Concurso “Jornalistas em Rede”
Beatriz Carquejo entrevistou o avô, ex-combatente no Ultramar. É ela a vencedora
Aluna do 9.ºano no Agrupamento de Escolas de Paços de Brandão registou memórias da guerra em Angola. Concurso é uma iniciativa do PÚBLICO na Escola e da Rede de Bibliotecas Escolares.
“Parti para África no barco Vera Cruz. Não sabia para onde ia, que destino seria o meu”
Ex-combatente da Guerra Colonial, Manuel Ferreira – mais conhecido como "Porto" – recorda essa experiência, vivida em Angola, onde foi apontador de morteiro 81. Memórias registadas pela neta no ano em que se comemoram os 50 anos do 25 de Abril.
Entrevista de Beatriz Carquejo, 9.ºano (texto e fotos)
Agrupamento de Escolas de Paços de Brandão
Manuel Augusto Marques Ferreira, 78 anos, mora em Paços de Brandão, concelho de Santa Maria da Feira. Emigrante em França, onde foi serralheiro mecânico, regressou a Portugal no ano de 1976 para trabalhar no mundo da cortiça. Tinha 21 anos quando embarcou no navio Vera Cruz com destino a Angola, para combater na Guerra Colonial.
O que sentiste quando foste chamado a cumprir o serviço militar?
Fui chamado em junho de 1967 para o Regimento de Infantaria 10, em Aveiro. Ao fim de fazer a recruta, fui tirar a especialidade de Morteiro 81 a Évora, num antigo convento de freiras.
A 4 de janeiro de 1968, após fazer todos os treinos de aprendizagem, parti para África, no barco Vera Cruz. Cheguei a Luanda a 12 de janeiro de 1968 e estive oito dias no Grafanil à espera de saber qual era o meu destino… Vocês não imaginam as saudades que senti do meu país, não sabia para onde ia, que destino seria o meu.
Que funções cumpriste lá?
Após os oito dias, saí de Luanda e fui direto ao Quitexe, numa zona de guerra, onde desempenhei a função de “apontador de morteiro 81”. Ao fim de 15 dias no Quitexe, fui transferido para uma unidade na fronteira do Congo Belga, no distrito do Zaire, para fazer proteção num quartel militar, onde teria de ficar permanentemente de vigia, caso fôssemos atacados. Tinha 11 meses de Ultramar, quando recebemos uma ordem para mandar cerca de 40 a 50 granadas de morteiro para a fronteira, onde constava que haveria terroristas que tentavam atacar o nosso aquartelamento.
Ao fim de 40 morteiros, comecei a sentir-me mal dos ouvidos, comecei a sangrar devido ao eco da explosão, pois não tínhamos proteção, e com a distração não os protegi. Dois dias após este incidente, embarquei num avião que nos vinha trazer o correio e a alimentação. Fui, então, para o Hospital de Negais (em Negage, Angola), onde estive 15 dias. Regressei ao meu aquartelamento e recebi ordens do meu tenente-coronel, para não ser operado em Luanda. Quando chegasse aqui a Portugal seria operado, pois havia um melhor tratamento. Ao fim de dois anos, na fronteira do Quitexe, regressei à metrópole, Portugal.
Tendo em conta o que me dizes, como consideras a tua participação na guerra colonial?
Sinto que a minha participação na guerra trouxe-me mais-valias para a vida, cresci enquanto pessoa, enquanto homem, tive outra perceção da vida lá fora e do quão bom é estarmos com a nossa família no nosso lar. Sinto uma honra gigante por ter servido a pátria portuguesa, um sentimento inexplicável. A minha passagem por Angola foi boa, tirando este azar que tive. Tenho orgulho e foi um sentimento muito grande lutar pelo meu país.
E enquanto estavas na guerra, como é que comunicavas e mantinhas as tuas relações pessoais?
Tínhamos os tais aerogramas, nos quais todos os dias escrevia para a minha namorada, hoje minha esposa. Como eu não fazia serviço de campanha lá no quartel, todos os dias tinha um rádio ao meu lado e um diário permanente, que ainda hoje guardo.
Onde estavas no 25 de Abril de 1974?
Quando cheguei de Angola emigrei para França, mas na semana do 25 de Abril vim cá a Portugal, para o casamento de um irmão meu. Quando se deu o 25 de Abril, estive aqui retido 15 dias, não pude voltar a França, porque as fronteiras estavam fechadas. Quando abriram as fronteiras, regressei a França por mais um ano e meio.
O que representa o 25 de Abril para ti?
O 25 de Abril representa para mim uma maior liberdade, que não tínhamos antigamente.
Foi uma grande abertura, ou seja, um grande passo que se deu há 50 anos, que certamente contribuiu para muitas alterações na vida das gerações futuras, como a minha, certo?
Ora bem, esse passo, eu talvez não o tenha sentido da mesma forma, pois estive em França, mas queria um futuro melhor para os meus filhos e netos, para que eles não passassem pelo que eu passei na minha juventude. Certamente o 25 de Abril veio proporcionar esse futuro muito mais livre.
[“Jornalistas em Rede” é um concurso promovido pelo PÚBLICO na Escola e a Rede de Bibliotecas Escolares (RBE) e destinado aos alunos do 3º ciclo do ensino básico. Em cada ano letivo, atribui dois prémios: à melhor entrevista e à melhor reportagem. Os trabalhos a concurso foram apreciados por um júri do qual fizeram parte Bárbara Simões, jornalista e coordenadora do PÚBLICO na Escola; e Carla Fernandes e Raquel Ramos, em representação da Rede de Bibliotecas Escolares.]