Imposto sobre património: PS e Bloco garantem protecção da "classe média"
PCP, mais cauteloso, diz que negociações ainda estão a decorrer. Em vez da taxa de 1% adicional por cada imóvel de valor tributável acima de um milhão de euros, haverá um imposto para o conjunto do património imobiliário – excepto o usado para actividades económicas. Direita já criticou.
Não está ainda definido o valor mínimo a partir do qual se aplica o novo imposto sobre o património imobiliário global de cada contribuinte, mas o Bloco, o PS e o Governo já chegaram a um acordo de princípio para aumentar a taxação sobre o património imobiliário, isentando os imóveis afectos a actividades produtivas.
Este novo imposto de selo virá substituir a taxa de 1% que incide actualmente sobre cada imóvel com valor patrimonial tributável de pelo menos um milhão de euros (a avaliação para as Finanças, diferente do valor de venda de mercado), passando a taxa a aplicar-se sobre o total do património imobiliário.
O novo limite mínimo para a taxa ainda não está acordado, mas será fixado entre os 500 mil e um milhão de euros – aos bloquistas agrada o valor de meio milhão. A taxa destina-se a “todos os contribuintes cuja soma do valor patrimonial seja superior ao limite fixado irão pagar mesmo se forem fundos [imobiliários]. Está excluída a propriedade industrial”, especificou a deputada bloquista Mariana Mortágua no Parlamento.
O anúncio foi feito pelo Bloco de Esquerda em sintonia com o PS, mas causou algum incómodo no PCP, que foi mais cauteloso sobre a conclusão das negociações. Aparentemente, PCP e BE andam a negociar, embora em separado, a mesma questão com os socialistas.
“A ideia deste imposto é ser sobre a riqueza patrimonial imobiliária que salvaguardar a classe média. Há uma garantia de que este imposto não vai ser cobrado sobre uma casa da classe média zona nobre de Lisboa ou uma casa de férias da classe média, desde que a soma de ambos não chegue ao limite ainda por definir”, defendeu a deputada bloquista Mariana Mortágua. O valor mínimo está ainda a ser estudado “precisamente porque está a ser estudado para garantir que não atinge as famílias da classe média”.
“Isto é um imposto sobre grandes fortunas patrimoniais (…) Nunca é um imposto sobre a propriedade de família da classe média nem da casa de férias”, vincou a deputada. Questionada pelo PÚBLICO, especificou que “o limite mínimo [para a taxação do património imobiliário global] será algures entre os 500 mil e um milhão de euros de valor global tributável. Será uma taxa crescente e aplicada apenas no remanescente deste valor mínimo de isenção. Isto é o que está acordado neste momento; outras questões como as tributações dos contribuintes em conjunto ou se se vai equiparado ao IMI para ter reduções noutros impostos ainda serão trabalhadas.”
“Trata-se de justiça fiscal porque há pessoas em Portugal que não declaram IRS por viverem do património financeiro e pagam uma taxa liberatória de 30% quando quem vive do seu trabalho paga IRS muito superior a isso; ou porque têm rendimentos do estrangeiro e não declaram em Portugal; ou porque têm rendimentos em Portugal mas fogem a declará-lo e depois têm património de luxo. Ora, esse património de luxo não é tributado de forma a que dê o seu contributo”, argumentou Mariana Mortágua. E acrescentou que esta é uma forma de “diversificar as fontes de receita fiscal para poder desonerar a classe média” – “não a classe média dos ordenados de 800 euros como a direita a classificava, mas a verdadeira classe média”.
Proposta do PCP inclui imóveis e património mobiliário
O deputado comunista Paulo Sá foi muito mais cauteloso sobre a conclusão das negociações. “Estamos a fazer um exame. Ainda não está nada fechado”, respondeu aos jornalistas quando questionado sobre qual o entendimento entre o PCP e o Governo. A proposta comunista é mais abrangente, pretendendo que incida sobre o mobiliário (acções, participações empresariais) e o imobiliário de “elevado valor.” Paulo Sá lembrou que o PCP tem reunido com o Governo sobre as questões fiscais e que o partido colocou a sua proposta em cima da mesa.
