Inspector-geral de Jogos mudou posição sobre casino perante lei de Santana Lopes
Documentos consultados revelam que resposta a esclarecimento da Estoril-Sol foi dada
no mesmo dia da solicitação, já no fim do mandato de Santana como primeiro-ministro
a O ex-inspector-geral de Jogos Joaquim Caldeira mudou de posição relativamente à propriedade do Casino de Lisboa, no espaço de sete meses, de acordo com o dossier relativo ao Casino de Lisboa existente no Ministério da Economia e que o PÚBLICO consultou. Em Julho de 2004, num parecer em que se pronunciava sobre a nova localização proposta pela Estoril-Sol para o Casino de Lisboa, Joaquim Caldeira assentia sobre a escolha do Parque das Nações, mas referia que era de manter o previsto na lei relativamente à reversibilidade para o Estado das instalações. O despacho seria assinado pelo então secretário de Estado do Turismo, Luís Correia da Silva.
Já a 22 de Fevereiro de 2005, perante nova solicitação de esclarecimento por parte da empresa, Joaquim Caldeira defenderia exactamente o contrário, deixando claro que o que o fizera mudar de posição fora a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 40/2005, aprovado em Conselho de Ministros de 7 de Dezembro, presidido pelo então primeiro-ministro Santana Lopes e promulgado pelo Presidente da República Jorge Sampaio no mês seguinte.
Este diploma alterava a Lei do Jogo em duas questões essenciais: uma relativa ao controlo no acesso dos jogadores, deixando de ser obrigatória a fiscalização à entrada de todos os clientes, com a introdução das chamadas salas mistas; outra sobre a reversão para o Estado das instalações dos casinos, indicando que essa prática deixasse de ser a regra. Foi precisamente esta última mudança, consubstanciada no novo artigo número 27, que levou a que Joaquim Caldeira mudasse de opinião.
O parecer do inspector-geral de Jogos respondia a um pedido de esclarecimento da Estoril-Sol, também de 22 de Fevereiro de 2005. Nesse documento, que o PÚBLICO consultou, a empresa alegava que a instituição bancária com quem estava a negociar crédito para a aquisição do Casino de Lisboa colocava dúvidas sobre a propriedade das instalações, pelo que era necessário, mesmo tendo em conta a entrada em vigor da alteração à Lei do Jogo, que a tutela do Turismo esclarecesse definitivamente a questão.
Nesse mesmo dia, Joaquim Caldeira responderia, invocando o novo artigo 27 e, no dia seguinte, o ministro do Turismo Telmo Correia aporia, num canto desse documento, a palavra "visto", pedindo que se desse "conhecimento" da decisão ao requerente.
Documentação sobre o processo que o PÚBLICO consultou revela que a ideia de abrir mais um casino em Lisboa iniciou-se em 1997, com uma troca de correspondência entre o então presidente da autarquia, João Soares, e o administrador da Estoril-Sol, Mário Assis Ferreira. Nesta altura, a ideia da Estoril-Sol era fazer um pequeno casino, com 250 máquinas, que seria uma "extensão" do Casino do Estoril, e que manteria o mesmo nome. Essa pasta seria repescada tempos depois. Santana Lopes, enquanto presidente da Câmara de Lisboa, quis instalá-lo no Parque Mayer, mas o Presidente da República vetou a proposta. A Estoril-Sol contrapôs com a localização no Jardim do Tabaco, junto ao Tejo, propriedade do Porto de Lisboa, numa proposta de contrato enviado para o Turismo a 31 de Dezembro de 2003, mas acabou por afirmar não existirem condições técnicas para a edificação naquele local, já após a IGJ ter colocado entraves às pretensões da Estoril-Sol de não entregar as instalações ao Estado, no final do tempo de concessão, em 2020.
A opção pelo Casino de Lisboa no Parque da Nações surgiria em 2004, acabando por revelar-se uma obra bastante mais ambiciosa do que a que fora inicialmente sugerida pela Estoril-Sol a João Soares. O pequeno casino, extensão do Casino do Estoril, com 250 máquinas, deu lugar a um grande casino, com perto de 800 máquinas, restaurantes, salas de espectáculo, e mais de duas dezenas de mesas de jogo.