“É tempo de ter juízo” e de a Frelimo ter “outra atitude”, com “mais diálogo”
Antigo reitor da Universidade Eduardo Mondlane propõe um encontro entre os quatro candidatos presidenciais, sem Nyusi. Líder dos muçulmanos diz que “esta Frelimo” devia ter outra atitude.
Os quatro candidatos presidenciais nas eleições de 9 de Outubro deviam juntar-se para encontrar uma solução que possa acalmar a população. No entender do padre Filipe Couto, antigo reitor da Universidade Eduardo Mondlane, “é tempo de ter juízo” e negociar, porque “quem tudo quer tudo perde”.
Ao mesmo tempo que deixava de fora da solução para a crise pós-eleitoral moçambicana o ainda Presidente, Filipe Nyusi, e se manifestava contra a hipótese de repetir o sufrágio, Couto, em declarações ao canal STV, recomendou uma amnistia para Venâncio Mondlane, alvo de vários processos em tribunal por causa dos protestos, para que possa participar livremente nesse diálogo.
O Presidente moçambicano recebeu nesta segunda-feira líderes da comunidade muçulmana que foram pedir ao chefe de Estado e à Frelimo mais diálogo e mais atenção aos problemas da população, mas o que ouviram foi um ministro do Interior a denegrir os jovens que escutam o apelo de Mondlane e desde 24 de Outubro estão nas ruas a exigir mudanças.
Mesmo reconhecendo que a província de Maputo está “bloqueada” pelos manifestantes, o ministro Pascoal Ronda insistiu em reduzir os protestos a acções de gente alterada que responde ao apelo do candidato presidencial do Podemos sem raciocinar. São “pessoas anormais”, que “consomem bebidas alcoólicas, não das melhores, que consomem estupefacientes”.
É contra esses manifestantes que a polícia continua a disparar gás lacrimogéneo e munições verdadeiras, como mais uma vez aconteceu nesta segunda-feira em nova jornada desta fase de protestos convocada por Mondlane e que irá durar até quarta-feira. De acordo com a última actualização da plataforma eleitoral Decide, que vem monitorizando os protestos, desde o início das manifestações pós-eleitorais já foram mortas 103 pessoas.
No final da audiência com Nyusi, Nazir Loonat, líder da comunidade muçulmana, sublinhou a falta de diálogo que vem sendo demonstrada pelos governantes e pela Frelimo, pelo menos, “esta Frelimo”, diferente da “Frelimo antiga”.
“Gostaríamos que esta Frelimo mudasse a sua atitude”, referiu Loonat aos jornalistas, “gostaríamos que esta Frelimo mudasse o seu comportamento, que tivesse mais diálogo com o povo”, porque, na verdade, “está a faltar muito diálogo com o povo por parte dos nossos governantes”.
No domingo, Marcelo Mosse, director do jornal online Carta de Moçambique, escrevera taxativamente que “o poder do Estado da Frelimo esvaiu-se”. Para Mosse, à entrada do ano do cinquentenário da independência de Moçambique, Nyusi está a pregar “o prego final no caixão do seu próprio partido”. E o que quer que venha a suceder em consequência deste “quadro de violência pós-eleitoral, uma coisa é certa: a Frelimo ‘morreu’”.
Se se trata de afirmação do género “a Frelimo morreu, viva a Frelimo”, abrindo portas a que quadros dentro do partido recuperem os valores da “Frelimo antiga” de que fala Loonat, ainda faltam sinais concretos para tirar conclusões.
“Não há dúvida para ninguém minimamente consciente e responsável que é necessário que transformações e mudanças ocorram na vida política, na vida económica e na vida social moçambicanas”, afirmava, no domingo, o filósofo moçambicano Severino Ngoenha, no seu canal do YouTube. Há “necessidade de encontrar um caminho concordado”, de buscar soluções que permitam chegar a “um compromisso de bravos”, um “consenso” que seja um garante da paz, numa altura de tanta polarização.
Mas o que se vai vendo, com o aumento da violência e a falta de capacidade do Governo e da Frelimo em lidar com os protestos de rua e as suas exigências, não anda próximo de qualquer consenso, apesar do “profundo sentimento de rejeição” da Frelimo, dos seus líderes e de tudo o que o partido representa, segundo o director da Carta de Moçambique.
O que pode ser a oportunidade para agir daqueles que dentro do partido estejam de acordo com a necessidade da mudança. “Nem tudo na Frelimo é lixo”, sublinha Mosse. O partido “está cheio de boas pessoas com boas intenções” que não tiveram oportunidade de afirmação desde “a emergência da auto-estima estomacal do guebuzismo”, referindo-se ao ex-presidente Armando Guebuza, ou “à autocracia corrupta do nyusismo”, em relação ao actual chefe de Estado.