Países europeus tentam fugir a responsabilidades climáticas. Portugal fala no tribunal internacional nesta terça-feira

Na última semana, vários países da Europa apresentaram argumentos perante o Tribunal Internacional de Justiça sobre as obrigações dos Estados em matéria de alterações climáticas.

Foto
O juiz Nawaf Salam, presidente do Tribunal Internacional de Justiça, e outros juízes, durante as audiências públicas do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), o mais alto tribunal das Nações Unidas Piroschka Van De Wouw / REUTERS
Ouça este artigo
00:00
06:36

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

A fasquia está alta quando um caso chega ao Tribunal Internacional de Justiça, o principal tribunal das Nações Unidas. Desde 2 de Dezembro, e ao longo de duas semanas, o TIJ tem ouvido os argumentos de cem países — um recorde de participação em casos neste tribunal — a propósito de um pedido de parecer sobre as obrigações dos Estados em matéria de alterações climáticas.

Portugal faz a sua intervenção oral — que não foi divulgada previamente nesta terça-feira, depois da hora de almoço. O que disseram até agora os outros países europeus?

Obrigação ou compromisso voluntário?

A Alemanha foi o primeiro país da União Europeia a tomar a palavra perante o Tribunal e tornou claro o enorme fosso entre os argumentos jurídicos apresentados e o discurso de liderança climática do país a nível político, focando-se em desmarcar-se de quaisquer responsabilidades jurídicas pelos danos causados pelas suas emissões de gases com efeito de estufa que contribuíram para as alterações climáticas.

A Alemanha salientou a diferença entre obrigações juridicamente vinculativas e compromissos políticos voluntários, considerando que a maioria dos artigos estabelecidos no Acordo de Paris consiste em compromisso voluntário. Para o país, existem obrigações específicas e juridicamente vinculativas muito limitadas no direito internacional que são aplicáveis às alterações climáticas.

Os países nórdicos Dinamarca, Finlândia e Suécia, da UE, e ainda Islândia e Noruega , que apresentaram a sua posição em conjunto, também focaram as suas obrigações no “sistema climático” das Nações Unidas, que inclui a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris mas, havendo conflitos, prevalece o Acordo de Paris, por ser o tratado mais recente assim como as decisões das Conferências das Partes (COP). Um argumento conveniente, tendo em conta que as obrigações do Acordo de Paris são procedimentais: o cumprimento dos planos climáticos é uma obrigação de conduta, e não de resultado.

França, por seu turno, recordou que o Artigo 4.2 do Acordo de Paris, que estipula que os países devem preparar as suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês), implica uma obrigação de conduta à luz do princípio das “responsabilidades comuns mas diferenciadas e respectivas capacidades”, mas isso “nunca pode ser uma desculpa para a inacção ou inércia”.

Direito climático, só no Acordo de Paris?

À semelhança dos EUA, a maioria dos países europeus considerou que o Acordo de Paris deve ser a base da interpretação do direito internacional em matéria de alterações climáticas, questionando a aplicabilidade de outros regimes.

A Alemanha defendeu ainda argumentos para limitar as obrigações existentes ao abrigo de outras fontes de direito internacional, opondo-se à aplicação dos tratados de direitos humanos às matérias climáticas.

Por exemplo, em relação aos direitos das gerações futuras, a Alemanha sublinhou que o objectivo dos tratados de direitos humanos é proteger “as vítimas reais de violações concretas e não as pessoas abstractas de riscos abstractos”. Por seu lado, França salientou a importância do dever de ter em conta as necessidades e preservar as escolhas das gerações futuras como um princípio de direito essencial para alcançar a justiça climática.

Já Espanha, que chega a esta audiência no rescaldo da tragédia na região de Valência, posicionando-se como um dos países mais vulneráveis às alterações climáticas, notou que as consequências das alterações climáticas apenas podem ser abordadas na sua complexidade através da articulação entre tratados, declarações e princípios de regimes legais diferentes. O país, contudo, continuou a argumentação focando-se na via da cooperação dos Estados, assim como na autonomia dos mesmos para aplicar medidas de acordo com as suas circunstâncias internas e respectivas capacidades.

Os países nórdicos, por seu turno, tentaram menorizar as implicações da decisão deste ano do Tribunal Internacional do Direito do Mar (ITLOS, na sigla em inglês) sobre o dever de diligência devida para a protecção do meio marinho (considerando que as emissões de gases com efeito de estufa podem ser consideradas poluição), afirmando que este dever em matérias climáticas deve ser interpretado à luz das obrigações do Acordo de Paris.

Uma resolução é “apenas” uma resolução?

Outra contradição assomou quando a Alemanha, que trabalhou para a resolução 76/300 da AGNU, reconheceu o direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável, e argumentou que este não é juridicamente vinculativo ao abrigo do direito internacional.

Já Espanha notou que esse direito foi reconhecido de diferentes formas por 161 Estados. As obrigações dos Estados devem “ser interpretadas segundo uma abordagem baseada nos direitos humanos”, defendeu o país, sublinhando que a protecção do ambiente é crucial para salvaguardar a dignidade e prosperidade das gerações presentes e futuras.

A Letónia também reconheceu a importância das obrigações em matéria de direitos humanos no contexto das alterações climáticas, incluindo os impactos diferenciados que estas têm em vários indivíduos.

O principado do Liechtenstein, que não faz parte da União Europeia, citou o Conselho dos Direitos Humanos da ONU para referir que as alterações climáticas põem em causa o direito à autodeterminação, que é uma norma peremptória ou seja, um princípio fundamental do direito internacional cuja derrogação é proibida.

Os países nórdicos foram claros a rejeitar a responsabilidade histórica dos Estados, recordando que essa interpretação foi explicitamente rejeitada durante a negociação do Acordo de Paris. Questionando a aplicabilidade de princípios de direito internacional fora do Acordo de Paris (por exemplo, a prevenção de danos transfronteiriços), os países nórdicos à semelhança de quase todos os países desenvolvidos pareceram determinados a evitar as consequências legais de causar danos climáticos.

Apresentando conclusões semelhantes, França sublinhou que o financiamento da luta contra as alterações climáticas e os esforços para fazer face às perdas e danos se baseiam na solidariedade internacional.

Activistas acusam hipocrisia

Para a activista Henrieke Bünger, da organização World's Youth for Climate Justice (que apoiou o grupo de jovens juristas que originou o pedido ao TIJ), a Alemanha “rejeitou deliberadamente a própria noção de responsabilidade legal pela sua contribuição histórica para a crise climática”.

“A posição de desdém em relação ao reconhecimento dos direitos das gerações futuras é lamentável”, acrescentou a jovem alemã, acusando o seu Estado de hipocrisia, ao “enfatizar o seu respeito pelo direito internacional e, ao mesmo tempo, fazer declarações consecutivas contra a legitimidade do direito internacional”.

Já a sueca Ida Edling notou que “os países nórdicos, que enriqueceram graças às suas actividades extractivas e poluentes, não reconheceram a sua responsabilidade substancial na causa da crise climática”.

Apresentando a sua intervenção em conjunto, descreve a activista, “parece que os Estados mais progressistas se uniram para apoiar a posição retrógrada da Noruega, que procura fugir à sua responsabilidade legal e minar o direito internacional para proteger os seus próprios interesses nos combustíveis fósseis”, afirmou Edling, que faz parte do movimento Aurora, que no ano passado moveu uma acção contra a Suécia.