Governo quer proibir tabaco nos carros quando transportam crianças
Perto de 30% dos alunos do 4.º ano que são transportados de automóvel dizem que os pais fumam ocasionalmente ou mesmo sempre nos carros, indica um estudo da Universidade do Minho
Se a intenção do Governo se concretizar, em breve Portugal vai integrar o grupo ainda restrito de países onde é proibido fumar dentro dos automóveis, em nome da protecção da saúde das crianças. O ministro da Saúde anunciou ontem no Parlamento esta intenção, no âmbito da revisão da lei do tabaco, mas a proposta, que vai ter que passar pelo crivo da Assembleia da República, promete desencadear grande controvérsia.
Paulo Macedo adiantou que o Governo tem "a intenção de promover a restrição de fumar em ambientes fechados de modo mais abrangente, incluindo a proibição de fumar em veículos de transporte fechados quando transportem crianças". É uma medida integrada num pacote mais vasto de medidas em estudo no âmbito da revisão do lei do tabaco.
Para os médicos e investigadores que trabalham na área do tabagismo, esta proibição, apesar de só ter avançado em poucos países até à data e de levantar problemas como o da intromissão na vida privada, faz todo o sentido. O investigador do Instituto da Educação da Universidade do Minho (UM), José Precioso, é o mais peremptório. E avança com os resultados de um recente estudo da UM para explicar porquê: quase 30% por cento das crianças do 4.º ano que são transportadas de carro dizem que estão "ocasionalmente" ou mesmo "sempre" expostas ao fumo do tabaco no seus automóveis. "Os dados surpreenderam-nos pela negativa", admite José Precioso, da UM, que é autor de vários trabalhos nesta área. O estudo abrangeu uma amostra de 2810 alunos que frequentam o 4.º ano em escolas de Portugal Continental e regiões autónomas. Das crianças que habitualmente são transportadas de carro, "4,9% declararam que estão sempre expostas ao fumo do tabaco e 24,3% disseram estar expostas ocasionalmente", especificou o investigador. Em casa, a prevalência da exposição aos cigarros ainda é maior, lamentou: 15,8% das crianças inquiridas estão expostas diariamente e 18,1% ocasionalmente.
"O fumo ambiental do tabaco dentro de um carro provoca uma atmosfera muito mais poluída porque o factor de diluição é menor", explica José Precioso. Que defende que, além da protecção da saúde das crianças, há uma questão suplementar a considerar, a da prevenção rodoviária: "As pessoas aceitaram que usar o telemóvel é um factor de distracção; ora o acto de acender um cigarro também é um factor de distracção". Cecília Pardal, da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, diz o mesmo e acrescenta que o facto de as janelas dos carros estarem abertas não serve de muito, por causa das correntes de ar e porque as partículas e o fumo se acumulam dentro da viatura. "Esta é uma questão que há muitos anos se anda a estudar. Mais tarde ou mais cedo isto vai acontecer", perspectiva.
Sinal de alarme
O anúncio desta proibição surge na sequência de investigações realizadas e publicadas que funcionaram como "sinal de alarme", corrobora Luís Rebelo, presidente da Confederação Portuguesa de Prevenção do Tabagismo. Fumar dentro de um carro representa "uma autêntica bomba ao nível de partículas e gases", diz o médico para quem esta medida faz sentido, não só do ponto de vista científico, mas também do ponto de vista "ético e de cidadania". Seja como for, frisa, a medida "encaixa num conjunto de propostas de afinação da actual legislação" e caberá à Assembleia da República a última palavra. Não sendo "apologista de entrar a matar" num domínio tão sensível, o médico reconhece, porém, que vai ser preciso "fazer pedagogia".
"Para vários efeitos, os carros têm sido equiparados aos domicílios", lembra o especialista em Direito Administrativo, Vieira de Andrade, que pergunta, a propósito: "Porquê proibir o tabaco dentro dos carros e não nas casas?". Um carro é "um espaço privado" e, se uma lei pode restringir os direitos das pessoas, nomeadamente o da intimidade da vida privada e o da liberdade, é necessário que isso seja "adequado, necessário e proporcional", sustenta. Também o o médico e deputado do Bloco de Esquerda, João Semedo, acredita que uma proibição deste tipo representa "uma intromissão abusiva do Estado". "Fumar ou não fumar dentro do carro é uma responsabilidade dos pais", diz o deputado, que teme que se entre em Portugal numa "espiral de proibicionismo".com J. d"E.