A “história oficial” de Elton John na Yellow Brick Road

Never Too Late olha para os anos-chave da popularidade do autor de Candle in the wind num documentário “oficial” cheio de fascinantes imagens de arquivo. Na Disney +.

PP paulo pimenta - 14 julho 2016 - PORTUGAL, Vila Nova de Gaia - Festival Meo Mares Vivas - 1? Dia - Concerto de Elton John, Palco MEO
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Elton John no Festival Meo Marés Vivas, 2016 Paulo Pimenta
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"Eu e o Elton teremos sempre o Madison Square Garden!" É com um sorriso que R. J. Cutler admite, em declarações prestadas ao PÚBLICO, que estava "fadado" para trabalhar com Elton John desde o dia 28 de Novembro de 1974. Tinha então 13 anos e entrou "por meios ilícitos" (mais não dirá) no célebre recinto nova-iorquino, para assistir ao concerto do Dia de Acção de Graças do autor de Your song, Candle in the wind, Crocodile rock, Saturday night’s alright ou Tiny dancer — concerto no qual, para surpresa da assistência, John Lennon subiu a palco para interpretar Whatever gets you through the night, naquela que seria a sua última actuação ao vivo antes da sua morte, em 1980.

Imagens dessa noite — que, nas palavras do documentarista e realizador americano, definiu o seu "sentido do espectáculo, do teatral, da estética" — surgem em Elton John – Never Too Late, que se estreia esta sexta-feira na plataforma de streaming Disney +. Cutler, autor de documentários sobre a revista Vogue (The September Issue), Billie Eilish, Bill Clinton ou John Belushi, é co-realizador do filme com David Furnish, companheiro de Elton John desde 1993, seu marido desde 2014, pai dos seus dois filhos, empresário, autor do documentário de 1997 Tantrums & Tiaras.

Por aí se percebe: Never Too Late é filme "oficial", "autorizado". Se bem que não puramente hagiográfico porque se sente, na maneira como Elton fala da sua vida e obra, uma candura aberta, lúcida, que não costuma ser muito normal nestes objectos formatados à medida do mercado americano. Isso pode vir de Elton ser gente de "outro tempo", em que as vedetas se resguardavam um pouco menos. Mas vem sobretudo de Cutler não ter feito entrevistas novas para o filme, substituindo-as pelas gravações de som das conversas de Elton com Alexis Petridis, jornalista do diário britânico The Guardian, que serviram de base à autobiografia publicada em 2019, Eu.

"Não gosto nada de documentários com entrevistas de ‘cabeças falantes’", diz o americano com um sorriso na videochamada com Portugal, "nem assumo quando começo um filme que o vou construir a partir delas. Interessa-me perguntar qual é a melhor maneira de fazer passar a informação, e tento evitar ao máximo pôr gente a falar para três câmaras, iluminação, uma equipa de 40 pessoas… Isso é sempre artificial, as pessoas estão contrariadas, pouco à vontade".

Quando Furnish lhe disse que existiam "40 e tal horas" de gravações de Sir Elton a falar com Alexis Petridis, Cutler decidiu tirar partido disso: "Encontrei uma oportunidade de colocar no centro do filme um nível de intimidade que não é muito normal, porque o Alexis é um dos melhores amigos do Elton. São conversas sérias, verdadeiras, entre pessoas verdadeiras, gente que se conhece bem e quer ir ao fundo das questões. O David disse-me uma coisa que me ficou na cabeça: ‘eu já ouvi esta voz do Elton antes, mas mais ninguém a conhece’."

O resultado dá vontade de desejar que Never Too Late fosse outro filme. Cutler defende que os pontos-chave do documentário são a entrevista que Elton deu à revista Rolling Stone em 1976, na qual assumiu a sua bissexualidade, e a decisão, em 2022, de se retirar dos palcos para se dedicar à sua família — "decisões incrivelmente consequentes porque uma delas torna a outra possível". O espectador, contudo, será desculpado por achar que as verdadeiras balizas do filme são os concertos de Elton John no estádio de basebol dos Dodgers de Los Angeles: a 25 e 26 de Outubro de 1975, primeiros megaconcertos de um único artista na história do rock, perante 110 mil espectadores; e a 17, 19 e 20 de Novembro de 2022, marcando o encerramento da sua digressão de despedida, com a mesma banda que o acompanhou em 1975.

Se este período de ascensão aos píncaros do estrelato pop (com a triunfal sucessão de álbuns que vai de 1969 a 1975, incluindo clássicos como Honky Château, Tumbleweed Connection e Goodbye Yellow Brick Road) é central na importância de Elton John como músico e como vedeta, é pena que Never Too Late evite tudo o que aconteceu após 1976 para se concentrar no adeus aos palcos, usado como "muleta" para ir lá atrás falar do passado de um artista que (como muitos de nós) pôs o trabalho à frente da vida pessoal.

Para R. J. Cutler (e, certamente, para David Furnish), este é "um filme sobre a mortalidade" — "porque, quando for altura de escrever o seu epitáfio, o Elton não quer que seja ‘vendeu milhões de discos’. Quer que seja ‘foi um grande pai, um grande marido e um grande amigo’". Mas a verdade é que Sir Elton John é bem mais do que apenas isso, porque a sua música atravessou gerações e ainda hoje diz muito a muita gente. E é isso que Never Too Late, no seu melhor, nos recorda, bem para além da história oficial: afinal, haverá sempre o Madison Square Garden.

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