Santa Paciência
Santa Paciência foi de uma grande ajuda. Possa a sua intercessão ajudar durante o resto do ano estas oposições desinspiradas.
A mulher a que nos referimos por Santa Paciência, quase sempre sem saber de quem se trata, teve existência real nos últimos anos do Império Bizantino. Era sérvia, chamava-se Helena Dragas, e casou com o imperador Manuel II Paleólogo, que foi o penúltimo senhor cristão de Constantinopla. Por volta de 1425 entrou num convento com o nome de Ypomonia, que quer dizer “paciência” em grego. Morreu em 1450, três anos antes da queda de Constantinopla, a 29 de maio de 1453 – o dia que ontem foi celebrado em memória de Santa Paciência.
Lembrei-me de Santa Paciência quando ouvi Assunção Cristas perguntar por que não deveria a escola pública “ser sacrificada” em benefício de colégios privados que têm sido milionariamente subsidiados em situações que a lei não justifica. “Porque a Constituição não deixa”, seria uma resposta para Assunção Cristas, mas a verdade é que durante os anos em que ela esteve no governo a escola pública foi sim sacrificada enquanto os colégios privados aumentaram a sua frequência em 20%, à conta do erário público em muitos casos indevidos.
Lembrei-me de Santa Paciência ao ouvir o deputado do PSD Duarte Pacheco dizer aos microfones da RTP que o Ministério da Educação era agora “comandado por forças estalinistas”. Aquilo que ainda a semana passada era supostamente apenas uma paródia dos jotinhas do seu partido é agora dito com toda a seriedade por um deputado da nação que – num debate sobre educação! – decide fazer uma analogia imoral entre o regime político que mandou para o gulag e matou milhões de pessoas e uma decisão atempada e legal de não continuar a subsidiar alguns colégios quando há escolas públicas ao lado.
No capítulo da ignorância histórica, já agora, deu-me forças Santa Paciência ao ver a pertinácia com que José Rodrigues dos Santos alega ter “provado” que “o fascismo tem origem no marxismo” porque houve fascistas que foram marxistas antes – tal como os houve que foram católicos, futuristas e reacionários. Para fazer história das ideias convém não achar que cada ligação de factos sociais, culturais e políticos fornece uma “prova” de paternidade, ou então poderíamos dizer que o nazismo “tem origem” na pintura de aguarelas, na ingestão de vegetais e no alpinismo.
E continuando no capítulo dos exageros de jornalistas, Santa Paciência foi um grande apoio ao relembrar os alertas noticiosos que me garantiram que “Wolfgang Schäuble defende sanções para Portugal e Espanha” (TSF) ou, no dizer da SIC Notícias, que “Schäuble já expressou o seu desagrado por Portugal não ter sido multado mais cedo”. Não tenho grandes razões para defender Schäuble, a quem chamei durante a crise grega “o pior inimigo do projeto europeu”, mas o que o homem disse foi algo de muito diferente: “Dar a impressão que se adia uma decisão para depois das eleições [espanholas] não contribui para o reforço das regras europeias”. Com sanções ou sem elas, note-se.
Santa Paciência foi de uma grande ajuda ontem. Possa a sua intercessão ajudar durante o resto do ano estas oposições desinspiradas, estes deputados sem noção das proporções, estes publicistas em auto-promoção e, em geral, a todos os devotos do sado-monetarismo.