Não, Senhor Ministro
Não fica bem ao responsável da tutela da gestão florestal confundir arranjos de caminhos com medidas de prevenção de fogos.
Escrevo-lhe depois de o ouvir a falar sobre fogos numa televisão.
Não vou falar-lhe da minha desilusão em vê-lo dizer que os fogos nocturnos só podem ser intencionais porque já lhe explicaram, com certeza, que a hora a que se regista um fogo é a hora a que ele é detectado, não a hora a que ele começa de facto.
Ao longo de todo o ano a percentagem de fogos nocturnos mantém-se entre os 35 e 40%, mesmo nos dias de orvalho no Inverno em que não se percebe o interesse em ir pôr um fogo que se sabe que não desenvolve.
Para além disso, como 85% das ignições são num perímetro até 2 kms de aldeias em que a probabilidade de desenvolvimento do fogo é baixíssima, seremos o país com os incendiários mais estúpidos do mundo.
Também não venho dizer-lhe que não fica bem ao responsável da tutela da gestão florestal confundir arranjos de caminhos com medidas de prevenção de fogos e, menos ainda, sugerir que alguma vez alguém propôs a limpeza de três milhões de hectares de povoamentos todos os anos: acredito que terá sido só o mesmo populismo dos incendiários a falar por si.
O que queria mesmo é lembrar-lhe as suas opções enquanto ministro da agricultura nestes oito meses, mas também da outra vez que ocupou funções semelhantes.
Lembra-se, com certeza, dos inícios da PAC, uma política orientada para o abastecimento do mercado alimentar, para o fomento da produção e para a manutenção do rendimento dos agricultores. E digo lembra-se com certeza porque se tem mantido fiel a estes objectivos.
Quando a União percebeu a irracionalidade a que estava a chegar a política de apoio à produção, quando os contribuintes perceberam que estavam a pagar para se produzir e voltavam a pagar para destruir os excedentes, a PAC, com a viragem lenta dos grandes navios, mudou de rumo, desligou as ajudas da produção e passou a procurar pagar os serviços prestados pelos agricultores que o mercado não remunerava: a gestão do ciclo da água; a produção de biodiversidade; a manutenção de paisagens; o reforço de identidades locais, enfim, o que era produzido pelos agricultores sem que a sociedade, que beneficiava como um todo, remunerasse a produção destes serviços.
Infelizmente um grupo de interesses ligados à produção resistiram a todas estas mudanças e resistem ainda, com o seu apoio, sem cuidar dos efeitos desastrosos que esta opção acarreta para os agricultores do terceiro mundo, condenando-os à miséria por não poderem competir com preços mantidos artificialmente baixos nos mercados europeus.
Mas mesmo na Europa, há grupos de perdedores com esta opção: os produtores com limitações de competitividade por razões naturais e que produzem o grosso dos serviços ambientais de que beneficiamos.
A sua opção por desviar recursos para a produção de leite (porquê?), a produção de porco (porquê?), o seu esforço para apoiar os produtores de vinho (porquê?), o regadio, enfim, o seu princípio geral de aumentar a produção agrícola a partir dos meus impostos não é um princípio neutro, é um princípio que deixa sem remuneração a produção de serviços ambientais já que o dinheiro não chega para tudo.
Sei que nos últimos dias tem visto muito destes perdedores na televisão e pessoalmente: são os que vivem nas regiões em que o abandono agrícola permite a acumulação e continuidade de combustíveis que alimentam os grandes fogos, por falta de competitividade decorrente das difíceis condições naturais.
Sim, eu sei que esta é uma mera carta de um liberal que lhe diz que os meus impostos não devem servir para distorcer mercados mas para pagar o que é produzido por alguns, para benefício de todos, quando o mercado não é capaz de o fazer.
Quando chegar a altura de fazer o seu mea culpa pelos seus erros políticos, ao menos que não possa dizer que não tinha consciência, que ninguém lhe terá dito que não, que assim não, Senhor Ministro.
Arquitecto paisagista, ex-vice-presidente do Instituto de Conservação da Natureza