Comunistas levantam voz e punhos para lembrar o seu papel: está-se “aquém”, é preciso mais
Decisão sobre orçamento será determinada pelo “conteúdo”, disse Jerónimo. PCP vai examinar a proposta, está aberto a encontrar soluções. O líder comunista lembrou que este é um Governo PS e que deve rejeitar o “pérfido plano” de “chantagens” sobre o orçamento.
Diante das bandeiras vermelhas que se agitavam na Quinta da Atalaia, no Seixal, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, fez neste domingo o discurso de encerramento da 40.ª Festa do Avante!, vincando o papel do partido na actual relação de forças no país, tecendo críticas à direita e à União Europeia e deixando avisos ao PS como a necessidade de “romper com os constrangimentos externos”, caso contrário estão a ser “um grave bloqueio à resposta aos problemas do país”.
“A solução política alcançada não substitui a necessária e cabal resposta aos muitos e graves problemas que anos e anos de política de direita agravada pelos PEC e o pacto de agressão da responsabilidade do governos PSD, PS e CDS criaram no país, mas permitiu travar e inverter no imediato o curso de uma ofensiva brutal e responder, ainda que de forma limitada, a problemas prementes”, disse Jerónimo.
Num discurso em que a direita foi assobiada por quem estava na Atalaia, o líder comunista disse ainda: “Não é, por isso, uma solução que responda ao indispensável objectivo de ruptura com a política de direita e à concretização de uma política patriótica e de esquerda a que aspiramos”.
Ainda assim, reconheceu, e elencou, as conquistas alcançadas, depois dos resultados das últimas legislativas em Portugal que afastaram a direita do poder: “Pesem embora dificuldades e contradições ditadas pelas distintas diferenças programáticas e de percurso, e com a contribuição decisiva do PCP foi possível repor direitos e rendimentos e dar resposta a alguns problemas mais urgentes.”
Ao final da tarde, ainda com muito calor, Jerónimo deixou claro que o PCP quer mais: “Sabemos que estamos aquém do que é necessário, outras medidas são necessárias para melhorar as condições de vida dos trabalhadores e do povo.”
As críticas à direita foram pontuando a intervenção, com a ideia de que PSD e CDS querem “é o regresso à cartilha da política de agravamento, exploração e empobrecimento”, ampliam “mentiras e manobras”, insistem na “inevitabilidade dos planos b”, objectivos para os quais contam com “o apoio e a conivência da União Europeia”.
Antes, Jerónimo tinha falado mesmo em “ameaças”: uma que “resulta da insidiosa acção dos partidos do revanchismo, PSD e CDS, apostados que estão na desestabilização do país a todo o custo” e a que “se desenvolve a partir da União Europeia com o mesmo objectivo de fazer implodir qualquer solução que ponha em causa a orientação da política dominante”.
Foi neste momento que Jerónimo falou na necessidade de “libertar” o país das “amarras da política que o conduziu à crise” e fez questão de deixar claro o que espera do PS: “As opções do PS e a sua assumida atitude de não romper com os constrangimentos externos – sejam as imposições da União Europeia, a submissão ao euro ou a renegociação da dívida –, seja a não ruptura com os interesses do capital monopolista são um grave bloqueio à resposta aos problemas do país. Mas também uma forma de favorecer as forças que querem impor o regresso ao passado e continuar a levar o país pelo caminho da crise e ao declínio.”
O secretário-geral trouxe ainda ao palco 25 de Abril o tema das sanções que, disse, “não foram, como alguns se apressaram a concluir, afastadas ou vencidas”, estando antes “concentradas nas pressões e chantagem sobre o Orçamento do Estado 2017 para tentar esmagar a esperança”. E é “exactamente por essa razão que o Governo tem de rejeitar esse pérfido plano”, vincou Jerónimo.
A palavra orçamento estava dita e Jerónimo sabe qual é a pergunta que surge de imediato na cabeça de todos: “Perguntam-nos qual é a nossa posição em relação à proposta do orçamento do próximo ano”, lançou. “A nossa decisão será determinada sempre pelo seu conteúdo. O nosso compromisso é examinar a proposta, abertos que estamos a propor e encontrar soluções para que prossiga uma linha de devolução e reposição de direitos, de respeito pelos salários, de aumento das pensões, mas também de dar resposta aos problemas do crescimento, do emprego e do desenvolvimento”, disse.
Quadro político não é “governo de esquerda”
Depois de insistir que está “em andamento uma nova e despudorada campanha revanchista”, na qual “PSD e CDS intrigam e deturpam para confundir os portugueses”, o secretário-geral comunista fez questão de fazer uma leitura do actual cenário político, no qual sublinhou o papel do PCP: “O actual quadro político traduziu-se não na formação de um governo de esquerda, mas sim na formação e entrada em funções de um governo minoritário do PS com o seu próprio programa.” Para que não restem dúvidas, acrescentou: “Traduziu-se não na existência de uma maioria de esquerda na Assembleia da República, mas sim na existência de uma relação de forças em que PSD e CDS-PP estão em minoria e em que, ao mesmo tempo, os grupos parlamentares do PCP e do PEV condicionam decisões e são determinantes e indispensáveis à reposição e conquista de direitos e rendimentos.”
Mais directamente: “Traduziu-se não numa situação em que o PCP seja força de suporte ao Governo por via de um qualquer acordo de incidência parlamentar, mas sim uma situação em que tendo contribuído para que o Governo iniciasse funções e desenvolva a sua acção, o PCP mantém total liberdade e independência políticas, agindo em função do que serve os interesses dos trabalhadores, do povo e do país.”
Entre muitas outras medidas, o PCP vai lutar, nos próximos meses e no quadro do orçamento, pelo descongelamento das carreiras na função pública e pelo aumento do salário mínimo para 600 euros a partir do próximo ano.