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“Abrandar a consolidação poderia pôr em perigo o país”

Pedro Marques alerta a esquerda que a vitória no défice e o aumento do PIB têm que ser aplicados na redução da dívida. As medidas centrais do próximo orçamento serão concretizadas, mas sem pôr em causa as metas. Objectivo: subir o rating e descer os juros.

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“Abrandar a consolidação poderia pôr em perigo o país”

O ministro do Planeamento, responsável pelo Programa Nacional de Reformas (PNR) que o Conselho de Ministros aprova esta quinta-feira, está confiante no apoio do Bloco e PCP, mas vinca que o país ainda não saiu da linha vermelha. Vem aí mais do mesmo: apoios às famílias, mas com “conta, peso e medida”. 

O Governo já disse esperar mais crescimento da economia este ano — e talvez também no próximo. A estimativa do défice também vai baixar?
Se temos condições para uma melhoria do crescimento económico (e agora as instituições estão indicar que sim), necessariamente isso também nos vai trazer melhores condições do ponto de vista orçamental. Já temos objectivos muito exigentes no Orçamento, para o ano de 2017, mas... eu diria que se reforça a confiança no cumprimento de uma trajectória muito exigente para as contas públicas com melhor crescimento económico, isso é evidente.

Com mais crescimento, haverá maior margem para devolução ou redistribuição de rendimentos, como pedem PCP e BE? Ou essa margem vai servir para garantir a consolidação em Bruxelas e às agências de rating?
A nossa governação tem que levar a par esses dois objectivos: continuar uma política social e de rendimentos das famílias, mas não descurando a necessidade de acentuar uma trajectória das contas públicas que permita, se possível, começar e dar sustentabilidade ao processo de redução da dívida pública. É muito importante que isso aconteça.

Ou seja, dar esse sinal para os mercados financeiros...
Os dois sinais têm que acontecer. Isso foi possível em 2016, felizmente não só se repuseram rendimentos, como o défice desceu significativamente.

Repito a pergunta: pode ir-se mais longe nas metas?
Julgo que temos condições... Como sabe, no que respeita ao rendimento das famílias temos um elemento muito importante no Programa de Governo para o próximo ano, que tem a ver com os escalões de IRS. Esse é um desafio que está colocado para o próximo Orçamento, só para lhe dar um exemplo de por onde continuaremos a trabalhar.

Nos vários pedidos da esquerda há sobretudo duas grandes matérias a serem discutidas: os escalões do IRS e o fim das penalizações para as carreiras longas. O Programa Nacional de Reformas é sempre bastante vago quer em compromissos concretos, quer em calendários de aplicação. As soluções voltarão a ser graduais e diferidas no tempo?
Tal como fizemos em 2016, em que encontrámos um bom equilíbrio entre questões sociais e rendimento e estabilidade macroeconômica, isso foi conseguido também com o equilíbrio das políticas. A questão das reformas antecipadas avançará mais depressa - está em debate até ao início de Maio. Do ponto de vista dos escalões do IRS, mas também na situação dos funcionários públicos - a actualização das carreiras e escalões — tudo isso tem que ser perspectivado no enquadramento do OE 2018. São duas grandes matérias que vão estar em cima da mesa.

Quando falamos de soluções graduais —e o primeiro-ministro admitiu essa hipótese esta quarta-feira na AR —, falamos de uma aplicação das medidas ao longo de 2018 ou em dois anos (por exemplo nos escalões do IRS)?
É cedo para lhe dizer qual vai ser a solução ou a sua calendarização, porque temos que negociar com os nossos parceiros.

Mas tem que haver um número no Programa de Estabilidade, que também vai ser aprovado esta quinta-feira, com as previsões de quanto dinheiro haverá disponível.
O programa do ano passado já tinha valores para esse efeito - e já tinha valores para esse efeito ao longo da legislatura. Talvez isso responda à sua pergunta.

Esse faseamento ao longo dos anos pode, portanto, acontecer?
O programa do ano passado já o admitia. A boa notícia para os portugueses é que nós estabilizamos a situação orçamental. Os portugueses não passaram o ano a ouvir falar de novos cortes a meio do ano, pelo contrário. Resistimos às ideias de mais cortes, entregámos resultados melhores do que os do Orçamento inicial. E estabilizamos o sistema financeiro em grande medida.

