económico não é o mais favorecido”, resume o diretor, “a escola tenta, desde há anos”, criar condições para que os alunos tenham acesso a recursos tecnológicos, niveladores de oportunidades e cada vez mais utilizados na prática pedagógica — o que valeu ao agrupamento ser escolhido para integrar o grupo das Microsoft Showcase Schools. “Temos um chavão: antecipar o futuro. Por que razão estes alunos, por estarem aqui, não podem ter acesso à mesma informação e aos meios disponíveis nos ambientes mais favorecidos?”
Não é apenas a facilidade no uso das tecnologias que os trabalhos feitos chegar ao jornal digital Comunica (mais de 400 em menos de um ano de vida, contas entretanto apresentadas em editorial) evidenciam. A distância a que o confinamento obrigou acabou por atenuar alguns constrangimentos. Alunos mais avessos à exposição, “que noutros contextos não aparecem, são mais reservados, neste registo sentiram-se mais à vontade para colaborar mais”, constata o diretor do agrupamento. “Identificámos alguns talentos que estavam escondidos, porque os alunos se sentem confortáveis a participar desta maneira. Revelaram-se aqui alguns génios em matérias que nem imaginaríamos.”