“Não vim incomodar a senhora Merkel com o OE português; já tem de se preocupar com o seu”
António Costa defendeu a solidariedade europeia, necessária tanto no caso da coesão económica como na resolução do problema dos refugiados. A chanceler alemã concordou que é preciso “mais competitividade”.
Na sua primeira conferência de imprensa com a chanceler alemã, em Berlim, António Costa exibiu uma estratégia subtil. Não foi pedir apoio, nem tentar convencer a mais influente governante da União Europeia (UE) dos eventuais méritos da sua política económica, expressa no Orçamento do Estado já aprovado pelo colégio de comissários em Bruxelas. Pelo contrário, Costa desvalorizou o tema e insistiu naquele que concentra as maiores preocupações do Governo de Berlim, e afecta a popularidade de Angela Merkel, e sobre o qual trazia propostas concretas. “Não vim naturalmente incomodar a senhora Merkel com o Orçamento português, porque já tem de se preocupar com o seu próprio orçamento.”
Foi com um sorriso rasgado que o primeiro-ministro português fez este comentário, em resposta a uma das perguntas. O que Costa trazia, de novo, para o encontro com Merkel era outra ideia. “Temos é de trabalhar em conjunto a questão dos refugiados. A Europa tem um dever para com a sua história de proteger os valores humanitários.”
Com isso, Costa trouxe Merkel para um terreno diferente. Mais do que o de “avaliadora” do desempenho português, a chanceler sublinhou a importância de uma ideia cara ao executivo de Lisboa: “O que o primeiro-ministro diz é muito importante: temos de melhorar a competitividade.” No entanto, a chanceler alemã fez questão de lembrar o legado de Passos Coelho. "O antecessor de António Costa conseguiu coisas impressionantes", elogiou.
Sobre o orçamento português, as palavras foram curtas: “A Comissão Europeia faz uma avaliação de todos os orçamentos de todos os Estados-membros. É muito importante que Portugal possa continuar no caminho de mais crescimento e mais emprego.” Ou, mais à frente, noutra resposta: “Temos o pacto de estabilidade que todos aceitámos, que tem critérios de flexibilização e regras claras. Vamos esperar pelo que a Comissão vai dizer.”
Costa também deixou de lado a “ansiedade” pela resposta da Comissão Europeia. “Nós temos uma política económica que se contém dentro das regras da UE e estou confiante de que a apreciação da Comissão o dirá em breve”, afirmou o primeiro-ministro. Costa garantiu ainda que o orçamento é “responsável”, “cria condições para o crescimento, para o emprego e para mais justiça social” e permite “uma redução mais sustentada do nosso défice e da nossa dívida pública”. Defendeu ainda os seus pontos políticos: o “aumento do rendimento disponível das famílias”, a necessidade de ter um “sistema financeiro sólido”, de haver “empresas mais capitalizadas” e, claro, ou não estivesse em Berlim, a capital do gigante económico europeu, “mais investimento alemão”.
Sempre que pôde, Costa exibiu a sua solidariedade com a Alemanha sobre os refugiados. “É muito injusto fazer recair sobre a Alemanha ou a senhora Merkel a responsabilidade de responder a este problema”, criticou, deixando no ar a ideia de que a solidariedade europeia precisa de ser reforçada. Tal como na economia. “Para fortalecer a zona euro é preciso reduzir as assimetrias”, afirmou, explicando que o problema económico português não é recente, nem endémico. Dividiu os 30 anos da adesão portuguesa à União em dois períodos. Um, inicial, de 15 anos, em que houve uma aproximação aos níveis de vida europeus e um aumento do crescimento nacional, e os últimos, em que os problemas se manifestaram.
“Desde o início do século, a economia portuguesa tem tido dificuldade em lidar com o triplo choque”, que Costa atribui à criação do euro, ao alargamento da UE aos países do Leste e à entrada da China no acordo de comércio internacional.
E ainda deu tempo para mostrar como um pequeno país endividado do Sul pode exibir pergaminhos diplomáticos na crise criada pela possibilidade de saída do Reino Unido da União Europeia: “Temos a mais antiga aliança diplomática que existe em todo o mundo. Não somos sequer capazes de conceber como conseguimos viver na UE sem a presença do Reino Unido.”