Criar valor com os valores olímpicos

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Li, há dias, o livro Ramalho Eanes: Palavra que conta, fruto de uma entrevista ímpar de Fátima Campos de Ferreira. A dado passo, o general Ramalho Eanes referiu-se a uma “liderança míope” dos EUA porque estes “não se empenharam em conhecer bem a Rússia e, talvez menos Putin”. Lembrou, por contraste, que os mesmos EUA, “para a pacificação e democratização do Japão, tiveram o cuidado de encomendar um estudo sobre esse país à antropóloga Ruth Benedict.”

Noutra passagem, sobre o como responder ao desafio da vida, Eanes lembra que “há que aprender, permanentemente, com os outros e com o que os outros nos podem ensinar.” De súbito, com as devidas adaptações, lembrei-me do barão Pierre de Coubertin, fundador dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, cujo projecto de paz através do desporto assentava muito na ideia de que só conhecendo o próximo, só com ele convivendo, aprendendo e dialogando, só procurando conhecer os seus valores, a sua cultura, é que melhor o percebemos e consequentemente respeitamos, mesmo que estejamos em pólos divergentes.

No mesmo livro, Eanes aflorou os “valores” da União Europeia (UE) e não resisti a um novo paralelo com o desporto, noutra escala: recordei-me de um desafio que me foi lançado, pela Comissão Europeia, em 2018, para no Fórum Europeu do Desporto, em Sófia, partilhar reflexões sobre a promoção dos valores europeus através do desporto. E não me restaram dúvidas de que praticar, ver e viver o desporto contribui para a identificação com os valores em que se funda a UE, conforme o Tratado: os “valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias”.

Esta sinergia entre o desporto e a vida de cada um e entre os valores que o desporto pode transportar para a vida global hodierna é algo que me envolve há muito. Por isso, orgulho-me de termos, no Governo, em 2012, lançado o Plano Nacional de Ética no Desporto (PNED), ainda hoje vigente. Mas creio que essa sinergia pode e deve ser potenciada, sendo que outras leituras da semana passada reforçaram tal convicção: refiro-me ao que li dos manifestos eleitorais dos sete candidatos à presidência do Comité Olímpico Internacional.

Nesses documentos, um dos denominadores comuns é a constatação do papel do desporto face à instabilidade e tensão do globo, com guerras, terrorismo, crises, pobreza. E a percepção de que os valores do desporto são vitais para a unidade, a compreensão, a solidariedade, a tolerância, a coexistência pacífica entre os povos. Para a participação e diálogo, num quadro de multiculturalismo. A noção de que o desporto ensina, entre outros, o valor do trabalho em equipa e o respeito pelas regras, com esperança, resiliência, ambição, busca do sucesso. O desporto, que pode ser um antídoto para lógicas nacionalistas, proteccionistas e populistas. Não posso estar mais de acordo com tais visões.

Merecem-me, portanto, aplauso, as propostas de envolver múltiplos actores na expansão dos valores olímpicos, designadamente os atletas, os media, os estabelecimentos de ensino e os patrocinadores. Numa visão de futuro, que aproveite a Inteligência Artificial e que convoque a juventude. Inserindo os valores em todos os documentos e estratégias. Pela "marca olímpica", ou não significassem os Jogos Olímpicos a junção dos cinco continentes. E sem medo de, com os valores, criar valor, gerar negócio. Ganha o olimpismo. Ganha o mundo.

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