ouçam como o ventre dela dança
É a voz dela que verbaliza o que vai na cabeça de um palestiniano quando encontra um colono judeu: "I put a spell on you...". Ouve-se no filme "Intervenção Divina". O seu nome é: Natacha Atlas. Filha de um judeu que optou ser muçulmana, dá voz ao corpo, fundindo Oriente e Ocidente. A solo, de "Diaspora" a "Foretold in the Language of Dreams", a mistura da cítara com o clarinete transforma a bailarina num rouxinol.
Enrolada num exemplar do "Daily Mirror", numa exuberante "raq sharki" (dança do ventre), Natacha Atlas ingressou, em 1991, no grupo electro-étnico Transglobal Underground. A partir daí, tornou-se vocalista e bailarina dos TU, projecto que mistura cultura DJ, clássicos indianos, reggae, bhangra, hip hop e pop.Este "cocktail" de diferentes estilos, a que ela adicionou ainda o "raï" argelino e o "shaabi" egípcio, foi transportado para o primeiro e posteriores álbuns a solo de Natacha Atlas, encorajada pelos seus companheiros-produtores do TU. O exotismo facilitou o êxito mundial, e rapidamente a catalogaram de "Björk do Médio Oriente" ou "Rosa Púrpura do Cairo". Em Portugal, os seus discos estão à venda e a sua voz registada na banda sonora do filme palestiniano "Intervenção Divina", de Elia Suleiman (ainda em cartaz), numa cena hilariante de confronto visual entre um colono israelita da Cisjordânia e um palestiniano de Nazaré (é a voz de Atlas que verbaliza o que vai na cabeça de Elia Suleiman: "I put a spell on you...").Apresentemos então devidamente a estrela. Nasceu no bairro marroquino de Marolle, em Bruxelas, em 20 de Março de 1964. O pai é um judeu egípcio e a mãe uma católica inglesa. Também h* muçulmanos na família, que tem origens em Marrocos e na Palestina. Ela converteu-se ao Islão, em 1997. Não é fan*tica: "... uma questão entre mim e Deus". Recusa o véu: "A religião não é cosmética".Em 1972, os pais divorciaram-se e Natacha foi viver com a mãe e os irmãos para Northampton, na Inglaterra. Frequentou uma escola privada em Sussex, mas nunca se sentiu "100 por cento britânica". Poliglota (é fluente em árabe, hebraico, francês, espanhol e inglês), assume a condição de "emigrante permanente". Numa entrevista confessou: "Sinto-me numa gaiola de onde sonho sair e quando estou cá fora tomo consciência de que voltei a entrar noutra gaiola."Aos 16 anos, Natacha Atlas dividia o seu tempo entre Northampton e Bruxelas, trabalhando em "nightclubs" árabes, gregos e turcos, como cantora e dançarina do ventre. Aos 17, já ganhava a vida como "belly dancer" profissional em clubes libaneses da capital belga. Durante este período, integrou uma banda de salsa chamada Mandanga, até chamar a atenção dos Invaders of the Heart e da editora Nation Records. Foi a Nation que a apresentou ao TU e facilitou os seus contactos com Apache Indian e Peter Gabriel.A carreira a solo arrancou em 1995, com "Diaspora", um disco que "reflecte a alma de todos os povos deslocados". Numa das faixas, "Dub Yalil", a fervorosa voz de Natacha eleva-se ao Paraíso proclamando "Allah Akbar" (Deus é grande). Já "Fun does not exist" é uma fascinante convivência de ritmos de dança/dub com modulações do árabe clássico."Halim", o segundo álbum (1997), foi dedicado a um ídolo: o defunto cantor egípcio Abdel Halim Hafez. Mais uma vez, ela prova talento. A canção "Moustahil" tem requinte, vocal e instrumental. "Ya Weledi" evoca um tango com sons do Norte de África. "Gedida", o álbum número três, editado em 1999, consolidou-lhe a fama. Em parte, graças a "Mon Amie la Rose", "cover" de uma canção de Françoise Hardy. E, em parte, porque duas canções foram censuradas no mundo árabe - "Bastet", um rap em que ela ataca os sistemas políticos vigentes, e "Mahlabeya", pela sensualidade da frase "quero beber o amor dos teus lábios".O quarto disco, "Ayeshteni" (Renascimento), nas bancas desde Abril de 2001, é ao mesmo tempo sofisticado e "kitsch", com poderosas interpretações. Realce para "Ne me quite pas", homenagem ao belga Jacques Brel, e "I put a spell on you", incrível versão da relíquia de Screamin' Jay Hawkins de 1949.O tom muda em "Foretold in the Language of Dreams" (Agosto de 2002), projecto conjunto de Natacha Atlas e Marc Eagleton. É um disco mais poético e filosófico. "Precisei de fazer música para sossegar a minha alma", justificou a autora. "Quis fazer algo completamente oposto ao frenesim que nos rodeia."A maior parte dos textos foi retirada de provérbios sufis (o misticismo islâmico que Natacha professa) e de certas passagens do livro "Meetings with Remarkable Men", de George Ivanovitch Gurdijeff, sobre a procura do conhecimento e da sabedoria. O disco foi gravado na Grã-Bretanha, na Grécia e em Itália, com músicos extraordinários, como Abdallah Chahady. Os instrumentos musicais são variados, do qanun e da cítara ao clarinete e violoncelo. A beleza delicada de "Etheric Messages" ou a de "Therapeutic Space" encoraja um estado contemplativo e requer um grande grau de concentração do ouvinte.O próximo álbum de Natacha foi agendado para Abril deste ano. Num "site" na Net, ela manda dizer aos fãs que, até Fevereiro, estará em Atenas, no clube Xarama, fazendo a única coisa que lhe dá "liberdade": dançar o ventre.