Paisagens de luz
Quem não se lembra de ter visto Dana Reitz a dançar "Circumstancial Evidence", no Acarte, em 1988, é provável que não tenha esquecido Baryshnikov a dançar "Unspoken Territory", no CCB, em 1995. Os dois solos têm muito em comum. Foram coreografados pela norte-americana Dana Reitz e foram dançados em silêncio sobre as paisagens de luz desenhadas por Jennifer Tipton. Uma dupla que apresenta agora "Necessary Weather", novo trabalho sobre a natureza do movimento da dança e da luz. Em silêncio.
"Necessary Weather" é uma peça "sobre o fazer do movimento, sobre as formas como respondemos à energia, cor, intensidade da luz, e sobre a forma como essa luz nos faz sentir. Nesse sentido é sem dúvida sobre o tempo (weather)." É assim que a desenhadora de luzes Jennifer Tipton (citada por Suzanne Carbonneau) define o dueto que co-criou com a coreógrafa norte-americana Dana Reitz. O espectáculo, dançado em silêncio por Dana Reitz e por Sara Rudner, é apresentado este fim-de-semana na Culturgest, em Lisboa, e na próxima semana no Rivoli, no Porto. A electricidade, sensivelmente da idade da dança moderna, terá alterado radicalmente a paisagem coreográfica a partir da última década do século XIX. A artista norte-americana Loïe Fuller apercebeu-se de imediato da liberdade que a invenção da lâmpada eléctrica dava ao movimento. Estava a acabar o tempo em que os teatros ardiam com regularidade e em que as bailarinas não raramente eram vítimas de sérias queimaduras. Loïe Fuller anunciou de forma bem ostensiva o advento desse espaço de liberdade, usando amplos figurinos que ondulavam, giravam em espirais ao encontro dos feixes luminosos, criando uma nova paisagem de movimento e luz que, em Paris, deleitou os poetas simbolistas.Mais do que procurar iluminar ou colar a luz ao movimento, Loïe Fuller dedicou os primeiros anos da sua carreira a investigar as relações entre o movimento e a luz e os efeitos que esta produzia nas sensações, chegando mesmo a construir em sua casa um laboratório para realizar as suas investigações. Um século volvido sobre as arquitecturas luminosas de Loïe Fuller, duas artistas, Jennifer Tipton e Dana Reitz, parecem retomar - dispondo agora de técnicas e linguagens sofisticadas - o princípio desbravado por Loïe Fuller baseado na constatação de que as alterações das cores e intensidades da luz alteram a percepção do movimento e afectam-nos emocionalmente. Dana Reitz (também citada por Suzanne Carbonneau) descreve aquelas propriedades emocionais e cinéticas da luz: "Se pegarmos num determinado movimento e lhe fizermos incidir diferentes tipos de luz, esse movimento terá diferentes significados e sentimentos, mesmo que seja exactamente o mesmo movimento (ou o mais parecido possível). E o reverso também é possível - o movimento afecta a forma como vemos a luz, o espaço e a interacção entre os bailarinos." Nos últimos dez anos, Jennifer Tipton e Dana Reitz têm sido aliadas na exploração da interacção entre luz e movimento. A primeira obra resultante da sua colaboração foi "Circumstancial Evidence", estreada em Nova Iorque, em 1987, e apresentada em Lisboa, no Acarte, no ano seguinte. "Necessary Weather", o trabalho que é agora apresentado em Portugal, é consequência da vontade de as duas artistas explorarem em profundidade a natureza do movimento da dança e do movimento da luz. A estreia de "Necessary Weather", em 1992, foi antecedida de várias pesquisas, entre as quais um "workshop" dirigido por Tipton e Reitz, em Nova Iorque, onde vários desenhadores de luzes e coreógrafos trabalharam em conjunto durante quatro semanas.Mas para além destas duas obras, Tipton e Reitz colaboraram ainda na criação de "Suspect Terain", "Lichttontanz", "Shoreline" e "Unspoken Territory", o maravilhoso solo criado propositadamente para o admirável Mikhail Baryshnikov, e que o próprio dançou em Lisboa, no Centro Cultural de Belém, em 1995.