“Como é possível tamanha inércia política?”, interroga presidente do Supremo Tribunal de Justiça
“Se o tempo da justiça é muitas vezes acusado de uma lentidão exasperante, o que dizer do tempo da feitura das leis”, criticou Cura Mariano na abertura solene do ano judicial.
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Naquela que foi a sua primeira intervenção na abertura do ano judicial, a decorrer nesta segunda-feira à tarde, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça não foi meigo nas palavras e confrontou a classe que amiúde acusa os tribunais de serem demasiado lentos.
Enumerando as diferentes enfermidades do sistema judiciário a necessitar de atendimento prioritário ainda este ano, e que já podiam ter sido resolvidas por via legislativa, o magistrado que dirige o tribunal mais elevado da hierarquia judicial do país deixou várias perguntas ao Presidente da República, à ministra da Justiça, ao presidente do Parlamento e aos restantes dignitários presentes no salão nobre do Supremo: “Como é possível tamanha inércia política? Como é possível este desinteresse pelas condições de exercício da função judicial? Como é possível tudo isto acontecer? Ou melhor, nada acontecer?”
E deu exemplos dessa inércia, começando pela “minúscula alteração ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, tão necessária a inverter o ciclo de progressivo envelhecimento dos quadros do Supremo Tribunal de Justiça”, cuja proposta ainda não entrou sequer no Parlamento, sem que se “consiga descortinar uma explicação para tal atraso, face à gravidade da situação”. Cura Mariano também não consegue entender por que motivo o nascimento das comissões destinadas a rever os códigos de processo civil e penal demorou sete meses.
“Se o tempo da justiça é muitas vezes acusado de se caracterizar por uma lentidão exasperante, o que dizer do tempo da feitura das leis?”, atirou o magistrado, que foi eleito pelos colegas para este cargo em Junho passado.
E apesar de satisfeito com as medidas que aí vêm, aliás sugeridas pelas magistraturas, para facilitar o ingresso nas carreiras de juiz e procurador, o presidente do Supremo lamentou que se tenha agora de desencadear, escusadamente e graças aos atrasos, uma corrida contra o tempo para lançar, já fora de horas, os concursos de acesso à magistratura e ao Supremo Tribunal de Justiça com novas regras que vão permitir o rejuvenescimento dos conselheiros. De resto, seria desejável, no entender de Cura Mariano, dispensar das provas escritas de ingresso no Centro de Estudos Judiciários os alunos que obtiverem, em cada universidade, as mais altas notas na licenciatura e no mestrado, mantendo-se a sua sujeição às provas orais. Segundo as previsões, irão reformar-se cerca de 600 juízes nos próximos seis anos, razão pela qual é necessário aumentar o número de ingressos nesta escola de formação de magistrados.
Do diagnóstico dos males do sistema judiciário feito pelo presidente do Supremo fez ainda parte aquilo que designou por “escassez, descontentamento e desmotivação dos funcionários judiciais”, problema na origem de muitos dos atrasos que ocorrem nos tribunais de primeira instância. Foi mais uma seta que disparou contra o poder político: “A definição e a melhoria das condições do seu estatuto profissional é um problema que, incrivelmente, se arrasta desde há alguns anos.” Enquanto falava, cá fora, no exterior do Supremo vários funcionários judiciais levavam a cabo um protesto silencioso.