Fisco avaliou casa da Coelha por mais 81 mil euros do que a de Montechoro
Os dados ontem divulgados por Belém permitem concluir que Cavaco saiu a ganhar com a troca da antiga casa de férias pela actual
A Presidência da República divulgou ontem um comunicado em que afirma que Cavaco Silva pagou 8133 euros (1630 contos) de imposto de sisa, devido pela permuta, realizada em 1998, entre a sua antiga casa de férias de Montechoro, a vivenda Mariani, e a que actualmente possui na aldeia da Coelha, ambas no concelho de Albufeira. O comunicado não diz quando é que o pagamento foi feito, nem quais os valores das avaliações feitas pelas Finanças a ambas as moradias e que serviram de base à determinação do imposto pago.
Mas, fazendo as contas, conclui-se que, na avaliação do fisco, a casa que o actual Presidente recebeu valia mais 81.330 euros do que aquela que deu em troca. A permuta foi, no entanto, feita, conforme consta da escritura do negócio, como se os dois prédios urbanos tivessem o mesmo valor comercial, sem que Cavaco Silva tivesse pago qualquer outra compensação.
O PÚBLICO tentou esclarecer há oito dias e ontem, junto da assessoria de imprensa de Belém, quais os valores das avaliações das Finanças, qual a data do pagamento da sisa e qual o motivo de as partes envolvidas na permuta terem atribuído o mesmo valor de 135 mil euros (27 mil contos) às duas casas. Até hoje, não obteve resposta.
Tudo o que Cavaco Silva entendeu divulgar sobre o assunto é o que consta do comunicado de ontem, onde se lê que os 8133 euros por si pagos correspondem a 10 por cento "da diferença entre os valores patrimoniais dos bens permutados, definidos pela própria Administração Fiscal".
Quer isto dizer que, das avaliações feitas à vivenda Mariani e à Gaivota Azul, nome dado à nova casa da aldeia da Coelha, resultou uma diferença de 81.330 euros. Como a sisa foi paga por Cavaco Silva, fica-se a saber - porque a lei diz que o imposto é pago por quem, na permuta, fica com o bem mais valioso - que é a Gaivota Azul que vale mais 81.330 euros do que a Mariani.
O comunicado divulgado no site da presidência diz que se tratou de "uma transacção perfeitamente legítima e transparente" e que "o facto de as partes terem na permuta considerado, correctamente, que os prédios permutados tinham sensivelmente o mesmo valor não implica o não pagamento do imposto da sisa".
Em Junho de 1998, um mês antes da escritura, Cavaco Silva declarou às Finanças, para efeitos de sisa, que os dois prédios foram trocados um por outro, sem referir qualquer pagamento adicional. Nessa altura, o valor patrimonial da vivenda Mariani foi fixado em 1575 contos (7876 euros), mas a propriedade da Coelha, que tinha então os toscos da casa já concluídos, estava omissa na matriz, o que significa que não tinha sido nunca avaliada pelo fisco como um prédio único. Perante essa situação - valores iguais atribuídos pelos donos e inexistência de valores patrimoniais que permitissem o cálculo da sisa -, as Finanças instauraram em 2000 um processo de avaliação, nos termos da lei. Foi esse processo, concretizado já depois de as obras da Gaivota Azul serem concluídas em 1999, que levou à atribuição à propriedade de um valor superior em 81.330 euros ao da Mariani.
De acordo com a caderneta predial do prédio da Coelha, a avaliação das Finanças teve em conta a existência, no local, de uma moradia com a área coberta de 252 m2. O projecto, arquivado na Câmara de Albufeira, indica, contudo, que essa área é de 464 m2. O valor patrimonial é aquele sobre o qual incide o Imposto Municipal sobre Imóveis e é por regra muito inferior ao valor comercial dos prédios.
O actual valor patrimonial da Gaivota Azul, atribuído em 2009, é de 199.460 euros, enquanto o da Mariani é de 39.798. Para as Finanças, o primeiro prédio vale agora cinco vezes mais do que o outro.
A propriedade da Coelha resulta da junção de dois lotes que a empresa Constralmada comprou à Galvana, dona do loteamento, seis meses antes de a permutar com Cavaco Silva. A compra foi declarada por 80 mil euros (16 mil contos), quando a obra da casa estava embargada ao nível da cave e os dois lotes tinham um valor patrimonial de 85.625 euros (17.125 contos). A Constralmada tinha como sócio o empresário Fernando Fantasia, amigo de infância de Cavaco Silva que mais tarde se tornou administrador de empresas ligadas ao BPN. A Galvana tinha como gerente Teófilo Carapeto, amigo de infância e antigo assessor de Cavaco Silva, quando este era primeiro-ministro.