Ó Passos, escreve os discursos!
Improvisos em datas oficiais, seja o 25 de Abril, o 10 de Junho ou a festa do Pontal, não são improvisos — é puro amadorismo.
Acreditem ou não — e, de facto, custa a acreditar — isto foi o que Pedro Passos Coelho disse no domingo, na recta final do seu discurso no Pontal: “Nós levamos a sério a política. Nós levamos a sério o país. Nós levamos a sério as pessoas. E é porque nos preocupamos com elas e com o seu futuro que faremos o que é difícil, que faremos o que é preciso, e esperamos que o que seja preciso e o que é difícil seja menos do que aquilo que nós podemos fazer, porque podemos fazer mais do que aquilo que é difícil, podemos também fazer aquilo que é necessário para que Portugal possa ser, como a Espanha tem vindo a mostrar, como a Irlanda mostrou também, um país em que no futuro todos querem apostar.”
Não estou a brincar — esta é a transcrição exacta das suas palavras. “Lutaremos por esta visão de Portugal!”, disse ele de seguida. Mas qual visão? Ninguém percebeu nada. Não admira que no final do discurso a plateia tenha ficado hipnotizada a olhar para ele, e o próprio Passos tenha sentido necessidade de gritar “viva Portugal!” duas ou três vezes para que o público percebesse que o discurso tinha acabado e que era simpático dispensar uma pequena salva de palmas, para efeitos televisivos. Admito que metade das pessoas estivesse já a dormir; a outra metade estaria possivelmente a tentar controlar a reacção vagal, após três ou quatro loops acerca do que é difícil, do que é necessário e daquilo que nós podemos fazer.
Ali estava Passos, torrado e cansado, a desmentir-se em directo. “Nós levamos a sério a política”, garantiu ele. Não. Mentira. Se Passos levasse a sério a política, ele escrevia os seus discursos — ou algum dos seus assessores por ele —; trabalhava os textos até ao mais ínfimo pormenor; e, no final, quando já estivesse tudo aprontado e vistoso, lia os discursos em dois bonitos telepontos transparentes, como fazem os políticos profissionais. Cada vez que o vejo subir a um palanque com uns papelinhos na mão — atenção: António Costa faz o mesmo — fico nervoso. Mas o que é aquilo? Improvisos? O jazz aplicado à política? Não, não, senhores que mandam no PSD. Se eu quiser ouvir bons improvisos ponho a tocar John Coltrane. Não quero improvisos de um primeiro-ministro, de um Presidente da República ou de um líder partidário. Improvisos em datas oficiais, seja o 25 de Abril, o 10 de Junho ou a festa do Pontal, não são improvisos — é puro amadorismo.
Não percebo. Juro que não percebo. Nós temos um líder da oposição que foi primeiro-ministro durante quatro duríssimos anos. Como é óbvio, está desgastado. Um terço do país gosta dele. Metade do país não o pode ver. E sobra um sexto do país, que o PSD precisa desesperadamente reconquistar, ou tão depressa não voltará a pôr os pés em São Bento. Esse mesmo PSD está a preparar a rentrée política num ano crucial, em que muitos acham que o governo talvez aguente, mas o país não. E o que faz Passos Coelho? Rabisca uns papelinhos. Precisa de um discurso motivador, empolgante, surpreendente, que anime as plateias e dê alguma esperança ao país. E ele? Rabisca mais uns papelinhos. Marques Mendes, o novo oráculo laranja, tinha acabado de lhe enfiar violentas caneladas na SIC, dizendo que são precisas caras frescas no PSD para que não haja “uma indesejável crise interna”. E Passos, o que faz? Lê os seus papelinhos rabiscados durante trinta horríveis minutos. Assim, de facto, é difícil. E desnecessário. E não se pode fazer.