Quem és tu Andy Kaufman? Ninguém!
Andy Kaufman? Foi um revolucionário comediante da televisão americana, que desapareceu prematuramente em 1984. Para além disso, não se pode correr o risco de dizer mais alguma coisa porque foi uma bizarra personagem que se escondia nas máscaras das personagens que inventava. Os REM dedicaram-lhe uma canção, "Man on the Moon", e Milos Forman fez agora um filme que valeu a Jim Carrey a nomeação para os Globos de Ouro.
Quando o realizador Milos Forman e os argumentistas Scott Alexander e Larry Karaszewski fizeram "Larry Flynt" estavam a fazer um filme sobre alguém que ainda estava vivo. Não é esse o caso de "Man On The Moon", sobre o revolucionário cómico Andy Kaufman, que morreu em 1984. Mesmo a sua namorada, Lynne Marguiles, teve dificuldades em responder à pergunta: "Quem era Andy Kaufman?" Mas o que ela disse aos argumentistas ajudou. "Estávamos um bocado atrapalhados a tentar escrever este filme, porque recebíamos testemunhos contraditórios", lembra Alexander. "Quando se tenta escrever uma biografia, tentamos descobrir quem foi a pessoa, por isso falámos com uma ex-namorada que nos disse que Andy era um 'certinho' judeu ortodoxo; falámos com um tipo que trabalhava com ele no programa de televisão, 'Taxi', que nos contou que ele comia bacon e ovos ao pequeno almoço. Já estávamos pelos cabelos a tentar ir ao cerne da questão quando Lynne resumiu a questão: 'Rapazes, não houve nenhum Andy, na verdade". Dissemos: 'Certo, é sobre isso o filme'. Poderíamos ficar ali a tentar ir ao centro deste homem, mas com Andy Kaufman, não existia centro."Forman lembra-se de assistir a um dos primeiros espectáculos de Kaufman, em 1975, num clube de improvisação. "Eu senti pena dele. Achava que era um daqueles tipos patéticos. 'Deve estar a brincar se acha que consegue vingar no mundo do espectáculo,' pensei na altura, mas uns minutos mais tarde já me rebolava no chão a rir e não sabia porquê. Se contasse o que ele estava a fazer ninguém acharia piada. Então porque é que eu estava a rir e a adorar aquele tipo? Foi aí que o meu fascínio começou."Para quem nunca viu Kaufman na televisão, no programa Saturday Night Live ou na sua série "Taxi", o filme será o primeiro contacto com um pioneiro de um género peculiar, a "stand-up comedy", humor que hoje só se vê nos pequenos clubes. Não é um humor obvio, vai mais longe, arrastando os espectadores para o que existe de mais patético na condição humana (Robin Williams e Jim Carrey, que com a sua interpretação de Andy Kaufman foi nomeado para os Globos de Ouro, são grandes fãs do comediante, já para não mencionar Michael Stipe dos REM, grupo cuja canção de 1992 sobre Kaufman, "Man on the Moon", se tornou o titulo do filme).Kaufman era um pioneiro que queria mexer com as pessoas. Logo que o público se habituava a uma das suas personagens mais repelentes ou mesmo a uma das mais simpáticas, ele deixava de as fazer, para baralhar as pessoas. O que Kaufman gostava mais era dos "sketches" de luta livre - que aparecem bastante no filme. Era isso que mais afastava os espectadores, porque brincava de forma demasiado radical com as expectativas e com as noções de bom gosto. Kaufman tornou-se amigo do lutador Jerry "The King" Lawler e, a certa altura, num auditório de combate com 5000 lugares, simulou um ferimento causado pelo amigo. Até o guarda-costas de Kaufman desconhecia a combinação, e quando chegou para o ajudar acabou por magoar Kaufman mesmo a sério, enquanto tentava tirá-lo dali. Kaufman parecia de facto não ter centro. Autonomizava as personagens, havia dias em que não era Kaufman que aparecia mas o untuoso "lounge singer" Tony Clifton (criação a partir de uma figura que conheceu em Las Vegas). Era um conjunto de máscaras por detrás de máscaras e a situação chegou a tal ponto que quando Kaufman morreu, aos 35 anos, durante algum tempo ninguém acreditou na morte.Em última análise "Man on the Moon", que estreia em Portugal a 18 de Fevereiro, celebra o génio cómico de Kaufman, para mostrar às pessoas que nunca o conheceram aquilo que perderam. Os instigadores do projecto foram Forman e o produtor Danny DeVito, que participou com Kaufman na serie "Taxi" e que no filme representa o papel do seu manager, George Shapiro. O filme não se aventura muito no terreno da saúde mental de Kaufman, mas Alexander admite que "ele era definitivamente excêntrico e um obsessivo compulsivo, e isso geria a sua existência pessoal. Era o género de pessoa que entrava numa sala e abria e fechava a luz sete vezes, e quando saia de