No barco ou no palco, os Kings of Convenience reinaram
Na noite de sexta, o duo norueguês assinou o maior momento do festival que ontem terminou
É o episódio que define Paredes de Coura 2011 e que milhares de pessoas vão contar aos amigos e aos filhos: Erlend Øye, num barquito insuflável amarelo, Taboão acima, Taboão abaixo, a dar concertos espontâneos no rio. É também dos seus King of Convenience (KoC) o maior momento colectivo do festival, que ontem terminou.
Num festival eléctrico, foram duas guitarras acústicas, tocadas com dois noruegueses com ar e voz de bons rapazes, que falaram mais alto na noite de sexta-feira. O dono do barco ouviu-os dedicarem-lhe Cayman Islands (com Øye a abrir os braços para se referir a Coura enquanto cantava "If only they had been here").
Foi uma das muitas canções redondinhas, bonitinhas e perfeitinhas do concerto. Podia ser insosso, mas não: os KoC inserem-se na respeitável linhagem dos Simon & Garfunkel, a que juntam uns pós de bossa nova e doses consideráveis de fofice, para satisfação dos casalinhos presentes (não faltaram os isqueiros acesos em Homesick, pedida por uma rapariga que os viu no rio). Não se podia pedir mais, já que à competência na execução somaram uma enorme simpatia (como não adorar o jeito nerd de Øye?). E que bem lhes ficou atirarem-se a Corcovado, de Tom Jobim, no português possível de Eirik Glambek Bøe.
Já os Deerhunter deixaram a sensação de que algo falhou. "Portugal é um país assombrado. Eu gosto disso. Faz-me sentir bem", atirou o líder, Bradford Cox, fã das ruas do Porto e de Lisboa. Mas assombrada ficou também a música. Por opção ou deficiências técnicas, as nuances perderam-se numa massa de som deslavada. Quem sofreu mais foram as canções do óptimo Halcyon Digest, como Don"t Cry, que, com a electricidade excessiva, perdeu a pinta de faixa perdida num obscuro disco dos anos 60. Ainda assim, as boas canções resistem a tudo: Desire Lines lembrou-nos como é bonito o seu interminável crescendo de guitarra e Nothing Ever Happened, no fim, estabeleceu uma ponte área entre o transe rock dos Neu! e a shoegaze.
Foi uma sexta-feira rica em mulheres, com Le Butcherettes, The Joy Formidable (pancadaria rock para aquecer o final de tarde) e Marina and the Diamonds, em estreia em Portugal. Teri Gender Bender, dos Le Butcherettes, salta, berra, automutila a cabeça com o microfone, aventura-se em equilíbrios instáveis sobre a bateria. Os mexicanos estimularam mais os olhos sensíveis a comportamentos rock"n"roll do que os ouvidos.
Marina Diamandis é uma candidata a estrela pop, com momentos que um produtor de topo poderia transformar em êxitos globais. Mas é Marina que sabota essa possibilidade, graças à sua voz camaleónica, incapaz de estar quieta (como mostrou na balada ao piano Obsessions). Actuando depois dos KoC, foi vítima de uma fuga colectiva (em parte para ver o rock elegantemente dançável dos Metronomy no palco After-Hours), a que se juntou a condição de outsider num cartaz de travo indie, Marina fez o que pôde.
Os ... And You Will Know By The Trail of Dead arrancaram o primeiro crowdsurfing (malta a voar sobre a multidão, segundo o dicionário rock) do festival, reacção justa para este rock com músculo e cérebro.
Os Battles são gente virtuosa, capaz de tocar guitarra e um teclado ao mesmo tempo com cara de quem não está a fazer especial esforço. Puseram Coura aos pinchos com o pop-rock matemático de Atlas, chamaram Matias Aguayo, Gary Numan e Kazu Makino, dos Blonde Redhead, todos em espírito, via projecções vídeo, para cantar em cima da engrenagem de loops e deixaram uma boa impressão: quem disse que a música cerebral não é amiga das ancas?Portugal Paredes de Coura