Ministra revela que INEM vai passar a usar inteligência artificial no CODU e afasta privatização
Ouvida no Parlamento, Ana Paula Martins garantiu que “este Governo não vai privatizar o CODU”, anunciou mudanças no Conselho Directivo e verbas para pagar dívidas em atraso dos hospitais.
“Alterar de forma profunda o funcionamento” do INEM, repensando a sua lei orgânica, assim como o estatuto. É desta forma que a ministra da Saúde tenciona “refundar” este instituto, como explicou na manhã desta quarta-feira, em resposta à deputada do Bloco de Esquerda (BE), Marisa Matias. Ana Paula Martins está nesta manhã a ser ouvida na Comissão da Saúde, no Parlamento, sobre a já anunciada, mas ainda não explicada, refundação do Instituto Nacional de Emergência Médica — INEM e sobre a actual situação deste instituto, por requerimentos do BE e da Iniciativa Liberal. Ana Paula Martins garantiu ainda que “este Governo não vai privatizar o CODU”.
A ministra da Saúde deu conta de que os meios do INEM asseguram menos de 10% do total da actividade: “Externalizamos 93% da actividade do INEM” aos bombeiros, à Cruz Vermelha e aos helicópteros. Por outro lado, a governante reconheceu que o INEM acciona meios para situações que não justificam. “Mais de 80% dos meios accionados poderiam ser rentabilizados. Muitas vezes accionamos meios para situações que não precisavam de um nível tão diferenciado de meios”, disse, ao mesmo tempo que defendeu que “a articulação tem de ser melhor”. Para espelhar a realidade de alguns dos casos, Ana Paula Martins referiu que “o INEM hoje até é chamado para os lares para ir declarar óbitos porque não há quem vá”. “Não são os médicos do INEM que têm de o fazer”, defendeu.
No início da sua intervenção, a ministra adiantou que as mudanças que estão previstas têm que ver com o “empoderamento” e reforço do papel regulador e gestor do instituto. A tutela prevê aumentar o número de vogais do conselho directivo do INEM e do Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM), incluir na comissão científica do INEM um representante da Liga Portuguesa dos Bombeiros e da Cruz Vermelha e criar também uma comissão técnica independente para estudar a resposta em emergência médica.
Segundo a ministra Ana Paula Martins, estão também a ser desenvolvidas soluções com recurso a inteligência artificial (com a empresa Sword Health) para agilizar a resposta do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU). “Já iniciámos o desenvolvimento de soluções tecnológicas. Aliás, a Altice, que é a operadora com quem trabalhamos, já tinha essas soluções, só que nunca tinham sido adoptadas”, disse, adiantando que se trata de soluções para criar redundâncias no INEM e que vão permitir tempos de espera em linha de “menos de 20 segundos”.
“O CODU tem muitas deficiências e equipamentos muito pouco modernos”, considerou também. Estes sistemas de inteligência artificial no CODU deverão chegar “dentro de poucas semanas”. “Se isto não é refundar o INEM, eu pergunto o que é”, questionou ainda a ministra, ao mesmo tempo que frisou que este Governo “já refundou boa parte do INEM” ao definir que as verbas não executadas ficam naquele instituto. “Não ficavam, pois era aplicado em dívida pública ou transferido para pagar outras coisas”, disse e acrescentou que toda a despesa do INEM para este ano já está executada.
E deixou uma garantia, depois de ser questionada pelo deputado do PS João Paulo Correia: “Este Governo não vai privatizar o CODU.”
Recorde-se que, como o PÚBLICO noticia nesta quarta-feira, em 4 de Novembro, no dia em que uma sobreposição de duas greves e o não cumprimento dos serviços mínimos lançou o caos sobre o socorro, as centrais telefónicas do INEM deixaram, pelo menos, 2305 chamadas por atender. Este número resulta de dados oficiais.
Outra das novidades anunciadas por Ana Paula Martins passa pelo modelo de utilização de desfibrilhadores automáticos externos (DAE). “O modelo de utilização da DAE é muito restrito e deveríamos iniciar um processo de liberalização do uso de dispositivos de fibrilhação externa, com o alargamento da obrigatoriedade aos cidadãos e obrigatoriedade de formação para os alunos do 12.º ano”, sublinhou. Ainda a este respeito, a ministra defendeu, durante a audição, que é possível “pedir a todas as pessoas que tiram a sua licença de condução, que tenham cursos de suporte básico de vida” durante os módulos de aprendizagem para que, caso necessário, possam agir quando se deparam com acidentes rodoviários, por exemplo.
