Marcelo tem margem, mas pouca, para travar o “imposto Mortágua”

A inclusão do novo imposto sobre casas no Orçamento dificulta que o Presidente se oponha à medida. Para chumbar o “imposto Mariana Mortágua”, terá de atrasar a entrada em vigor do OE2017.

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Marcelo e Costa: o Presidente aguarda a formulação final do imposto para fazer o seu juízo DANIEL ROCHA

A posição do Presidente da República sobre o novo imposto sobre o património (de elevado valor) é conhecida. Marcelo já disse ser “um erro” avançar com medidas “aparentemente sedutoras para o rigor ou emblemáticas para preocupação social” mas que “afugentem investimento”. O primeiro-ministro prometeu "calibrar" a medida, mas só quando a medida for apresentada com o Orçamento de 2017 saberemos se haverá novo problema entre Belém e São Bento. Acontece que, colocando o imposto dentro do Orçamento, o Governo tirou espaço de manobra ao chefe de Estado. 

O constitucionalista Jorge Reis Novais,  da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, garante que, se quiser e assim o decidir, o Presidente da República ainda pode travar a criação de um novo sistema de taxação sobre imobiliário, mesmo estando no OE 2017.Seja usando o seu poder de veto político, ou enviando o OE2017 para o Tribunal Constitucional pedido a fiscalização preventiva norma, quer através do recurso à fiscalização sucessiva das normas sobre as quais tenha dúvidas.

O professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa é peremptório a afirmar que “o Presidente da República pode pedir a fiscalização preventiva do Orçamento”, sem que isso ponha em causa a entrada em vigor atempada do documento enquadrador das contas do Estado. Por outro lado, o ex-assessor constitucional do Presidente Jorge Sampaio, acrescenta que “o Presidente pode sempre vetar o Orçamento”. Considerando mesmo que Marcelo Rebelo de Sousa não terá problemas em fazê-lo, se assim considerar necessário: “O actual Presidente da República não se atrapalharia com isso.” 

Obstáculo: tempo

Mas a questão também é política, não só constitucional. É suposto que o OE2017 entre em vigor no dia 1 de Janeiro. Uma regra que só pode ser cumprida se ele for antes promulgado por Marcelo Rebelo de Sousa. Caso contrário, não só o Estado irá viver de duodécimos, como há um conjunto de legislação com caducidade anual que cessa em 31 de Dezembro de 2016, deixando o vazio legal.

Ora, o obstáculo que se levanta a Marcelo Rebelo de Sousa, no caso de querer vetar o novo imposto, é precisamente o do tempo para agir sem por em risco a entrada em vigor da Conta Geral do Estado. Vejamos: o OE2017 entra na Assembleia no dia 14 de Outubro para ser debatido na generalidade a 3 e 4 de Novembro e sujeito a votação final global a 20 desse mês. Acresce que a redacção final do Orçamento apenas está prevista para 15 de Dezembro e só depois será enviada ao Presidente da República para apreciação e promulgação. Conclusão: os quinze dias que restam a Marcelo Rebelo de Sousa para decidir obrigam-no a assumir um braço-de-ferro com o Governo e adiar a entrada em vigor do OE2017.

Isto porque, se o Presidente vetar a norma, todo o Orçamento do Estado será ferido de morte e terá de ser refeito e novamente aprovado. Por outro lado, se Marcelo Rebelo de Sousa optar pela fiscalização preventiva, não só o diploma com a Conta Geral do Estado é devolvido à Assembleia da República para ser de novo aprovado sem as normas decretadas inconstitucionais. Neste caso, o processo será ainda mais demorado do que no caso do veto, já que lhe é acrescentado os tempos de análise e decisão dos juízes-conselheiros do Palácio Ratton, mesmo que estes trabalhem com carácter de urgência.

Daí que a solução mais evidente, no caso de Marcelo Rebelo de Sousa querer questionar a criação do novo imposto progressivo sobre património imobiliário, seja o recurso à fiscalização sucessiva, tal como Cavaco Silva fez em relação aos cortes de salários dos funcionários públicos em 2013.

Impostos no OE: uma regra quebrada

O primeiro-ministro foi já claro a assumir que iria incluir o novo imposto sobre imobiliário no Orçamento do Estado (“Irá existir e virá para o Orçamento”, dissena entrevista ao PÚBLICO editada a 3 de Outubro). Mas esta decisão conflitua com as posições que o mesmo António Costa assumiu no passado. Em 10 Abril de 2015, na conferência “Governar melhor, legislar menos e legislar melhor”, onde esteve ainda como líder do PS, o primeiro-ministro criticava, com ironia, "o recurso aos chamados cavaleiros orçamentais”, que se “transformou numa regra de cavalaria permanente”. O líder socialista queria dizer com isto os orçamentos só devem conter “a legislação estritamente necessária” para não se tornarem “incompreensíveis, com remissões sucessivas para códigos, ensombrando o escrutínio político e a transparência do processo legislativo”. 

Um ano e meio depois, Costa anuncia, em entrevista ao PÚBLICO, que o imposto sobre o património imobiliário, negociado com o BE em sede de grupos de trabalho, surgirá no OE2017, o que o tornará numa norma com validade anual, mas com data limite marcada. Uma espécie de “cavaleiro orçamental”, que criticou em 2015. Qual a vantagem desta inversão de posição por parte do agora primeiro-ministro? Fonte do Governo, ouvida pelo PÚBLICO, garante que "sempre esteve previsto" que o novo imposto viesse com o OE. Mas a consequência é imediata: dificulta um veto por parte do Presidente da República. 

Mesmo assim, o constitucionalista Reis Novais em declarações ao PÚBLICO defende que o Presidente da República não ficará de mãos atadas para travar a criação do novo imposto se a ele quiser fazer frente, lembrando o caso dos cortes nos salários dos funcionários públicos, introduzidos pelo anterior Governo no Orçamento do Estado para 2013, em que o então Presidente pediu a fiscalização sucessiva dessa norma. Ao anunciar a decisão na mensagem de Ano Novo divulgadas nas televisões ao princípio da noite de 1 de Janeiro de 2013, Cavaco Silva optou então por recorrer à fiscalização sucessiva alegando não querer adiar a entrada em vigor do Orçamento.

Reis Novais considera, contudo, que essa razão não pode ser vista como um real impedimento. “O Presidente pode enviar a norma para o Tribunal Constitucional e pedir que seja analisada com urgência num prazo de 15 dias e não nos 25 dias regulamentares.” Desta forma, sublinha o constitucionalista, “não há qualquer risco de o Orçamento não entrar em vigor” no início de 2017.

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