O terramoto do ano novo: a construção em solo rústico

Os próximos dias na Assembleia da República serão um teste às várias bancadas parlamentares, na prossecução do interesse público.

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Megafone P3 Tiago Bernardo Lopes
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Para quem regressou do ano novo, o Governo aprovou uma novidade importante: a construção "a título excepcional" em solo rústico.

Fê-lo a grande velocidade, tendo sido aprovada em Conselho de Ministros a 18 de Dezembro e publicada em Diário da República a 30 de Dezembro, pelo que os portugueses regressam das festas entre paisagens onde ficou mais fácil construir.

Antes, já era possível aumentar o perímetro urbano. Aliás, sempre foi possível. Sabe-se que a urbanização, para que seja bem-sucedida, tem de respeitar várias regras. É preciso escolher os terrenos mais seguros, com menos impacto ambiental. É preciso ter a certeza de que há necessidade, porque nem todas as cidades crescem ao mesmo ritmo. É por isso que os estudos e os pareceres exigidos não travavam o desenvolvimento, pelo contrário, asseguravam o correcto ordenamento do território, que a Constituição define como responsabilidade do Estado.

O que muda nesta "excepcional" permissão para construir em solo rústico? A facilidade com que se passa a construir fora das cidades e dos subúrbios, sem consulta pública e sem pareceres de outras entidades, numa só decisão de Assembleia Municipal. Promete-se desburocratizar, mas esta facilitação é como um terramoto, capaz de fazer ruir o sistema de ordenamento do território, caindo por terra a necessária coordenação regional no aumento da área urbana.

Este terramoto, ao contrário de outros, deixa uma marca duradoura, na valorização dos terrenos onde se poderá vir a construir. Ou na constatação de que, depois das custosas obras de expansão dos arruamentos, dificilmente haverá mais habitação acessível — o próprio documento reconhece tratar-se de habitação a custos moderados, não controlados.

Maior é o abalo, quando ao documento faltam limites para a excepção. Na promessa de lucro imediato, os terrenos onde antes era proibido construir passam a ser os mais apetecíveis. Os terrenos que já antes eram urbanos podem continuar à espera, e as cidades arriscam-se a perder investimento em habitação. Pior ainda, em caso de choque internacional, em que os terrenos recém-valorizados são usados como caução ou garantia de empréstimos bancários. Noutras palavras, é a estabilidade dos mercados financeiros que fica em causa.

O que se consegue é uma grande desarrumação, como se a maior casa dos portugueses, o próprio território, ficasse com enfeites, presentes e embrulhos de natal espalhados pelos quartos, depois de um atabalhoado regresso das festas. Com ou sem terrenos para construir, demarcam-se novas zonas de expansão urbana, decididas por deputados municipais, tantas vezes sem especialização em ordenamento do território. Promete-se uma vaga de construção que não constrói cidade, pelo contrário, esvazia-a.

Terá de ser a Assembleia da República a revogar o Decreto-Lei 117 de 2024, publicado no penúltimo dia do ano, para impedir este terramoto. O pedido de reapreciação vai avançar, para já, com o apoio de quatro partidos políticos. Contudo, para alcançar a maioria parlamentar, mais deputados terão de apoiar a revogação.

Esta causa transcende a cor política, porque o terramoto da construção avulsa deixa marcas irreversíveis. A falta de habitação tem outras soluções e a promessa de desburocratizar não mais é que uma perigosa simplificação, uma "entorse" que restringe o Estado na protecção dos cidadãos e do território, e também no direito de participação e no combate à corrupção. Os próximos dias na Assembleia da República serão um teste às várias bancadas parlamentares, na prossecução do interesse público.

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