"Farei a organização do meu ministério como entender"
Questionada por vários deputados sobre o facto de ter chamado a si a tutela do INEM, numa possível desautorização da secretária de Estado da Gestão da Saúde, Cristina Vaz Tomé, a ministra garantiu: “Por enquanto, que eu saiba, ao Governo e a cada ministro compete aquilo que entende que a sua equipa pode ou não pode, deve ou não deve fazer. Neste caso concreto, entendi que o INEM, nomeadamente pela situação gravíssima que estávamos a viver, devia depender da superintendência da ministra, razão pela qual decidimos, em conversa com a minha secretária de Estado, que passaria para a minha superintendência.” “Enquanto for titular desta pasta, farei a organização do meu ministério como entender, perante a lei”, terminou.
Ana Paula Martins disse estar “muito confiante nas secretárias de Estado que este Governo escolheu e em toda a equipa do Ministério da Saúde e das ULS”. Questionada sobre o facto de ter dito no passado que dedicava 70% do seu tempo ao INEM e sobre o que isso representa para o resto do SNS, a ministra disse ter "muita confiança" que "com o nível de autonomia" que as ULS já possuem - e que admite ainda não ser o desejado - poderia até mesmo despender mais tempo com o instituto que as respostas continuariam a ser dadas com qualidade.
Ana Paula Martins disse também que “todos os dias” a tutela faz um ponto de situação com o presidente e o conselho directivo do INEM sobre “todo o tipo de pequenas coisas” no sentido de perceber o que está a faltar, e porque os profissionais “não podem estar à espera dois meses para comprar umas botas para irem para as ambulâncias”. “É verdade, estamos a fazer uma microgestão e estamos a apoiar o INEM a fazer essa microgestão.”
Quanto à anunciada valorização salarial dos técnicos de emergência pré-hospitalar (TEHP), que motiva uma reunião nesta quarta-feira à tarde, a ministra garantiu: o Governo fará “tudo o que está ao nosso alcance para promover um aumento salarial que garanta dignidade logo nos primeiros escalões. Não conseguiremos fazer tudo num ano, nem dois nem três porque vêm de um limite muito baixo”, afirmou.
Na sua primeira intervenção, Ana Paula Martins adiantou, ao abrigo de um despacho conjunto dos ministérios da Saúde e das Finanças, o Governo vai transferir uma verba para as Unidades Locais de Saúde (ULS) alocarem mais de mil milhões de euros para o pagamento de dívidas em atraso há mais de 90 dias, um procedimento que é habitual nos finais de ano. Segundo a ministra, esta verba vai permitir às ULS o pagamento das dívidas mais antigas a fornecedores.
Num comunicado enviado às redacções, durante a tarde, o Ministério da Saúde esclareceu que “o Governo transfere ao longo desta semana uma verba de 975,5 milhões de euros para as entidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) destinada à redução das dívidas destas entidades” cujo objectivo é “robustecer o compromisso com a sustentabilidade financeira do SNS foi realizado um reforço de verbas nas ULS e nos Institutos Portugueses de Oncologia (IPO)”. A execução desta medida será acompanhada e monitorizada pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e pela Inspecção-Geral de Finanças (IGF), “através de mecanismos rigorosos que asseguram a transparência e a boa gestão dos fundos atribuídos”.
No que respeita ao helitransporte de emergência médica, Ana Paula Martins revelou que “cinco empresas manifestaram interesse” em operar estes meios do INEM. “O concurso está aberto, as propostas vão ser entregues até depois de amanhã e até ao final do ano o júri vai escolher uma proposta.”
Quanto ao protocolo com os bombeiros, a ministra avançou que existe a possibilidade de se avançar com um modelo de contrato-programa plurianual, algo que satisfaz a reivindicação da Liga Portuguesa dos Bombeiros. “Se temos contratos programa para os helicópteros, porque não termos contrato programa plurianuais para os bombeiros?”, questionou, para concluir: “Vamos rever a relação com os bombeiros seguramente.”