Na mesma linha – e numa conferência de imprensa marcada para a mesma hora embora realizada em separado – o deputado do PS Eurico Brilhante Dias sublinhou que a solução que está a ser trabalhada “vai permitir que os contribuintes com o mesmo património sejam tributados de forma diferente do que no passado”. Lembrando que há uma “parte substantiva dos contribuintes que declaram rendimentos muito baixos do trabalho mas têm património elevado”, o deputado afirmou que o PS “não soma um novo imposto, adiciona um novo imposto e subtrai o imposto de selo”.
Eurico Brilhante Dias garantiu que a intenção é “proteger a classe média” e a “actividade económica”, defendendo que o novo imposto traz mais “justiça fiscal para permitir a redução de impostos directos como o IRS e o fim da sobretaxa já em 2017. Mas quanto a valores e outros detalhes da medida, o socialista assegurou que “ainda não tem o desenho fechado”. A proposta só será conhecida quando for apresentado o Orçamento do Estado para 2017.
PSD diz que “é o preço da reversão da austeridade”
Ainda sem se pronunciar sobre a medida em concreto por não ser conhecida ao detalhe, o vice-presidente da bancada do PSD António Leitão Amaro criticou o anúncio de um novo imposto para o património mais elevado. “Lembramo-nos da conversa da reversão da austeridade. Isso tem um preço a pagar que é o aumento de impostos”, reagiu o parlamentar aos jornalistas, recordando que as últimas semanas já se ouviu falar de um aumento do IMI sobre os imóveis “com mais sol”.
Leitão Amaro considera que o Governo “precisa de aumentar impostos” porque “não controla a despesa corrente” e a “economia está estagnada”. Apesar de desconhecer o desenho da medida, o deputado considerou que é um “castigo à classe média” e que “afasta os investidores”. Questionado sobre se considera justa a progressividade do imposto, o social-democrata referiu que se trata de um princípio constitucional e que quando o anterior Governo alterou os escalões do IRS os que "ganhavam mais pagavam mais".
A líder do CDS-PP, Assunção Cristas, considerou que a medida faz parte de um "grande assalto fiscal" através de vários impostos e sustentou que há uma dupla tributação no património imobiliário. "É um imposto que está a tributar de novo algo que já era tributado através do IMI e que será duplamente tributado. Mostra o falhanço da política económica deste Governo, que não consegue fazer a economia crescer e arrecadar naturalmente mais impostos por via do crescimento e vai deitando mão a tudo o que pode", afirmou Assunção Cristas aos jornalistas depois de uma visita a uma escola em Queluz, no concelho de Sintra, citada pela agência Lusa.
A presidente centrista considerou que o novo imposto "vem em linha com o aumento de impostos que este Governo tem vindo a fazer". "Neste ano, no primeiro semestre, vimos serem recolhidos mais 500 milhões euros de impostos, a receita fiscal aumentou 2,3%; são impostos que tocaram em todos, na classe média e tocaram também nas classes mais desfavorecidas", afrimou.
Dos representes dos proprietários e imobiliários ouviram-se fortes críticas à intenção do Governo, com a Associação Lisbonense de Proprietários (APL) a acusar os partidos de esquerda de “ódio ideológico” sobre o património, e a Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP) a contrariar PS e BE ao dizer que a classe média acabará por ser penalizada.
Luís Lima, presidente da APEMIP, duvida que a substituição do actual imposto de selo de 1% aplicado aos imóveis com um valor patrimonial tributário (VPT) acima de um milhão de euros por uma tributação progressiva do património global a partir de, pelo menos, 500 milhões de euros surta efeito. “Os únicos que não serão afectados são precisamente os ricos, que têm a capacidade de distribuir o respectivo património por titulares, colectivos, diversificados, de modo a que nunca seja atingido, por acumulação, o valor patrimonial tributável que vai ser castigado fiscalmente”, sustenta Luís Lima, em comunicado.