Crónica de seis anos perdidos
Descentralização interrompida, Regionalização moribunda
Seguir as mudanças de humor e de convicções do primeiro-ministro está a tornar-se numa missão desgastante. O exemplo mais recente dessa atitude é a Regionalização, bandeira que o secretário-geral dos socialistas tem empunhado sempre que lhe dá jeito. José Sócrates amanheceu regionalista convicto; pela tarde decidiu pensar melhor no assunto; à noitinha deu um desgosto aos regionalistas e matou definitivamente a ideia.
Na apresentação da moção política que vai levar ao Congresso do PS, José Sócrates avisou que "não estão reunidas as condições para a realização do referendo sobre a Regionalização nesta legislatura". Para isso, aquele que é chefe do Governo desde 2005 invocou "circunstâncias económicas e políticas". Ao mesmo tempo, e antecipando as críticas que inevitavelmente surgirão dentro do seu próprio partido, a moção argumenta com "a definitiva derrota da ideia", caso se ensaiasse um novo processo referendário, como sucedeu em 1998. E aponta algumas medidas para atenuar as consequências políticas dessa decisão de "enterrar" a Regionalização. Uma delas abre "a porta à possibilidade de eleição directa dos titulares dos órgãos políticos" das áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa. Curiosamente, ou talvez não, essa era uma solução que o PSD em devido tempo defendeu e que, até à manhã do passado sábado, foi liminarmente rejeitada pelo próprio José Sócrates.
Há neste processo coisas espantosas, que merecem ser devidamente assinaladas. E a primeira delas é que José Sócrates liderou um Governo de maioria absoluta durante quatro anos. Quatro anos de "quero, posso e mando". Quatro anos em que o primeiro-ministro submeteu o país e o Parlamento à sua vontade férrea, com as consequências que estão à vista. Quatro anos em que José Sócrates defendeu a Regionalização quando lhe deu jeito, mas em que não avançou um centímetro na intenção de regionalizar o país.
Vale a pena relembrar, por isso, que em 2009 o líder socialista defendeu a Regionalização no encerramento das jornadas parlamentares do seu partido, apresentando-a como uma "reforma indispensável e urgente no sentido do desenvolvimento e da maturidade democrática". Palavras, muitas. Mas, actos concretos, absolutamente nenhum. E, como consequência desse tacticismo, a bandeira da Regionalização foi arrumada algures entre a sede do Rato e a residência oficial de São Bento.
Em 2005, quando José Sócrates e o PS assumiram a governação, encontraram em plena aplicação um modelo de descentralização administrativa gizado pelo PSD. Com efeito, dois anos antes o Governo de Durão Barroso fez aprovar uma Lei-Quadro das Áreas Metropolitanas que apostava em agregar os municípios "através do reforço e dinamização do associativismo autárquico", sendo transferidas para as novas entidades competências anteriormente exercidas pelos próprios municípios, pelos governos civis e pela administração central.
Com a intenção de promover e aprofundar as relações institucionais e de complementaridade entre autarquias territorialmente contíguas, estabeleceram-se três modelos: grandes áreas metropolitanas, comunidades urbanas e comunidades intermunicipais. A fórmula era simples, e, como a prática demonstrou, funcionava bem - os municípios passaram a associar-se numa base voluntária, assumindo a obrigação de permanecerem na área que escolhessem por um período mínimo de cinco anos. Além disso, perspectivava-se que, com o decurso do tempo e com o aprofundamento das relações entre os municípios que as integravam, essas áreas viessem a substituir os distritos como círculos eleitorais, e que os presidentes daquelas grandes áreas viessem a ser eleitos.
Pessoalmente, sempre entendi que o País não precisava de uma nova classe política que seria inevitavelmente criada e alimentada pela Regionalização, razão pela qual tenho defendido que os órgãos destas grandes áreas deveriam resultar de uma eleição indirecta feita pelas autarquias.
O processo de descentralização que, com assinalável sucesso, se encontrava em curso em 2005, foi interrompido de forma abrupta, por José Sócrates, em nome de uma Regionalização que prometia estar ao virar da esquina. Seis anos passados, impressiona a facilidade, a frieza e o despudor com que o secretário-geral do PS enterra o processo de Regionalização que tanto defendeu, ao mesmo tempo que se apropria das ideias dos outros.
Tal como já tinha sido o coveiro do processo de descentralização administrativa, José Sócrates surge, agora, como o coveiro da Regionalização. Têm, pois, inteira razão aqueles que o acusam de ser chefe de um Governo "nem-nem". Nem faz, nem deixa fazer. Só que o dramático de tudo isto é que, uma vez mais, a factura das indecisões, da ligeireza e do tacticismo do primeiro-ministro será paga, não por ele, mas por todos os portugueses Secretário-geral do PSD