Os rumores
Os rumores de que o BCP estaria em sérias "dificuldades financeiras" e de que por causa disso precisaria de ser alvo de uma intervenção do Estado causaram certo alarme. Um rumor é um rumor: ninguém sabe de onde vem ou que intenções carrega. Pode ser falso ou verdadeiro, altruísta ou criminoso. Só que os rumores propagam-se sempre com espantosa facilidade; satisfazem as fobias de muitos; avançam como serpentinas.
Nas últimas presidenciais americanas Obama foi vítima de um rumor que o apontava como muçulmano. Muita gente acreditou. A dada altura houve quem perguntasse nos comícios republicanos se Obama não seria terrorista. O mal estava feito.
Esta é a mecânica irracional do rumor. Não é fácil definir quando é que as pessoas aderem a um rumor, quando é que começam a agir convencidos das informações que ele segrega. Os atingidos intuem que é preciso estancar o rumor através de um contra-rumor. Obama, na sua campanha, fez isso: criou um site próprio só para identificar os rumores e para os desmontar.
O primeiro passo, então, consiste em compreender como é que o tsunami dos rumores se forma. E aqui preciso de meter outra pessoa no espaço desta crónica. Cass Sunstein, um dos mais citados professores de Direito no mundo, escreveu um livro curioso precisamente intitulado Dos Rumores. Ele ajuda a perceber por que os rumores ganham a sua força, por que criam o seu efeito de contágio, por que são eficazes na manipulação do discurso público. Sunstein, baseando-se na psicologia do comportamento, sugere que há vários processos pelos quais um rumor falso cavalga de pessoa em pessoa. Um deles chama-se polarização de grupo (quando as pessoas se conformam às convicções do grupo); o outro são as cascatas sociais e informativas. Nas cascatas sociais a informação espalha-se como uma epidemia ceifando as criaturas mais susceptíveis à distorção. Lembram aquele jogo conhecido em que alguém, num círculo, segreda algo a outra pessoa que o transmite a outra e assim sucessivamente, até descobrimos no fim que metade do segredo original se perdeu. Os boatos em cascata circulam depressa, porque são muitos os meios da tecnologia que permitem a um rumor chegar aonde nenhum rumor chegou no passado. A corrente da cascata é alimentada pela lei dos números e das emoções. Se um rumor for capaz de gerar um pânico - a falência de um banco, lá está -, mais pessoas estarão disponíveis para o disseminar. E quanto mais pessoas foram vistas a espalhar um boato, outras mais virão. Mas existe outra condição decisiva para que um rumor projecte a sua força viperina: as convicções que já tivermos formado. Um rumor que encaixe naquilo que já sabíamos, nos nossos juízos prévios, terá mais hipóteses de ser repetido em massa, por confirmar as nossas ideias.
Os rumores sobre a liquidez do BCP obrigaram a administração a publicar um desmentido formal e a apresentar queixa na PJ, para que o autor do boato fosse descoberto. Mas, se Sunstein e a sua psicologia estiverem certos, o rumor da bancarrota do BCP tem um primeiro responsável: o próprio BCP. Por que nos é tão fácil acreditar num rumor letal como este, apesar de negado pelas autoridades? Porque esse rumor ajusta-se a tudo o que sabemos. A imagem pública granjeada pelo BCP tem sido a de um banco ao serviço do socratismo, a de braço financeiro do Governo que, com Vara no comando e outra gente ligada ao PS, ia aonde o Governo precisasse, até para o controlo dos media. A de um banco usado para fins políticos que nada tem que ver com a robustez e o prestígio do passado e cujas acções reflectem hoje esse valor. Há dez meses poucos eram os que comentavam em surdina que o BCP foi o grande golpe do regime de Sócrates. Hoje já ninguém hesita. Muita coisa não poderia ter sido feita nos últimos anos, se esse golpe não tivesse existido. Verdade que todos os rumores se combatem com factos que sirvam como contra-rumores. Mas verdade também que quando um banco sofreu o golpe político que o BCP sofreu, todos os rumores parecem possíveis e plausíveis, mesmo se o não são. Uma tragédia. Jurista