Interior, rural, baixa densidade: Portugal
Se assim for, será menos política a “olhómetro” e mais responsabilidade.
Vai para 16 anos, António Guterres - que ainda não tinha fugido do “pântano”, estava longe de ser alto-comissário dos refugiados e longíssimo de chegar a secretário-geral da ONU -, foi a Paredes de Coura promover o seu Programa de Apoio Específico à Deslocalização Industrial Regional, alimentado com as verbas do velhinho PEDIP. O programa (de sigla PAEDIR), hoje um avô ou um tio-avô do Programa Nacional para a Coesão Territorial do Governo de António Costa, era apresentado como instrumento para desenvolver as regiões mais desfavorecidas. Nas palavras do primeiro-ministro de então havia o “objectivo nacional de dar maior coesão ao território” através da “abertura de novos pólos industriais, complementares aos existentes”.
Nesse dia de 18 de Abril de 1999, foram assinados 25 projectos industriais do sector do calçado, no valor de 7,3 milhões de contos, para criar 1400 postos de trabalho em regiões mais interiores do que era tradição (por exemplo, Trás-os-Montes em vez de S. João da Madeira). Sabemos que o calçado fez, entretanto, com sucesso uma revolução, sendo hoje uma das indústrias mais competitivas da economia portuguesa. Mas não sabemos qual a relação do PAEDIR (de sonoridade muito próxima de ‘pedir’) com esse êxito.
Ao longo dos anos, o país habituou-se a ouvir sucessivos governos a anunciar e presidentes a pedir novos planos de dinamização económica e social para zonas que vão sendo rebaptizadas (interior, regiões mais desfavorecidas, rurais ou de baixa densidade, mas todas elas Portugal). Também se ouviram autarcas a pedirem apoios para travar o despovoamento, a clamarem contra apoios insuficientes, gerados à boleia de fundos comunitários, e contra a inconsequência de muitas acções. O formato baseou-se quase sempre em benefícios fiscais, especialmente IRC, à espera de convencer empresários e bancos a investirem na “descriminação positiva”, em iniciativas de autarquias para captar jovens casais com aumento da natalidade local e, no fim da linha, um punhado de corajosos: os “povoadores”.
Tal como aconteceu com o PAEDIR, não se sabe ao certo o que todos estes planos fizeram pelo país. Uns morreram pelo caminho, outros terão chegado ao fim sob grande invisibilidade. Na perspectiva optimista, pode-se admitir que, sem eles, o despovoamento do interior, depois do fecho dos hospitais, tribunais, extensões de saúde e outros serviços públicos, seria hoje um pouco mais grave.
Cumprindo a história, o Governo acaba de apresentar o seu plano de 155 medidas para revitalizar 165 municípios do interior. Três grandes diferenças de partida em relação ao passado chamam a atenção: ser um plano que nasce de seis meses de trabalho de preparação com os sectores mais próximos; ser uma proposta de abordagem integrada, entre turismo, agricultura, educação, empresas, entre outros sectores; prometer uma monitorização e uma avaliação do programa. Ao mesmo tempo, tem dois grandes “mas”: ser ainda uma estratégia com a promessa de que as medidas específicas vêm depois; e nada ser dito sobre o financiamento apesar da magnitude política do plano.
Tão importante como mobilizar capital – a boleia dos fundos comunitários do “Portugal 2020” será decisiva - é acabar com o desconhecimento e incerteza de resultados que ficaram de décadas de governos a prescreverem receitas para o interior mas que dizem respeito a um país inteiro. A promessa agora feita de monitorização e avaliação periódica do programa vislumbra uma transparência a que não estamos habituados mas que, ainda assim, não chega a ser uma meia boa notícia.
Para começar, a estratégia foi anunciada mas não está disponível ao público. E se os tempos mudaram, a monitorização de um programa com esta ambição carece de um fundamental passo: uma avaliação prévia (e pública) do seu impacto. Ou seja, serem calculadas e divulgadas à opinião pública as previsões de recursos a afectar (custos, não apenas financeiros), de resultados (benefícios, muito para lá dos financeiros) para as metas a atingir. A partir daí, sim, vigiar e avaliar a sua execução. Os fundos podem ser europeus mas o interior é português. Se assim for, será menos política a “olhómetro” e mais responsabilidade.