Violência doméstica: “O pedido de ajuda acontece quando a situação se tornou insuportável”
“O que torna a nossa lei muito rica é ser neutra do ponto de vista do género. Serve de igual modo homens e mulheres”, diz Daniel Cotrim, da APAV.
O que diferencia os pedidos de ajuda dos homens vítimas de violência doméstica?
Os homens que sofrem violência psicológica ou física, na relação conjugal, quando procuram ajuda, normalmente não procuram ajuda para si. Procuram ajuda para a pessoa que os maltrata, que são as suas companheiras na grande maioria dos casos. Diz que a companheira tem uma doença mental, e percebemos isto é uma desculpa para mascarar a ideia de que ‘os homens não choram’ e não são vítimas de violência. Muitas vezes, são vítimas de humilhação. Acontece com homens que não têm emprego ou que, mesmo com emprego, ganham menos do que as mulheres, têm menos habilitações do que elas ou têm um cargo de menor relevância. O homem sente que, aos olhos dos outros, não pode estar abaixo da mulher. Isto é usado pelas mulheres. Há violência psicológica, através da humilhação, aniquilação, ou de estar sempre a compará-lo com os outros homens.
Essa violência transforma-se em violência física? Só nessa altura se dá o pedido de ajuda?
O pedido de ajuda acontece no momento em que a situação já se tornou insuportável para eles. Pode ter-se tornado insuportável com violência psicológica ou quando começa a violência física. A partir do momento em que já não conseguem lidar com a situação, pedem ajuda. Por isso, os tempos são diferentes. Podem ser de seis meses, podem ser de 10 anos.
Os pedidos de ajuda dão lugar a abertura de processo no Ministério Público e o homem sabe disso e tem consciência das consequências?
Sim, tem consciência. Os homens fazem mais rapidamente a queixa. O tempo que medeia a primeira vez em que foram vítimas e a queixa pode ser um ano, enquanto nas mulheres é de dois a seis anos. E eles acabam por poder sair mais rapidamente da situação violenta porque na grande maioria das vezes não levam os filhos consigo. A justiça não trata de forma diferente. E o que torna a nossa lei muito rica é ser neutra do ponto de vista do género. O artº 152 [do Código Penal] serve de igual modo homens e mulheres. Foi dos primeiros enquadramentos legais na Europa a pensar exactamente desta maneira. A diferença acontece noutro plano: a violência contra as mulheres está completamente naturalizada enquanto a violência contra os homens é vista como algo estranho. Uma masculinidade hegemónica acaba por ocultar a violência contra os homens porque estes têm vergonha de apresentar queixa.