Pressão de última hora faz anular multa a Portugal e Espanha
Uma intensa troca de telefonemas na véspera fez a Comissão mudar de posição e aprovar por unanimidade a anulação da multa a Portugal. Decisivo foi o trabalho de Juncker e de Moedas.
Quando tinham falado 19 dos 27 comissários e destes apenas quatro se tinham manifestado a favor da aplicação de uma multa a Portugal como sanção pela ultrapassagem da meta do défice em 2015, Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, interrompeu a reunião e dirigiu-se para uma outra sala. Levou consigo os dois responsáveis pelo acompanhamento do procedimento por défice excessivo de Portugal e Espanha, o vice-presidente da comissão com o pelouro do Euro e Diálogo Social, o letão Valdis Dombrovskis, e pelo comissário dos Assuntos Económicos e Financeiros, o francês Pierre Moscovici. No final da reunião, a decisão surgiu como uma surpresa: a Comissão propunha ao Conselho de Ministros das Finanças da União Europeia que, na próxima semana, aprove a anulação da multa aos dois países.
A reviravolta desenhou-se na própria reunião, depois de uma intensa actividade política e negocial que decorreu durante o fim da tarde e início da noite de terça-feira. Logo no arranque do debate sobre o défice excessivo, de acordo com os relatos obtidos pelo PÚBLICO, Juncker deu a palavra a Dombrovskis, que defendeu a aplicação de sanções, nomeadamente de multa por défice excessivo. Seguiu-se o comissário Carlos Moedas, que fez uma empenhada defesa da posição portuguesa, frisando a injustiça de punir um desvio de 0,2 pontos percentuais do défice a um país que cumpriu o ajustamento a que Portugal esteve sujeito entre 2011 e 2014. Seguiu-se a vice-presidente italiana Federica Mogherini que fez também uma defesa categórica da anulação da multa a Portugal e Espanha. O tom da reunião ficou então marcado e, além de Dombrovskis, apenas mais três membros da Comissão defenderam a aplicação da multa: o alemão Günther Oettinger, o vice-presidente finlandês Jyrki Katainen e a sueca Cecilia Malmström. No final a decisão de anular a multa foi apresentada como tendo sido tomada por unanimidade.
Pressão por telefone
A mudança de posição de vários países que, até à semana passada, estavam a favor da aplicação da multa a Portugal e Espanha surgiu devido à pressão de última hora que foi desenvolvida terça-feira ao fim da tarde e durante a noite. A troca de telefonemas foi grande e não envolveu apenas conversas entre Juncker e os primeiros-ministros português e espanhol, António Costa e Mariano Rajoy, nem apenas destes dois com os seus homólogos.
O comissário português Carlos Moedas fez inúmeros telefonemas, um dos quais decisivo: o que efectuou para a italiana Federica Mogherini. A vice-presidente da Comissão, que é também a Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e Segurança, assumiu o compromisso, que cumpriu, de fazer uma defesa veemente da anulação das sanções. Além disso, Mogherini tratou pessoalmente de convencer o primeiro-vice presidente da Comissão, o holandês Frans Timmermans. Entre os telefonemas que envolveram vários governantes de Estados-membros, saliente-se os feitos pelo ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, a diversos comissários, explicando que viveria bem com uma sanção-zero e aconselhando que não fossem aplicadas multas.
Na próxima semana deverá ser confirmada esta decisão pelo Ecofin, em reunião presencial ou por comunicações escritas. Depois, a decisão sobre a multa fica à espera de Setembro, para que a Comissão e o Parlamento Europeu procedam ao debate formal sobre a outra parte das sanções a aplicar a Portugal e a Espanha por défice excessivo e que passa por um eventual corte de fundos estruturais.
De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, o facto de a multa ter sido anulada esvazia politicamente a capacidade de a Comissão ou o Ecofin virem a impor ou mesmo a pedir esses cortes. Até porque a discussão irá envolver o Parlamento Europeu, o que alarga a defesa dos países incumpridores. Argumento a favor da inutilidade de cortes é o facto de que eles seriam aplicados sobre os fundos estruturais para 2017, os quais só a médio prazo se fariam sentir. Portugal está a receber agora os fundos de 2014.
Vitória portuguesa
A anulação por unanimidade da multa por défice excessivo é lida pelo Governo como uma “vitória portuguesa”, que envolve não só a acção do executivo, mas também a actuação do comissário português, Carlos Moedas, bem como dos diplomatas e da Reper.
O próprio Carlos Moedas declarou em Bruxelas à Lusa que foi “um dia muito bom para Portugal”. E defendeu: “É realmente um grande dia, porque conseguimos cancelar essa multa. Se há dia em que estou feliz aqui a falar convosco é hoje.” E assumiu o “muito trabalho” que teve para chegar a esse resultado, um trabalho que passou por “explicar os sacrifícios que Portugal fez, que os portugueses fizeram”, e que provou que se podem “tomar decisões políticas dentro das regras”.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou a decisão “uma vitória para a Europa, uma vitória para Portugal e uma vitória da responsabilidade”, mas acima de tudo para os “portugueses que viveram, e vivem, sacrifícios”. O presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, lembrou que, “em devido tempo", o Parlamento, "por unanimidade, declarou que as sanções seriam injustas, incompreensíveis e contraproducentes”.
A primeira reacção veio do Governo, através do ministro dos Negócios Estrangeiros. Em conferência de imprensa, Augusto Santos Silva, afirmou que foram tidos em conta os “sacrifícios” feitos pelos portugueses e o "importante consenso nacional" contra as sanções.