um carro andava às voltas para confirmar se as fechaduras estavam fechadas. No filme vêem-se muitas mãos a serem lavadas. Ele e todos os seus comportamentos um pouco estranhos...era um bocado maluco.""Mas também existia uma certa doçura no Andy em privado," acrescenta Karaszewski. "Era calmo, um homem dócil, quando não estava a fazer de estupor bombástico." Para escrever o argumento Alexander e Karaszewski passaram seis meses a pesquisar a vida de Kaufman. "Não havia nada," conta Karaszewski. "Existem alguns artigos na Rolling Stone, outros em suplementos de fim-de-semana, mas nunca ninguém tinha feito um grande artigo sobre Andy. Por isso, basicamente, todas as personagens no filme que não são o Andy, nós conhecemo-las pessoalmente. Conversámos e ouvimos as suas histórias." Embora tivessem reunido uma grande quantidade de material, o argumenta ainda apresentava um grande desafio. Escrever sobre as vidas dos peculiares Ed Wood (para o filme de Tim Burton) e Larry Flynt teria sido mais fácil. "Tentamos realmente entrar nas cabeças de Ed Wood e de Larry Flynt, mas com Andy, deliberadamente, ficou um enigma. Ele mudava de ideias acerca do que queria da vida de cinco em cinco minutos. Acho que isso é parte do fascínio. Nunca ninguém o percebeu muito bem e nós queríamos isso no filme."Criado entre famílias de classe média de Long Island, e obsessivo em relação à televisão durante a sua infância, Kaufman era intransigente, à maneira muito característica dos anos 60. Era mais "performer" do que humorista, e tinha a sua própria - esquisita - lista de princípios. "Ele recusava-se a permitir que o lutador com quem contracenava piscasse o olho à assistência para dizer que estava a fingir, e este facto custou-lhe muitos fãs," realça Alexander. "Durante os últimos anos ele não parava de representar essa personagem, a gastá-la até à última, e ninguém gostava disso. O 'seu' Tony Clifton ra uma forma de alienar a assistência e também de chatear as pessoas. Andy só queria mostrar o desprezo que esse género de performers tinham pela assistência."A meditação transcendental era muito importante na vida de Kaufman. "Ele meditava três horas por dia; era um dos dirigentes da associação de Meditação Transcendental na Califórnia do Sul, um dos seus fundadores," diz Karaszewski. "Quando o despediram, ele ficou de rastos."Algumas pessoas acreditam que a série de desgostos que sofreu foram a causa do raro cancro de pulmão que o matou. "A carreira de Andy estava a ir por água a baixo, mais a infeliz experiência com a Meditação Transcendental, e depois foi despedido do programa Saturday Night Live - isso magoou-o muito. Alexander e Karaszewski tinham as credenciais necessárias para dar vida a esta tão invulgar personagem, depois das experiências com Ed Wood e Larry Flynt. "Diverte-nos escrever sobre gente maluca a fazer coisas malucas," diz Alexander. "Os filmes feitos em Hollywood são demasiado 'limpinhos'. Se encontramos a história verídica certa, a verdade é bem mais estranha do que a ficção. Se qualquer um dos filmes que fizemos tivessem sido obras de ficção, Ed Wood teria que fazer um filme bom no final, o Larry Flynt teria aprendido a lição e o Andy Kaufman com certeza não morreria."Conheceram Milos Forman quando insistiram que ele fosse contratado para realizar "Larry Flynt", depois de Oliver Stone ter deixado o projecto para trabalhar em "Nixon". Nessa altura Forman não trabalhava há mais de sete anos e estava semi-reformado a viver na sua quinta."Ele mistura diferentes características e essa é a nossa maneira de ver as coisas, a comédia, o drama e a tragédia podem ser misturados num grande estufado," diz Karaszewski, "e Milos gosta de uma boa piada. 'Voando sobre um ninho de cucos' é o melhor exemplo disso. Esse filme é incrivelmente engraçado mas ao mesmo tempo é muito triste, e esse era o nosso objectivo." Alexander e Karaszewski acabaram de realizar o seu primeiro filme, "Foolproof", onde Danny DeVito, que também produz o filme, aparece num papel pequeno, o de um confuso assistente de morgue. Alexander acrescenta: "Tentámos fazer o filme mais divertido que podemos, com o espirito das primeiras comédias malucas dos anos 40, com W.C. Fields." O seu próximo projecto de realização será sobre os The Three Stooges, mas entretanto escreveram um outro filme para Jim Carrey, adaptando um livro que será publicado brevemente, "Henry's List of Wrongs", e que conta a história de um bem sucedido mas mal-formado yuppie que decide pedir desculpa a todas as pessoas a quem fez mal na sua vida.