Turquia, Portugal e a Europa

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A adesão da Turquia à União terá um impacto positivo sobre a vasta área onde a Turquia é considerada como modelo

Para os turcos, Portugal é sobretudo conhecido pelos seus corajosos marinheiros como Vasco da Gama, que conseguiu explorar as rotas marítimas que abriram novos caminhos na história mundial. Estas explorações cruciais mudaram drasticamente os capítulos seguintes da humanidade.

Apesar de Portugal ser um país oceânico, é impossível imaginar um Mediterrâneo sem Portugal. A Turquia e Portugal, dois países situados nas duas extremidades do Mediterrâneo, compartilharam uma história de competição, cooperação e respeito mútuo. As nossas relações políticas remontam a 1843, quando o Visconde de Seixal foi acreditado como primeiro embaixador português em Istambul. Ele figurava entre os 14 representantes diplomáticos que então residiam na cidade. Desde essa época, as nossas relações têm vindo a reforçar-se de forma constante, alimentadas pelo respeito mútuo e pela simpatia entre os nossos povos.

Hoje, sinto-me feliz por poder testemunhar que os nossos dois países têm muito em comum. Para além da espantosa semelhança entre a pitoresca paisagem de Lisboa e de Istambul, e a par da simpatia, generosidade e sinceridade que descrevem os nossos povos, partilhamos os valores universais, tais como a democracia, o pluralismo e a liberdade, que identificam a Europa. Os dois países também desfrutam de um nível importante de projecção e de profundidade nos domínios político, económico e cultural que vão muito além do seu ambiente de proximidade.

O pedido de adesão de Portugal à UE em 1977 ajudou-o a ancorar-se na sua área natural geopolítica, a Europa, e nos valores fundamentais que definem a identidade europeia. A sua adesão em 1986 teve consequências para lá das fronteiras da Europa e permitiu-lhe a difusão destes valores no exterior de forma mais eficaz, em particular nos países lusófonos de África e da América Latina.

De igual modo, a Turquia é a porta de entrada natural que liga a Europa ao mar Negro, ao Cáucaso, ao Médio Oriente e à Ásia Central, para além de ter os seus próprios laços culturais, económicos e sociais com essas regiões. Por outras palavras, assim como a adesão à UE consolidou o acervo democrático de Portugal e aumentou a sua influência nos países lusófonos de África e da América Latina, também a adesão da Turquia à União terá um impacto positivo sobre a vasta área onde a Turquia é considerada como modelo.

A adesão da Turquia à UE irá também providenciar a energia fresca e o dinamismo de que a União necessitará no futuro. A nossa adesão representará uma oportunidade para a UE reforçar o seu estatuto global. A Turquia e a UE partilham da mesma visão para o futuro do nosso continente: uma Europa que reforce o seu soft power e faça singrar os seus valores universais, que não seja monolítica, que promova a diversidade, que seja um actor confiante na política global. A adesão da Turquia ajudará a Europa a transformar esta visão numa realidade.

Na União Europeia, Portugal adoptou uma abordagem baseada em princípios no que diz respeito ao debate sobre a adesão da Turquia, o que muito apreciamos. Portugal tem vindo a defender a condução das relações com a Turquia de acordo com o princípio pacta sunt servanda (os pactos devem ser respeitados), um pilar central do projecto de integração europeia. Como nós, Portugal também acredita que o dom da UE de conseguir a transformação democrática nos países da adesão só pode fazer a sua magia caso o processo seja justo e credível. Portugal está também plenamente consciente do papel da Turquia no sentido de ajudar a integrar a sua vizinhança, económica, social e politicamente, na economia global, promovendo assim os interesses europeus em muitos aspectos.

Se me pedissem para discernir as razões mais amplas do apoio firme de Portugal à adesão da Turquia, gostaria de começar por citar a convergência das expectativas dos dois países em relação à adesão à UE. A solidariedade no Mediterrâneo também se destaca como um bom factor motivador.

Mas, sobretudo, gostaria de saudar a postura visionária da classe política portuguesa, que vê a Turquia como um activo em vez de um passivo para o processo da integração europeia. Neste ponto, acredito que as palavras proferidas pelo Presidente Cavaco Silva no seu discurso perante o Parlamento turco, a 12 de Maio de 2009, permitem captar melhor a essência dessa visão:

"Com a adesão da Turquia - para lá do enriquecimento que representa a integração de uma grande nação que é exemplo de uma realidade cultural multifacetada -, a União Europeia ganha uma acrescida importância estratégica que lhe permitirá actuar com um peso muito superior em sectores fundamentais para o seu destino colectivo."

Evidentemente, ainda há terreno para cobrirmos em termos de reformas. Mas continuamos determinados a cumprir a nossa parte no caminho da nossa futura adesão. Porém, não permitiremos que se esqueça que esta é uma relação de dois sentidos. A União também tem de respeitar os seus compromissos para com a Turquia e isolar o processo de adesão de quaisquer obstáculos artificiais. Porque este empreendimento representa uma oportunidade única para fazer a história da maneira correcta, o que nenhum dos lados se pode dar ao luxo de deixar passar. Ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia

NOTA: A crónica quinzenal de Santana Castilho sairá, por razões não imputáveis ao seu autor, na edição de amanhã

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