Parlamento alemão protege Tribunal Constitucional da ameaça dos “inimigos da democracia”

Perante o crescimento da extrema-direita, SPD, CDU, FDP e Verdes aprovam legislação para impedir “interferência política” na mais alta instância judicial da Alemanha.

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Reforma foi aprovada pelos principais partidos alemães no Bundestag Annegret Hilse / REUTERS
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A câmara baixa do Parlamento da Alemanha aprovou esta quinta-feira uma reforma da Lei Fundamental que tem como objectivo proteger o Tribunal Constitucional, a mais alta instância judicial do país, de possíveis tentativas de “interferência política”.

A legislação em causa foi aprovada numa altura em que a Alemanha se prepara para a realização de eleições legislativas antecipadas (Fevereiro) e em que as sondagens mostram o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) no segundo lugar das intenções de voto dos eleitores.

A proposta recebeu os votos favoráveis do Partido Social-Democrata (SPD) – do chanceler Olaf Scholz –, do Partido Liberal-Democrata (FDP), dos Verdes e da União Democrata-Cristã (CDU) – o principal partido da oposição.

Em sentido inverso, a AfD votou contra. Garantindo que não querem mudar as regras do Tribunal Constitucional, os seus dirigentes descreveram, ainda assim, a reforma como uma iniciativa do “cartel dos velhos partidos” que, dizem, pretende transformar o tribunal num “instrumento de poder” do establishment político alemão.

“Estamos a proteger o Tribunal Constitucional da interferência política de extremistas e de populistas”, assegurou, no entanto, Scholz, numa mensagem publicada na rede social X.

Sediado em Karlsruhe, no Sul da Alemanha, e estabelecido depois da Segunda Guerra Mundial, o tribunal é a mais alta instância judicial do país e é considerado um dos principais símbolos da democracia alemã.

Baseada numa proposta do ex-ministro da Justiça, o liberal Marco Buschmann, a legislação aprovada pela maioria dos partidos do Bundestag consagra a organização, composição e método de nomeação dos membros do Tribunal Constitucional na Lei Fundamental (Constituição).

Segundo a Deutsche Welle, a nova legislação define que o tribunal é composto por 16 juízes, que exercem um mandato de 12 anos e cuja idade máxima é fixada nos 68 anos. A lei também salvaguarda a autonomia dos procedimentos internos do Tribunal Constitucional.

Fica ainda estabelecido que um juiz que esteja de saída do tribunal continua a exercer as suas funções até ser eleito um sucessor e fica também definida a necessidade da maioria de dois terços dos deputados das duas câmaras do Parlamento para nomear novos magistrados ou para qualquer alteração à reforma agora validada.

Citada pela Reuters, a ministra do Interior, Nancy Faeser, justificou o apoio do Governo liderado por Scholz à legislação com a necessidade de se impedir que os “inimigos da democracia” ponham em causa os princípios do Estado de direito na Alemanha, como se verificou noutros países que viram forças populistas e “anti-sistema” chegarem aos principais cargos políticos.

“Quando olhamos para fora do país, vemos que, quando os autocratas chegam ao poder, são quase sempre os primeiros a virar-se contra a eficácia e a independência do poder judicial. Eles odeiam o Estado de direito e os tribunais constitucionais são frequentemente os seus primeiros alvos”, salientou.

No seio da União Europeia, países como a Hungria ou a Polónia parecem encaixar nos casos denunciados pela ministra.

Nascida em 2013 como uma força política eurocéptica e crítica dos empréstimos alemães aos países da UE, a AfD transformou-se num partido xenófobo, anti-imigração e antiglobalização, tendo atraído políticos e militantes que relativizam o papel do Estado alemão na Segunda Guerra Mundial e no Holocausto ou que simpatizam com a Federação Russa e com a República Popular da China.

Particularmente bem-sucedida nos estados que faziam parte da antiga RDA, a AfD foi considerada um perigo para a democracia pelos serviços de informação e segurança da Alemanha. No mês passado, houve mesmo uma iniciativa de deputados de vários partidos que pedia a ilegalização do partido.

Depois dos bons resultados alcançados nas eleições para o Parlamento Europeu (segundo lugar) e nas eleições regionais na Turíngia (primeiro), na Saxónia (segundo) e em Brandeburgo (segundo), todas realizadas este ano, a AfD surge com cerca de 19% das intenções de voto na última sondagem do instituto Forsa relativa às eleições legislativas agendadas para 23 de Fevereiro do próximo ano.

O partido de extrema-direita só é superado pela CDU (30%), de Friedrich Merz, e aparece à frente do SPD (17%), de Olaf Scholz, e dos Verdes (13%). Seguem-se, depois, o FDP (4%) e a Aliança Sahra Wagenknecht (4%), o novo partido de esquerda populista e anti-imigração.

A necessidade de formação de coligações governamentais e a promessa dos principais partidos de exclusão de acordos com a AfD dificulta, no entanto, a chegada do partido de extrema-direita ao poder na Alemanha. Pelo menos para já.

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