Cartas à Directora
25 de Abril. Aonde?
Hoje, data da "Revo...loção" de Abril de 74, dia em que escrevo este lamento, uma vez que as horas que antecedem esta mágoa, dediquei-as a secar as lágrimas, que o depois deste confuso e promíscuo acontecimento veio a provocar em muitos de nós – Povo, para agora poder lavrar neste terreno da escrita a crítica capaz de por a nu a hipocrisia e o cinismo com que tal data é festejada. E não me venham com canções de embalar e com cravos de embelezar farpelas e palcos parlamentares, que nada disso torna os corações dos que sofrem, mais coloridos nem alegres. A data que se comemora hoje, e que nos remete para a idade em que sonhamos cheios de esperança com o amanhã, e que afinal se vem desde então a revelar um pesadelo, um sério fracasso. É com certeza uma data especial para os que souberam e tiveram arte e engenho para se desenrascarem, para os que se serviram do Estado, da Banca, e de todas as suas Repartições e Autarquias, para os que tinham amigos e por isso escaparam impunes à Justiça e à cadeia. Foi também um acontecimento que abriu as portas dos oportunistas e medíocres que se travestiram de revolucionários, de aderentes de última hora, e com tal habilidade e jogo de cintura e de rins, tiraram proveito de tal marcha triunfal. Hoje, passados 42 anos de tentativas e de ensaios para nos tirar da miséria em que vivíamos, de tentativas para nos libertarem da fome, da desilusão, do desemprego, do analfabetismo, do saco às costas a caminho das fronteiras, tudo são discursos de embalar, feitas as contas e como balanço, entre mais pobres e mais ricos que o pós Abril deu origem. Desde o regresso dos militares da guerra em África, os rapazes que passaram à "peluda", nunca tiveram qualquer apoio e tiveram que regressar à luta noutras terras para ganhar o pão e deles ninguém quis saber. E até hoje muitos não conseguiram trabalho digno, decente, consentâneo. Tudo foi ocupado pelos amigalhaços. Enquanto isso trataram de acalmar os chamados "retornados", dando-lhes todo os apoios e benesses para que viabilizassem a vida que tinham perdido e a que estavam habituados. E muito bem. Hoje ninguém os houve a reclamar por coisa nenhuma. A solução foi eficaz. A vida é dos espertos activos e desenrascados. Mas para os rapazes que fizeram a guerra nas ex-colónias, só houve um caminho – o da emigração. Agora passados 42 anos da "Revo...loção" de 74, aos novos juntam-se os velhos, para retomarem o caminho da partida para terras aonde o pão é mais garantido, e lá longe por tais terras, fazerem o seu Abril, sem o adereço do cravo ao peito, e constituírem família fermentada com o aroma das rosas que o trabalho/emprego permite libertar. Hoje, na data em que escrevo esta lamúria séria e grave, sei bem quem herdou os bens da dita Revolução na madrugada que se mantém sombria para muitos de nós, povo, e Alvorada reluzente para os mesmos de sempre, e que vinham de ontem a que juntaram os filhos que agora a dirigem. De nada valeram tantas reivindicações, marchas por direitos, maior educação académica, se todos acabamos debaixo da ponte, de mochila ou de mala de cartão, na frustração, em busca da luz que aqui nos foi e é negada, como promessa de diabos, que de nós se apoderaram. Hoje dia 25 de Abril de 2016, já nem com água benta ou outra qualquer "revolta loção", a Política prosseguida pelos dirigentes herdeiros da oratória hipócrita e cínica apre(e)ndida nos partidos de onde saem para o governo, nos liberta e salva da fantasia em que nos fez afundar entre o ferro e o fogo, e nos prende em casa a curtir as mágoas por tanto desencanto enterrado na lama do abandono.
Joaquim A. Moura, Penafiel