Pacheco Pereira converteu-se ao TINA
Quando invoco o TINA, não estou a dizer que é preferível a inexistência de opções.
José Pacheco Pereira escreveu no sábado um texto intitulado "A instabilidade inscrita na governação", onde desenvolve uma tese que tem vindo a defender em vários lugares, nomeadamente na Quadratura do Círculo. A tese é esta: Pacheco tem muitas reservas quanto ao sucesso da actual solução governativa pela “única e exclusiva razão” de que não é possível “fazer a política que desejava”, mas apenas a aquela que é “imposta de fora pelo Eurogrupo”. Assim sendo, e devido ao “garrote europeu”, Pacheco acredita que o Governo de António Costa “não vai dar certo”, porque se é possível obter resultados satisfatórios a curto prazo, é impossível obtê-los a longo, dada a “incongruência do que lhe é exigido”. Pacheco chega mesmo a dizer que não existem dois modelos económicos, um do PSD-PP e outro do PS, mas sim “apenas um, que é o que o Eurogrupo impõe a Portugal”.
Onde é que discordo de Pacheco Pereira? Em lado nenhum. Não retiro uma vírgula à sua análise. Sim, há uma política imposta de fora que Portugal não tem forças para mudar. Sim, com a actual política de reposições só é possível conseguir resultados num prazo muito curto. E sim, não vai dar certo. Só faltou mesmo Pacheco Pereira acrescentar três palavras ao seu artigo, que por pudor ficaram guardadas no tinteiro: “não”, “há” e “alternativa”. Porque, de resto, está lá toda a argumentação que eu e muitos outros andamos a pregar há anos. Bravo, Pacheco. Já posso abrir a garrafa de champanhe que tinha guardada para a ocasião: salte a rolha e tragam as flutes. Pacheco Pereira rendeu-se ao TINA.
Dir-me-ão: mas Pacheco Pereira acha que a alternativa deve ser outra. Com certeza. Pacheco até recorre, com certa graça, a um velho argumento que sempre ouvimos aos comunistas: “É uma treta dizer que [o modelo económico original do PS] falhou, quando na realidade nunca foi aplicado.” Essa era a tese que a malta do PCP usava sempre que confrontada com o falhanço de todos os regimes de inspiração marxista – o verdadeiro comunismo ainda estava por aplicar. Só que, para o caso, isso pouco importa. Quando invoco o TINA, não estou a dizer que é preferível a inexistência de opções. O que digo – tal como agora Pacheco Pereira diz – é que essas opções não existem no actual quadro europeu.
Em Julho do ano passado escrevi um texto provocadoramente intitulado A realidade é de direita para constatar aquilo que deveria ser óbvio para todos: o debate político em Portugal laborava (e ainda labora) num equívoco dramático, a que podemos chamar a ideologização da matemática – nós podemos discutir como se aplica a austeridade, mas a sua aplicação é inevitável, dada a situação económica em que nos encontramos e as regras europeias que garantem o nosso financiamento. É nesse sentido, e em nenhum outro, que falo em TINA. Só que a esquerda (e Pacheco Pereira) sempre fizeram o spin dessa formulação, procurando transformar a inevitabilidade num desejo – quem defendia o TINA é porque queria o TINA. É uma interpretação infantil (ou uma “nano-ideia”, para utilizar outro conceito de Pacheco) achar que alguém quer cortar nos salários e nas reformas pelo prazer sádico de ver velhos e funcionários públicos a sofrer. E, no entanto, é isso que andamos a ouvir há anos. Na altura, Pacheco Pereira respondeu-me classificando o TINA como “uma doutrina de submissão” e garantindo que a “realidade” se estava a mover para o lado de que há “alternativas”. Quinze meses depois mudou de ideias. Só lhe fica bem.