A questão é que os parceiros à esquerda toleraram esses objectivos para que o resultado permitisse uma folga — e algumas coisas andassem mais rápido. Vai ser possível negociar com o PCP e BE, numa fase da legislatura em que há mais tentação de marcar diferenças, argumentando que é preciso ser 'bom aluno' lá fora?
Ao longo desta legislatura tem ficado evidente para os partidos que suportam este Governo que tem sido no justo equilíbrio da responsabilidade orçamental e reforço da coesão social (e situação das famílias) que encontrámos um ponto bom de convergência. Eu diria que um abrandar da nossa vontade, da nossa determinação em ter boas contas públicas, podia fazer perigar a própria situação de longo prazo do país. Temos uma dívida pública muito elevada e que precisa de ser reduzida de forma substancial.

Ou seja, não há margem?
A melhoria da situação orçamental de 2016 criou margem para, por exemplo, mobilizar um montante tão elevado de recursos públicos para a capitalização da CGD. Se não tivéssemos um superávit [saldo orçamental sem juros] tão elevado, se calhar os mercados ficariam mais preocupados com o aumento de dívida pública que foi foi necessário para a capitalização da CGD, que é um objectivo que nos une à esquerda. O equilíbrio das contas públicas é o que nos vai permitir encontrar os recursos no próximo ano para melhorar a situação dos funcionários públicos e recuperar o que está bloqueado há anos. Ou para introduzir mais justiça no IRS. Esse equilíbrio só pode ser alcançado desta forma: com conta, peso e medida. Porque de outro modo os riscos poderiam regressar.

Ainda não saímos da linha vermelha?
Temos que compreender que o esforço enorme que fizemos em 2016 (mesmo repondo rendimentos, mesmo que com melhoria da situação económica, das condições de investimento)... Muito do que aconteceu este ano de positivo tem que ser assegurado, acautelado, mantendo a sustentabilidade das contas públicas.

Enquanto não houver uma alteração no rating, o Governo não pode estar tranquilo, é isso?
Mesmo que o rating se altere! O rating é preciso que se altere, para que as taxas de juro possam baixar ainda de forma mais sustentada. Achamos aliás que é justo para o país. Mas, mesmo que aconteça, não é no dia a seguir que a nossa dívida pública diminui drasticamente. A dívida diminuirá com mais crescimento económico e menos taxas de juro. O rigor nas contas e a aposta nas reformas estratégicas é o que vai tirar o país de uma situação de risco em que foi colocada por uma depressão económica fortíssima, que fez disparar a dívida.

Se a linha vermelha é a dívida, não é só nesta legislatura que não teremos margem. Quantas legislaturas exigirá?
É perceber, é ver os cenários de longo prazo para a sustentabilidade das contas públicas que determinam um período alargado de exigência para o país. Já temos um dos maiores superávits da Europa, se não mesmo o maior...

Politicamente, é suportável para os parceiros de esquerda deste Governo uma trajectória tão larga de rigor?
Nós por via do crescimento saímos de uma crise orçamental prolongada, travámos essa dinâmica. É possível reduzir défices, repor rendimentos e ganhar crescimento económico.

O PNR fala de dois mil milhões de euros em novas medidas para pensionistas. Em quantos anos? E quais pesam mais?
O que o programa refere são medidas, na área das pensões, ao longo dos quatro anos da sua implementação. E inclui medidas que já foram tomadas no ano anterior, mas que vão ter repercussão ao longo da legislatura, como a actualização das pensões.

O Governo já está a estudar a introdução de condição de recursos às pensões e apoios sociais não contributivos? O primeiro-ministro abriu essa possibilidade, essa necessidade mas o documento nada diz.
O trabalho que está previsto é sempre de reforço do rigor na aplicação das regras existentes. E esse trabalho pode gerar poupanças no Orçamento, que não põem em causa as prestações sociais.

Mas o Governo está a preparar novas medidas, como o fim da penalização para as carreiras longas. Não vai ser preciso contrabalançar, por exemplo com medidas como esta (equacionada pelo primeiro-ministro há seis meses)?
É uma boa questão, que é respondida com a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social — que está prevista no PNR e que já fizemos com o adicional de IMI. Foi um bom exemplo, o ministério da tutela haverá de continuar a trabalhar nesse sentido.

Reuniu-se muitas vezes com o PCP e Bloco de Esquerda, para preparar este PNR?
Reunimo-nos muito, em particular, para a construção do PNR em 2016. O documento deste ano, gostava de o dizer, é sobretudo de implementação e execução da estratégia que construímos em conjunto. Trabalhámos muito ao longo do ano, teremos agora debates parlamentares, e estamos muito confortáveis.

Está confiante que darão apoio ao PNR e ao Programa de Estabilidade, que virá com os números e metas para o défice?
Não sei se serão objecto de votação.

Preferia que não fosse a votos?
Não, não temos nenhum problema com essa matéria, estamos confortáveis com o apoio que temos tido. Surpreendemos muita gente — e manifestamente a direita — quanto à capacidade de garantir estabilidade.

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